Vida e Obra |
em 11/06/2011 20:56:17 (10569 leituras) |
José Guilherme de Araujo Jorge
Nasceu em 20 de maio de 1914, na Vila de Tarauacá, Estado do Acre. Filho de Salvador Augusto de Araújo Jorge e Zilda Tinoco de Araujo Jorge.
Descendente, pelo lado paterno de tradicional família alagoana, os Araujo Jorge. Sobrinho do embaixador Artur Guimarães de Araujo Jorge, ( autor de inúmeras obras sobre Filosofia, História e Diplomacia), sobrinho neto de Adriano de Araujo Jorge , médico, escritor, grande orador, que foi Presidente perpétuo da Academia Amazonense de Letras, e do Prof. Afrânio de Araujo Jorge, fundador do Ginásio Alagoano, de Maceió.
Descende pelo lado materno dos Tinocos, dos Caldas e dos Gonçalves, de Campos, Macaé, e S. Fidélis, Estado do Rio. Passou sua infância no Acre, em Rio Branco, onde fez o curso primário no Grupo Escolar, 7 de Setembro. No Rio , realizou o curso secundário nos Colégios Anglo-Americano e Pedro II Colaborou desde menino na imprensa estudantis. Foi fundador e presidente da Academia de Letras do Internato Pedro II, no velho casarão de S.Cristovão, consumido pelas chamas muitos anos depois. Data dessa época, ainda ginasiano, sua primeira colaboração na imprensa adulta: em 1931 viu publicado o seu poema "Ri Palhaço, Ri" no "Correio da Manhã", depois transcrito no "Almanaque Bertand" de 1932. Entretanto, este como outros trabalhos desse tempo, não foram incluídos em seus livros. Colaborou também no jornal " A Nação" ; nas revistas: " Carioca", "Vamos Ler", etc. Formou-se pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil.
Em 1932, No Externato Colégio Pedro II, em memorável certame, foi escolhido o " Príncipe dos Poetas", sendo saudado na festa por Coelho Neto, "Príncipe dos prosadores brasileiros" recebendo das mãos da poetisa Ana Amélia, Presidente da Casa do Estudante, como prêmio e homenagem, um livro ofertado por Adalberto Oliveira, então " Príncipe da Poesia Brasileira".
Na Faculdade de Direito foi o fundador e o 1º Presidente da Academia de Letras, que teve como patrono Afrânio Peixoto, então professor de Medicina Legal. Foi locutor e redator de programas radiofônicos, atuando nas Rádios Nacional, Cruzeiro do Sul, Tupi e Eldorado. Em 1965, era professor de História e Literatura, do Colégio Pedro II. Orador oficial de entidades universitárias, (do CACO da União Democrática Estudantil, precursora da UNE, da Associação Universitária, etc), ainda estudante, venceu concursos de oratória. Em Coimbra recebeu no título de " estudante honorário" e fez Curso de Extensão Cultural na Universidade de Berlim.
Com irrefreável vocação política, foi candidato a vários cargos públicos. Elegeu-se Deputado Federal em 1970 pela Guanabara, reelegendo-se já para o seu terceiro mandato em 1978 . Ocupou a vice-liderança do MDB e a presidência da Comissão de Comunicação na Câmara dos Deputados. Politicamente participou sempre das lutas anti-fascistas, como democrata e socialista. Lutou, ainda estudante, contra o "Estado Novo". Foi preso e perseguido várias vezes durante esse período . Deixou de ser orador de sua turma por estar detido na Vila Militar, sob as ordens do Gal. Newton Cavalcanti, durante todo "estado de guerra" de 1937.
Foi conhecido como o Poeta do Povo e da Mocidade, pela sua mensagem social e política e por sua obra lírica, impregnada de romantismo moderno, mas às vezes, dramático. Foi um dos poetas mais lidos, e talvez por isto mesmo, o mais combatido do Brasil.
Faleceu em 27 de Janeiro de 1987.
As informações abaixo foram compiladas dos livros "Concerto a 4 Mãos" 2° edição, página 173,e "Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou" volume II, 1° edição 1966, página 352:
J. G. de Araujo Jorge é o mais popular poeta do Brasil, de nossos dias. Seus versos multiplicam-se pelos cadernos de poesia dos jovens; são declamados em festas e recitais; difundidos em programas radiofônicos, jornais e revistas de todo o país, e, principalmente, estão na memória e no coração do povo.
