A(o)Mar - Por Donzela do Gelo
A(o)Mar - Por Donzela do Gelo
Já movi o mar
de anseios
na rede do pescador
as gotas em tua face
cintilam em tua fronte
como uma coroa
quão altas são estas muralhas
que se levantam em ondas,
quantos peixes vais abater
em tua rede?
me lembro que sobre ti
deitava-me e num referver
de espumas me provavas
águas marinhas, tainhas e badejos
todos presos em tua rede,
menos eu
que sou sereia
não caibo em teu aquário
de pequenos peixes
de silenciosas verdades
a tua vaidade foi sempre
lançar-me ao mar
como uma menina miserável
banhada em uísque,
sem uma última canção
com um alfanje escuro
me cortas e me lanças ao mar
nas nadadeiras de um peixe
que me leva
submersa
em minha própria
fúria
Donzela do Gelo em 13/08/2023 - Chris Fonte
Entrega - Chris Fonte
Hoje a 1 hora da tarde
Te mandei flores
Elas foram nas mão dum menino
Entre as primeiras horas da manhã
O menino tinha os pés sujos
E as mãos puras
Tinha sol no olhar
E as flores eram tuas
Disse-lhe:
Se tens asas voa!
Pois todo meu amor está nas tuas mãos.
Sou passarinho, ele disse.
Sorri.
Chris Fonte Katz - Teimosia
Preto, tu viu a casinha?
É no térreo
daqui a gente não vê o mar
mas sonha
Preto, tu viu que da janela,
a gente vê um monte de árvore?
Mas, nenhuma delas dão fruto
Preto, tu viu a rua?
A gente da janela vê todas
as cheganças
Preto, tu já perguntou pro
Menino Jesus porque a gente
está aqui?
Preta, a gente está aqui de
teimoso, a gente vive de pura
teimosia.
Chris Fonte Katz - Teimosia
Mangue - Katz
Mangue
Eu suplico aos que dormem
Ao menino Jesus, falo
Obedeço e rezo
perto do mangue com os pés no lodo
Onde,
Não vejo nem veias ou tornozelos
Quem eu sou menino Jesus?
Serei eu como palmeiras que se suicidam em frente ao mar?
Ou serei como as lágrimas do cavaquinho ou do pandeiro que choram?
Sofro o desgosto de ser Mulher
Então obedeço
Rezo e mais nada faço
Vivo como um reco-reco
no fundo, ao fundo
Feito meretriz no mangue
Com caranguejos aos meu pés
Onde vejo o luar
a tornar-se uma coisa só
no meu dorso nu
feito ponta de faca que suando
vaga meu corpo adentro...
Por Chris Fonte Katz, Donzela do Gelo.
Sede
O Dia Foi duro.
Ardido.
Acredito em mágica. Ou em páginas em branco?
Choveu e não houve café.
Nem cafuné.
Tão pouco sorrisos.
Apenas escureceu.
E nublou toda uma busca.
Feito o rio diante da moça.
Que seca e a deixa com sede.
Por Chris Fonte - Donzela do Gelo
Casa de Rua - Por Donzela do Gelo
não sou casa de rua
nem sou abrigo miserável
curvo-me ao chão
diante de ti para que não entres
sinto demais, mas não te perdoo
se te faço isto,
seremos dois novamente
não tenho coração
ou será que o som que escuto
em meu peito, é meu coração
atado a corda que ainda vibra?
distância, é o que meu coração vibra
tudo acabou, até o sofrer
não há casa, é pura verdade
rebentei em pranto, e penso ainda
não sou casa de rua
ou talvez,
nunca tenha sido
amor
Copacabana - Donzela do Gelo
Copacabana - Por Donzela do Gelo
Em Copacabana as ondas
se abrem em esquinas infinitas
das ruas que em mim, habitam,
ondulando sinais de chegadas
e partidas
quando ando nessa areia
nessas ruas de espumas,
grito, até abalar as entranhas
lugares que em mim,
antes, nem conhecia
em Copacabana o mar se torna véspera
e banho-me em espumas diante da multidão
neste banho mordo-me salgada
na beira dos morros que me cercam
e em risadas ébrias e vãs afundo
nestas águas de Copacabana que
agora habito e tento com afinco
no sal, e na espuma me livrar
da minha dor
quem sabe nas nadadeiras de algum
peixe, encontre leitos
e descanse do verão
pois, na verdade,
não há descanso em mim
mas sim multidões de ondas de marfim
e eu talvez junto a um cardume de tainhas
fique presa a uma rede e vá parar num
aquário
ou apenas
vire sereia, de um verão só
fantasma sem nome, em Copacabana
de ondas e esquinas infinitas
Sentidos. Por Chris Katz
Sentidos.
