Vinte de março e dois mil mitos
Me assustando no hoje
vivendo os dias como
se eu já estivesse derrotado.
É como me sinto. Parcialmente.
Bebo alguns litros de cerveja
e começo a duvidar
sobre o que é real.
Não é possível que tudo
o que acontece comigo,
ao meu redor, seja real.
Me absorvo entre fumaça
e neurose. Beber é como
cair na realidade. Porque ainda
estou aqui, me sentindo tão merda
enquanto dias que por muito tempo
sonhei, são reais. Mas porque tive que
me perder em meio a tantas batalhas
e entendimentos
sentimentos mortos e conformado.
Agora não consigo me encontrar,
não sei dizer nenhum motivo para
eu não estar aqui, simplesmente cair fora,
a não ser o medo de fazer as malas.
"Eu queria sentir o cheiro da chuva
mas o único cheiro que consigo sentir
é: o de morte que vem desse seu cigarro."
Reclamou Denys.
Dei mais alguns tragos e
joguei o resto em uma possa
qualquer.
Olhando para as ondas
que as gotas faziam
ao cair nas possas. Chovia.
Pensei: mesmo não gostando
de holofotes tenho que deixar
de ser um qualquer, para encher
minha barriga
para viver do que me faz vida
e vender algumas boas palavras.
Apenas consideração
A desconhecida angustia desapareceu por um tempo,
restou um vazio que me reflete, mesmo eu sendo incapaz de me reconhecer e saber quem sou eu.
Me desculpe, fui muito otimista.
Acabei mentindo, não era minha intenção.
Tudo que escrevi
tudo que falei
foi de verdade
e do mesmo modo que foi de verdade
aquilo tudo se foi
ou me foi revelado que nunca esteve ali.
Percebi que as teias já se acumularam e uma estaca de madeira não me atinge mais.
Ando me aquecendo nesse inferno,
permaneço frio
com olhos caídos e apáticos
fora da realidade
pra suportar a realidade.
Não estou me lamentando
isso é apenas consideração,
uma leve culpa
pela falta de culpa.
Gaiola
A falta de sono
é apenas mais um detalhe,
sedado.
Os pensamentos estão
difíceis de organizar,
me sinto como uma gaiola
que é abitada por apenas um pássaro
sem penas na cabeça
e no pescoço,
um pássaro que sabe
que é inútil tentar
voar em um lugar
tão apertado
e quando alguém se aproxima,
se debate por todos os lados
da gaiola
e quando todo
momento de estéria
acaba
resta apenas dores
e solidão.
Repousando
esperando o tempo passar
e o maior problema
está em eu não conseguir sentir
quase nada ultimamente,
essas grades estão me sufocando
não queria nem ao menos
escrever isso
mas se tornou uma necessidade
não um querer,
tudo o que eu vejo
são outras gaiolas
vazias
ou com pássaros
igualmente ao meu
ou até mesmos piores.
Seus lábios secos
o superior grudando
no inferior de uma forma delicada
enquanto você ria
tomaram conta dos meus pensamentos
fazendo com que esse pobre pássaro
se debatesse um cado,
está doendo um pouco
e a solidão
não é uma companhia
que eu já não tenha
me acostumado.
Sinto
Numa madrugada gelada
preciso sair e tomar um pouco de ar
não pensar em nada
e apenas observar
o não movimento nas ruas.
Sinto que estou com medo dos sentimentos
mas a ausência do sentir
me assusta com o tempo,
sinto que a um cinto
preso em meu tórax
que me aperta
dificultando a passagem de ar para meus pulmões.
Tudo se parece como um bom banho quente
só que a resistência do chuveiro sempre está queimando,
a água gelada vem me envolvendo em um abraço frio e solitário
me trazendo a tona
em uma realidade não tão agradável assim
mas o sabonete ainda está no meu corpo
então apenas me entrego
até que esse abraço não seja mais necessário
até que a água volte a ficar quente por um tempo
até que eu encontre quem está sabotando meu chuveiro
ou até que eu descubra que não a nada agindo por detrás de tudo isso
e que tudo é predestinado a ser assim.
Sucesso ou não
Um buraco negro
no lado esquerdo
que em instantes
me mostra o vazio,
me faz sentir vespas
em meu estômago
em vez de borboletas.
Já me acostumei
a não ouvir tanto
minha voz,
por outro lado
sou atormentado
pelos meus pensamentos
e suas provocações,
hoje o frio me obrigou
a abotoar os botões
do meu casaco,
o sereno soava
como formigas
fazendo sapateado
sobre o guarda-chuva,
longas caminhadas
são boas para
se manter em silêncio
e evitar qualquer interação
pois as pessoas não vão
querer me incomodar
já que estou indo a algum lugar,
estou apenas andando
até que minhas pernas
se esgotem,
estou apenas respirando
até meus pulmões
fiquem negros,
me distraio observando
todos em suas rotinas
tão destemidos e determinados,
os movimentos dos carros,
as pombas e suas migalhas,
o ser humano em suas migalhas,
as nuvens se escurecendo
e o começo da chuva,
a primeira gota a cair
em minha pele
como uma pequena
agulha gelada,
o gato ronronando
no meu colo
apoiando sua cabeça
em minhas mãos
como se ela fosse
algum travesseiro.