Que maior glória pode aspirar um Poeta? Só Castro Alves e Augusto dos Anjos conseguiram no Brasil popularidade igual à conquistada por esse grande poeta moço.
Ele próprio já confessou, numa trovinha:
"Minha maior alegria minha glória humilde e nua é ver a minha poesia fazer ciranda na rua"
Lírica e social, a poesia de Araujo Jorge emociona os corações enamorados, fala à alma de toda gente porque traduz seus desejos, angústias e esperanças, e, ao mesmo tempo, indica rumos e faz-se intérprete das reivindicações de sua época.
Romântico e socialista, é o poeta moderno que interpreta seu tempo e vê sua mensagem cumprir sua missão. J. G. de Araujo Jorge compõe letras para canções e para hinos. É o poeta do seu povo.
Eis uma relação completa de suas obras: Índice de Obras de J. G. de Araujo Jorge
01 - 1934 Meu Céu Interior
02 - 1935 Bazar De Ritmos
03 - 1938 Amo!
04 - 1934 Cântico Do Homem Prisioneiro!
05 - 1943 Eterno Motivo
06 - 1945 O Canto Da Terra
07 - 1947 Estrela Da Terra
08 - 1948 Festa de Imagens
09 - 1949 A Outra Face
10 - 1952 Harpa Submersa
11 - 1959 Concerto A 4 Mãos
12 - 1958 A Sós. . .
13 - 1960 Espera.. .
14 - 1961 De Mãos Dadas
15 - 1961 Canto A Friburgo
16 - 1964 Cantiga Do Só.
17 - 1965 Quatro Damas.
18 - 1966 Mensagem 19 -1960 Coleção Trovadores Brasileiros
20 - 1964 Cantigas De Menino Grande. 100 Trovas,
21 - 1964 Trevos De Quatro Versos . Trovas
22 - 1969 O Poder Da Flor
23 - 1942 Um Besouro Contra A Vidraça PROSA
24 - 1961 Brasil, Com Letra Minúscula- PROSA
25 - 1939 Poesias - Coletâneas
26 - 1947 Poemas De Amor-Coletâneas.
27 - 1948 Antologia Da Nova Poesia Brasileira
28 - 1961 Meus Sonetos De Amor Coletâneas
29 - 1961 Poemas Do Amor Ardente Coletâneas
30 - 1963 Os Mais Belos Sonetos Que O Amor Inspirou
31 - 1964 Amor Vário Antologia Lírica.
32 - 1966 Os Mais Belos Sonetos Que O Amor Inspirou
33 - 1969 No Mundo Da Poesia Crônicas
34 - 1970 Mais Belos Sonetos Que O Amor Inspirou
35 - 1981 O Poeta Na Praça - Coletâneas
36 - 1986 Tempo Será - Coletâneas
Entrevista concedida por J.G.de Araujo Jorge a Carlos Camargo, na sucursal e "Manchete , em Porto Alegre, 1969.
Quinze respostas de JG
P- Que acha da poesia em si?
R- A poesia é a vida acontecendo no poeta. Afinal o que é o poético senão o poeta? A vida é apenas barro. Tu serás ou não, Deus.
P- O que acha do amor?
R- É a capacidade de "ser". O homem ama amplamente, e de modo multiforme. Sem amor não se " é ". Ama-se ao próximo como preconizava Cristo há quase dois mil anos: para se somar o mundo. Ama-se " a próxima ..." para a multiplicação...
P- Onde busca sua inspiração? Escreve sempre?
R- Não busco. Ela me encontra. Está na vida. Passo meses, anos, sem escrever uma linha. Escrevo um livro, em poucos dias. Acontece.
P- Qual seu meio preferido de distração?
R- Olhar. Há muita gente que tem apenas olhos para ver. A capacidade de se ter, "olhos de olhar" a vida, recolhendo dela tudo o que nos pode oferecer é mais empolgante.... e o mais barato de todos os divertimentos.
P- Qual o maior poeta nacional.
R- Os poetas são como instrumentos. Não posso dizer entre um violinista, um pianista, um saxofonista, qual o maior. Cada um é grande no seu instrumento. Citarei poetas de minha predileção: Moacyr de Almeida, Raul de Leoni, Augusto dos anjos, para falar dos que já partiram, mas continuam com a gente, apenas com a sua poesia.
P- Qual a melhor poesia que já escreveu?