O vestido rodado contrastava com as luzes que atravessavam as cortinas de cetim barato. Estavam repicadas pelo tempo e por tudo que se temia. Olhando assim de lado, no lusco-fusco daquele ambiente que se dividia em sonhos encomendados, a silhueta desajeitada descansava desbotada em tons de marfim. Não pense que era covardia, mas sim, timidez, uma mistura de pedidos desmedidos, exaustão e sorrisos largos.
Os saltos de carmim e as roupas lustrosas dançavam diante de seus olhos, nenhuma brisa, nenhuma chuva, nem à noite, tão pouco a luz do dia. Não havia respiração, não havia raciocínio. Nada era lógico para quem vivia no inferno do fogo, na luz da noite.
Mas em tudo que ouvia, era como se fosse um crime sem defesa, uma alma perdida. Um sustento perdido no tempo, no fundo do seu olho. Cirandava vestida de princesa, uma coroa de hortaliças e um cetro que não continha magia. No tempo de um abraço sempre era outra pessoa, todos os dias se modificava e se mortificava.
Nalgum lugar, no passado, no futuro então, haveria alguém melhor que ela, algo mais colorido e vivo do que ela almejava ser. Tudo tão passional quanto à inércia de seu próprio corpo fotografado com seu copo preferido na mão. O mundo naquele momento girava em torno dela, uma forma inédita para ela. Era a revolução de todos os seus sentidos, de todos os seus desejos. Seu olhar estava preso em passos pequenos, em vestígios de imensa solidão e até certa dose de ironia.
Sua presença ali era doce e terna, um relance do cansaço da noite refletindo no calor da falta de um abraço. Um mergulho num mar impuro, um vinho acima da temperatura, um banho num chuveiro úmido. Seus traços agora pensados no esfumaçado espelho, eram de desespero. Cabelos molhados, à noite, e um suspiro desajeitado, uma voz que não fazia efeito, uma espera de si mesma.
Nada exorcizava o que sofreu. Sozinha no quarto a fraqueza era querer usar o azul do céu na cor do seu vestido. Mas aquele baile exibicionista iria começar mais uma vez, por isso não podia. Contudo a vida fluía em seus poros, talvez sem timidez, mas banhada numa certa covardia. Em palavras, nos seus olhos buscava as estrelas, pois só sabia ser feliz assim.
Chris F. Katz
A Gaveta Falante - Dentro da Gaveta Guarda Infinito - Por Chris Katz
Dentro da Gaveta
Dentro de mim cabem luas,
fios de riso, farelos de dor,
fotografias sem moldura,
e cartas assinadas com flor.
Há um silêncio que dança lento
entre palavras que nunca enviei.
Sonhos que caem em folhas secas,
e promessas que guardei.
Cada poema é um relicário,
um pedaço de você que escolheu ficar.
Sou feita do que não morre,
sou o espaço de guardar.
Se um dia o mundo pesar demais,
lembre de mim, teu abrigo bendito.
Feche os olhos, sussurre meu nome —
a Gaveta que Guarda Infinito.
Surdina Por Chris Fonte Katz
Tens o meu silêncio
e o meu calor
Labirinto forjado em cinzas
e fervo
entre cachorros e gatos
postes e telhados de zinco
e na surdina teu corpo
flancos gritos
muro torneado
tua bunda melódica
fervo e fervo
Então sinto teu cheiro
que vem com o vento
e me torno mar
molhada num contraponto
afogada entre teus episódios
na surdina
te provo
salgado
tenro
como alimento
em minha boca.