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Poemas, frases e mensagens de benjamin

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de benjamin

moledo em agosto

 
tapo o sol com as mãos
porque não consigo
agarrar o céu

que mais se faz
quando se tem seis anos
quando o corpo

é tão sincero
quanto a espuma
a areia e as conchinhas

que colhemos
como aos dias
de horácio

que nunca saberei
quem foi mas sei
que o sal dá sabor e a vida

é ontem hoje e amanhã
como os retratos com pó
do vovô manel que

está sozinho desde maio
e eu gosto tanto
de o recordar assim

a desenhar faróis
na nossa tenda
indiferente ao ruído

de gaivotas como
a titi do biquíni azul
com a boca cheia

de bolacha americana
e de conselhos úteis
como vamos para

a sombra sai dessa
água despacha-te
é tempo de ir embora

e o ruído de repente acaba
já não tapo o sol
já não vou agarrar o céu

o caderno do vovô está
com pó na estante a titi
cala os silêncios dela

ainda tenho aqui um resto
de sal conchas e dias
hoje amanhã e sombra
 
moledo em agosto

Soneto à moda da casa

 
Digam comigo esta falsa oração:
que os poemas ensinam o interdito
e convertem a vida nesse mito
da fuga eterna ao destino malsão.

Contemplando de longe a defunção,
desejamos apenas o infinito
como o funâmbulo que no seu rito
se distrai c'o céu, não olha p'ra o chão.

Assim vagueia p'las palavras duras,
sem nunca atravessar o mesmo rio,
prendendo nas mãos as horas impuras,

o poeta que nasce noites a fio
e cria um manual das coisas obscuras
porque existe só nesse desafio.
 
Soneto à moda da casa

rostos do oeste

 
perdoei-te bem mais do que
um verso quebrado
os hurras no picadeiro
os ecos do desfiladeiro
o polegar invertido
sobre a arena cada vez mais vazia

perseguia-te há muito
por detrás das lonas
que escondiam grades
que escondiam feras
que escondiam rostos
não máscaras,
como querias fazer crer

e entre nós
- os intérpretes do teu guião
de sangue e lantejoulas
as criaturas de fim de turno -
estava quem, na sombra, te reconheceu
quem da fímbria da tua túnica
fez seu hábito
quem cerziu a pele com o teu verbo
quem engoliu o sexo frio do teu sopro
quem, da frisa lateral,
se avistou, entre os humilhados e os proscritos

foi no deslumbramento da revelação
que te abandonei
e fui sonhando outros sonhos
errando outros erros
fingindo a realidade que sempre me negaste

e pela primeira vez
pude ouvir a tua voz
chamaste-me ingrato
blasfemo
pedaço de vazio...
expulsaste-me do teu poema
e eu agradeci-te:

para memória,
basta a dor de que não me quero desfazer
para fé,
basta a que nunca tiveste em mim
 
rostos do oeste

como verbo, o ar

 
li num poema persa
"a tua ausência será
o meu momento de cotovia"

por isso
me lancei ao firmamento
de olhos fechados

mas ainda desperto de longe
em longe e só
sei que és a primeira vez
que vejo o dia
 
como verbo, o ar

pelo teu nome

 
só hoje soube que sempre vivi
no interior da tua boca
no teu nome

lembro-me de tudo

antes de ti
a platitude de uma janela aberta
a geometria da ausência
o desdém em contrapicado
o que sempre esperei
o que nunca conheci

sob um sudário de azul
azul de creta
azul de klein
chamaste-me pelo teu nome
e habitei por momentos
nos teus vinte anos de pele
os três mil anos de um kouros
emergindo da teia das ondas
dançando numa noite de agosto

penetrei na tua camisa
como num abraço
ou numa armadura
mas não desperdiçarei nunca a dor
que vivi com esse momento
cortante
de incandescência

lembro-me de tudo

chamaste-me pelo teu nome
e acorri a contemplar a estatura e a beleza
do inimigo morto

frente a frente
contra o fogo
 
pelo teu nome

vybachte

 
o dia prosseguiu e deixou-a atrás, sozinha.
clarice lispector

rendemo-nos
pelo corredor seco de uma bala

o estertor franco de uma fechadura
vai-se
ocludindo a negro
longe como uma explosão
que se engole a si própria

domínio e dignidade
não existem debaixo de água
no batismo da nossa espécie
o grito e o choro são a
primeira mensagem
nas frentes do mundo