R- Difícil. As poesias vão marcando "momentos" de minha vida, como os luvros fixam "etapas". Cada uma delas representa, portanto, algo de particular. Mas dá-se o fato curioso: às vezes as poesias de que mais gosto não são as de que gostam mais meus leitores. Eles, ou elas, por exemplo, preferem as minhas poesias líricas: eu prefiro as sociais, e até as políticas.
P- Qual o tipo de mulher eu mais lhe agrada?
R- A que me compreende. Só a compreensão liga realmente um homem a uma mulher. O resto é efêmero. Mas como me pergunta a maior qualidade na mulher para me atrair, eu responderia: a sua feminilidade, a sua ternura, a sua capacidade de dar-se.
P- Qual a diferença do romantismo do passado e o da atualidade?
R- Costumo dizer que o romantismo não foi apenas uma escola literária, mas um estudo de espírito que independe de escolas. Os modernos são também românticos, apenas o romantismo do nosso tempo se apresenta com características diversas do romantismo do Século XIX, o chamado " mal do século". O romantismo do homem de nossos dias é um romantismo sensorial, que tem raízes profundas na realidade.
P- A conquista do espaço fez decair o valor dos termos poéticos referentes à Lua, estrelas, etc?
R- Ainda não. Quem sabe lá daqui a alguns anos? Escrevi certa vez que a minha poesia " era como aquela face da Lua que ninguém vê, voltada sempre para o infinito." E hoje, russos e americanos já conseguiram fotografar a outra face da Lua... Evidentemente terei de mudar a minha poesia para outro planeta, ou satélite, mais inacessível...
P- Existe amor platônico?
R- Deve haver: o dos idealistas, o dos frustrados ou doentes. Mas o amor é como a poesia, ou como a flor, - por mais belo que seja, ou por isso mesmo, precisa da seiva que vem do chão, do trabalho das raízes.
P- Acredita no amor à primeira vista?
R- Não. Acredito em simpatia. O amor exige tempo para definir-se, plasmar-se. O amor não nasce amor, como da semente não nasce a flor.
P- Com que idade escreveu suas primeiras poesias?
R- Com 12 anos mais ou menos. Meu primeiro livro (Meu Céu Interior ,1934) é uma coletânea de poemas escritos entre 14 e 17 anos. Escrevi minha primeira poesia na mesma época em que era o capitão do "time" campeão de futebol do Colégio Pedro II, onde estudei.
P- O que mais lhe agrada na vida?
R- A vida. Nada há de mais extraordinário. Veja o que disse, neste final de soneto:
"Podes tudo pensar, tudo criares em histórias e cantos singulares, o que o sonho não pode, a alma não deve,
e ainda assim hás de ver que não és louco, que tudo que pensaste é nada e é pouco, ante o que a própria vida ensina e escreve!"
P- Que escrito dedicaria à Valentina a astronauta russa, primeira mulher a devassar os espaços?
R- "Tu que não cres em Deus mas que O olhaste de perto, em teus olhos traze para os homens a sua muda mensagem ainda incompreendida."
*Fonte: http://www.jgaraujo.com.br |
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Noite |
em 09/06/2011 15:19:25 (4878 leituras) |
NOITE
Noites africanas langorosas, esbatidas em luares..., perdidas em mistérios... Há cantos de tungurúluas pelos ares!
Noites africanas endoidadas, onde o barulhento frenesi das batucadas, põe tremores nas folhas dos cajueiros
Noites africanas tenebrosas..., povoadas de fantasmas e de medos, povoadas das histórias de feiticeiros que as amas-secas pretas, contavam aos meninos brancos...
E os meninos brancos cresceram, e esqueceram as histórias...
Por isso as noites são tristes... Endoidadas, tenebrosas, langorosas, mas tristes... como o rosto gretado, e sulcado de rugas, das velhas pretas... como o olhar cansado dos colonos, como a solidão das terras enormes mas desabitadas...
É que os meninos brancos..., esqueceram as histórias, com que as amas-secas pretas os adormeciam, nas longas noites africanas...
Os meninos-brancos... esqueceram!...