Não sei porque evitei
tanto olhar
para esse caderno
nesses últimos dias,
foi como uma prisão
de ventre de minhas
angustias e criatividade,
mas agora que meu braço
começou a se enrijecer
eu já me sinto mais leve,
um pouco
mais realizado,
aliás foi mais
um parto realizado,
com sucesso ou não
fora apenas
mais um.
Ficou tão difícil tirar foto
E mais uma vez
aguardei o reerguer
das estrelas
para eu me sentir
um pouco mais
a vontade.
Permaneço no escuro
olhando para um ponto
fixo,
com a mente vazia,
quem sabe
assim, eu não me torne
um com toda essa escuridão
e apenas pare de sentir.
Uma vontade...
apenas não existir
e ainda me pergunto:
em que ponto a existência
se tornou um fardo?
Me deito
e me abraço
envolto na coberta
me frustro
e dou de encontro,
novamente,
como em uma cela
de tortura,
com a solidão
tudo tão vago...
a chuva molhava meu cabelo
e meu rosto
gelada como o resto
da nevoa que vem
dominando o que antes
costumava ser um belo
e ensolarado
campo florido.
Um temporal
um diluvio
sem chuva
sem calor
a um tempo.
O médico disse que as extremidades
dos meus dedos
são muito geladas,
o único calor que venho
sentindo
é da brasa do charro
quando o seu fim está
próximo,
acabo ansiando
que tudo esteja
próximo do fim
também,
apenas outro pensamento
negativo,
alguns eu nem sei o motivo
mas sei que eles estão ali,
continuo me esgueirando,
me esforçando ao máximo
para não proporcionar
o que eles querem ver,
ficou tão difícil
sorrir em fotos.
Castigo
Uma noite fresca e agradável
copos atrás de copos
e fumaça.
Acompanhado, mas me sinto sozinho
uma necessidade de ser preenchido,
uma carência,
tudo se tornou tão superficial.
Baixo nível de consciência,
algumas palavras e um desabafo subliminar,
me identifico com alguns.
Me calo e deito
música alta nos fones.
Não consigo fechar meus olhos
deitado nas chamas
mas permaneço frio.
Somos o castigo de Deus
e Deus o meu castigo,
apático, já não sei como demonstrar feições: “você tem um rosto de nada”
é tudo que sei sobre mim no momento.
Apaixonado por todas, mas não passa de uma carência superficial.
Me arrependo
mas não quero voltar atrás
tenho medo
medo por você,
você me faz falta
mesmo sendo inócuo a mim
a qualquer momento… eu não sei.
Observando da neblina
O vento era constante
acariciando meus cabelos
com seu toque gelado,
as estrelas brilhavam
entre as nuvens
em um céu opaco,
a escuridão era envolvente
e o silêncio…
solitário.
Doses de apatia
em longos debates
mentais
que me desgasta m,
lata atrás de lata,
fazendo neblina,
abitando em meio
de fumaças turvas
e densas.
Eu observava dois cachorros
entediados
dentro de uma varanda
onde, provavelmente
eles já conheciam
cada centímetro,
onde nada de novo acontecia
e tudo que restava
era ficar deitado
esperando que alguém
interagisse com eles
ou que algum pássaro
perca o controle de suas asas
e acabe caindo dentro da varando
proporcionando assim um pequeno
aperitivo de novidade.
Rede de proteção
Assisti partes de uma entrevista
com Bukowski,
com seus olhos caídos
e uma fala lenta,
falando sobre mulheres
e como a vida é ordinária,
criticando o modelo de vida
mesquinho que todos nós
somos moldados a levar.
Trabalhando oito horas por dia
natal e ano novo,
trabalhando e trabalhando.
Estou um tempo sem ter contato
com mulheres
me tornando um ser assexuado
com a mente sempre
lotada de pensamentos
escrevendo
querendo garantir
o pão amanteigado
no futuro
de uma forma
que me custe menos tempo
menos esforço
sem preocupações
com horários
ou com um chefe,
muito menos com colegas
de trabalho.
Um lobo solitário
escrevendo livros
em uma casa simples
a beira mar
bebendo vinho
e um bom charro sobre a mesa.
Sonhando alto,
não me preocupo
se a queda será alta
já não sinto dor
caso eu venha a descobrir
que ainda sinto, posso fantasiar minha mente
achando que haverá uma rede
de proteção caso ocorra a queda,
assim tudo estará bem.
Abutres emocionais
O barulho do ar-condicionado
era minha trila sonora,
um frio aconchegante
e solitário,
deitado de bruços
apreciando a curva
da sua cintura,
era apenas alguns metros
e meu peito ardia em chamas,
um sentimento
que sei que não deve
ir pra frente
mas que continua crescendo
e crescendo
me rasgando por dentro
como um haraquiri
que expõe meus órgãos
e alimenta os abutres emocionais.