é a lei que diz que
nunca teremos as feridas que merecemos

todavia
pouco valerá tanto
quanto o crime de uma flor
a existir
 
vybachte

luto por lutar

 
o sabor cru de um corpo furtado
que se engole e se cospe termo a termo
é tão acre quanto um coração ermo
tão frio como uma jarra vazia
desse sussurro à espera em cada brado
na viuvez do meu voo, cotovia
fútil a capitular
em mudez
 
luto por lutar

declaração de rendimentos

 
falhos ao largo
mas em dívida
com o mais ínfimo
que certa lente arbitrária
decanta e bemoliza

e devolve
em botões de murta
e votos de boa viagem
 
declaração de rendimentos

noves fora

 
nada para dizer digamos
que abri o espelho na página
certa e é certo e sabido
que de todas as vezes
que fiz dezassete anos
estive no topo da torre eiffel
a comer tremoços e a olhar
do cimo do céu
para o princípio de tudo
para ti

é assim
que se faz quando o mundo
inteiro tem a nossa idade

mas hoje querida jeanne
é dia de natal
(ou uma manhã de maio
no bosque de bolonha)
já não estás sob o meu peito
mas continuo deitado
faz bem alongar a quem
ganhou peso ou perdeu
verticalidade

só tu sabes por isso
volto à noite
está bem? para te contar
de novo do novo
do mark lanegan a ti
que nunca gostaste do pó
dos discos
nem da estrada

não é por veres
o verdadeiro hemisfério
deste rosto que tens
de fugir mas tudo bem
talvez seja esse o fim
de quem não sabe
de anéis lunares ou lá essas coisas
que se arrumam na última
estrofe de um poema
 
noves fora

circo a duas mãos

 
castas aos círculos nos areais
serpentes mudas em forma de deus
fogem às chamas diretas ao cais
de onde partem os teus sonhos e os meus

prestes a sentir febres animais
fartos de julietas e romeus
vamos rastejando p'los matagais
no primeiro encontro há o primeiro adeus

se pudemos viver de possessivos
adiante seremos reféns do nada
é mais fácil fingir que estamos vivos

que avistar ao longe a curva da estrada
e os chacais que fomos estão cativos
seguindo sem destino co'a manada
 
circo a duas mãos

cisne negro

 
olhos de rubi
deixa-me ir contigo
à cave do medo
e da glória

na tua língua
áspera quente viscosa
sinto a iminência da queda

o encontro súbito da negação
do que até agora fui

o desejo
sangue e fúria
o caminho solitário
a morte dos que me amam

troco a minha alma
por um pas de deux

vivamos
no assombro da plateia
na respiração suspensa
antes do aplauso
 
cisne negro

a estação das supernovas

 
como sabem
tudo começa com o açoite
das noites e tiros
de tequila

e cada segundo
é um puro segundo
tão virginal
que um gajo nem suspeita de que
é espera
radiação submersa
prestes a ser caudal

não queria nada
esquecer esse retrato
de refugiado à luz da praia
que selou os meus instantes
quando ainda havia selos
e eu curvava a letra ao cite
carnívoro de uma boca
e às supernovas

trancadas no armário do quarto
até o conjuro do sexo
ou uma discussão com o meu pai
as vir buscar
 
a estação das supernovas

a jornada

 
despiu a alba tirou o solidéu
e o velho nu à janela acredita
ser a sentinela do que a avó
dizia ser o céu

e então descansa um
segundo só
respirando o silêncio inteiro
a dar de pernas como a criança
que amadurece no ramo de um freixo
e adormece

à espera do próximo veleiro
 
a jornada

madalenas e tangerinas

 
nunca vou saber
o que é adormecer cedo
equívoco próprio
de quem se deixa levar
pelo pecado insciente
de um odor
ou de um verso
segredos idênticos
de alguém que fala
de minerais como de frutos
e de desastres africanos
como de fêmeas reticuladas
à maneira dos citrinos
porque em dias de carne e osso
tudo o que seja mais do que
brisa quente e água fresca
é falso
como a lanterna mágica
da nossa meninice
essa dança de roda
à volta do tempo
em que perco o fôlego
e regresso de súbito
à inspiração
 
madalenas e tangerinas

bem me parecia que mal parecia

 
bem me parecia
que havia margens sem rio
que havia fome e que havia fastio
e que uma língua de sabor almo
não havia

pois eu
tão de bruma tão larvar
tão inutilmente calmo
tão levianamente calvo
tão vinicolamente alvar
eu tão sempre eu

só para mim cumpria
a tradição sandia
dos mortos sem cova
a prova salaz
de ser incapaz
de esconder uma trova
 
bem me parecia que mal parecia

tríptico da virgem – painel central

 
em memória de paula rego

às vezes ainda regressa
com o carinho cru
da parturiente cheia
de mãos vazias
acomodando brasas
sobre os mamilos

porque se esquece
de cor
dos anjos que seguraram
as pernas abertas
à espera da sarça sempre
ardente da mais estúpida
verdade errando
pelos homens de onde se elevam
as primeiras estrelas de um
brilho puerilmente
negro

trago-a sempre comigo
de um gole só
responde-me com a forca
delicada dos braços
e trinca-me o crânio
do tamanho da sua boca
pois apenas nos é dada a conhecer
a ternura dos abandonados

diz que nunca

mas há sempre um dia
em que nos cruzamos
com aquilo que somos
com os berços mijados
as saias arregaçadas
a sinfonia dos acamados

houve tempos em que parecia
o espectro da montanha
o gigante de mim mesma
tão longe como um círculo de cores
sem falsos silêncios
antes um segredo
lambendo-me as orelhas

hoje tenho de ser eu
a limpar-lhe a saliva
esquivando-me às dentadas
a colocar-lhe a mão
dentro das cuecas
a sussurrar o nome
de cada uma das feras
com quem se deitava
atrás da tela

sempre foste das aves
e decerto sabes
uma ou duas coisas sobre vertigens
e quedas
por isso diz-me se te lembrares
qual o preço
certo desta montra final
 
tríptico da virgem – painel central

estava entre as feras e os anjos serviam-no

 
és ou não o profeta?
ou serás tu o anátema?
frágil estatueta
ou boneca de artesanato?

talvez chuva de verão,
talvez fio de regato

cilício ou rosário?
poema ou comentário?
não serás a resposta?
e se fores a questão?
homem sem braço,
laura palmer?
rainha ou peão?
manilha seca
ou ás de trunfo?
retirada ou triunfo?
manifesto cubista,
esfinge do egito
ou fresco renascentista?
coluna de granito
ou pedra de roseta?

talvez simples proveta,
talvez bola de cristal

colo angelical
ou cauda de felina?
bola de neve ou naftalina?
pé descalço ou coturno?
talvez boca de cena
ou serás o cadafalso?
 
estava entre as feras e os anjos serviam-no

manobra de diversão

 
era nos tempos em que
os ramos se enlaçavam
para que a luz pudesse
cruzar connosco
crianças que destilavam rosas
onde os outros só viam dias

e entravam sempre sem medos
nestas cavernas vagamente
vazias de vascas
a contornar a escuridão
de naves suspensas
de todas as eras
de todas as vozes

a entoar um único
silêncio
por todas as fendas
do nosso pobre barro
a quem se entretém
com a fímbria negra
dessas pequeninas chamas que
oscilam coram incendeiam

quando a memória fútil
do fruto interdito
vem apagá-las
com o sopro súbito
das horas inexoráveis
no exato momento em que
estávamos distraídos
com o despontar da soagem
 
manobra de diversão

crianças à janela

 
(a propósito de um quadro de bogdanov-belsky)

quem me observa é uma
hoje apenas
palavra
frágil como cardos
clarão baço e vozes
em turva lenta
rotação dizem

que há uma cruz
dentro e fora do tempo
não creio na cisão
da alma só
avistamos perto
por causa do inverno

cede por um instante
a porta ao vento
podes ter de

para enfrentares no alpendre
a mesma sede da infância
 
crianças à janela

lados

 
lados
 
House #3, de Francesca Woodman
por não haver
mais que ruídos
(nós
e as paredes
entre sereias)
soçobram línguas
sob os vidros
 
lados