1948-Outubro (Poemas1966)
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Lágrimas de sangue |
em 07/06/2011 13:32:21 (9271 leituras) |
Ao pé das aras no clarão dos círios Eu te devera consagrar meus dias; Perdão, meu Deus! perdão Se neguei meu Senhor nos meus delírios E um canto de enganosas melodias Levou meu coração! Só tu, só tu podias o meu peito Fartar de imenso amor e luz infinda E uma Saudade calma; Ao sol de tua fé doirar meu leito E de fulgores inundar ainda A aurora na minh'alma. Pela treva do espírito lancei-me, Das esperanças suicidei-me rindo... Sufoquei-as sem dó. No vale dos cadáveres sentei-me E minhas flores semeei sorrindo Dos túmulos no pó. Indolente Vestal, deixei no templo A pira se apagar - na noite escura O meu gênio descreu. Voltei-me para a vida... só contemplo A cinza da ilusão que ali murmura: Morre! - tudo morreu! Cinzas, cinzas... Meu Deus! só tu podias À alma que se perdeu bradar de novo: Ressurge-te ao amor! Malicento, da minhas agonias Eu deixaria as multidões do povo Para amar o Senhor! Do leito aonde o vício acalentou-me O meu primeiro amor fugiu chorando. Pobre virgem de Deus! Um vendaval sem norte arrebatou-me, Acordei-me na treva... profanando Os puros sonhos meus! Oh! se eu pudesse amar!... - É impossível! Mão fatal escreveu na minha vida; A dor me envelheceu. O desespero pálido, impassível Agoirou minha aurora entristecida, De meu astro descreu. Oh! se eu pudesse amar! Mas não: agora Que a dor emurcheceu meus breves dias, Quero na cruz sangrenta Derramá-los na lágrima que implora, Que mendiga perdão pela agonia Da noite lutulenta! Quero na solidão - nas ermas grutas A tua sombra procurar chorando Com meu olhar incerto: As pálpebras doridas nunca enxutas Queimarei... teus fantasmas invocando No vento do deserto. De meus dias a lâmpada se apaga: Roeram meu viver mortais venenos; Curvo-me ao vento forte. Teu fúnebre clarão que a noite alaga, Como a estrela oriental me guie ao menos Té o vale da morte! No mar dos vivos o cadáver bóia - A lua é descorada como um crânio, Este sol não reluz: Quando na morte a pálpebra se engóia, O anjo se acorda em nós - e subitâneo Voa ao mundo da luz! Do val de Josafá pelas gargantas Uiva na treva o temporal sem norte E os fantasmas murmuram... Irei deitar-me nessas trevas santas, Banhar-me na frieza lustral da morte Onde as almas se apuram! Mordendo as clinas do corcel da sombra, Sufocando, arquejante passarei Na noite do infinito. Ouvirei essa voz que a treva assombra, Dos lábios de minh'alma entornarei O meu cântico aflito! Flores cheias de aroma e de alegria, Por que na primavera abrir cheirosas E orvalhar-vos abrindo? As torrentes da morte vêm sombrias, Hão de amanhã nas águas tenebrosas Vos rebentar bramindo. Morrer! morrer! É voz das sepulturas! Como a lua nas salas festivais A morte em nós se estampa! E os pobres sonhadores de venturas Roxeiam amanhã nos funerais E vão rolar na campa! Que vale a glória, a saudação que enleva Dos hinos triunfais na ardente nota, E as turbas devaneia? Tudo isso é vão, e cala-se na treva - Tudo é vão, como em lábios de idiota Cantiga sem idéia. Que importa? quando a morte se descarna, A esperança do céu flutua e brilha Do túmulo no leito: O sepulcro é o ventre onde se encama Um verbo divinal que Deus perfilha E abisma no seu peito! Não chorem! que essa lágrima profunda Ao cadáver sem luz não dá conforto... Não o acorda um momento! Quando a treva medonha o peito inunda, Derrama-se nas pálpebras do morto Luar de esquecimento! Caminha no deserto a caravana, Numa noite sem lua arqueja e chora... O termo... é um sigilo! O meu peito cansou da vida insana; Da cruz à sombra, junto aos meus, agora Eu dormirei tranqüilo! Dorme ali muito amor... muitas amantes, Donzelas puras que eu sonhei chorando E vi adormecer. Ouço da terra cânticos errantes, E as almas saudosas suspirando, Que falam em morrer... Aqui dormem sagradas esperanças, Almas sublimes que o amor erguia... E gelaram tão cedo! Meu pobre sonhador! aí descansas, Coração que a existência consumia E roeu um segredo! ... Quando o trovão romper as sepulturas, Os crânios confundidos acordando No lodo tremerão. No lodo pelas tênebras impuras Os ossos estalados tiritando Dos vales surgirão! Como rugindo a chama encarcerada Dos negros flancos do vulcão rebenta Gotejando nos céus, Entre nuvem ardente e trovejada Minh'alma se erguerá, fria, sangrenta, Ao trono de meu Deus... Perdoa, meu Senhor! O errante crente Nos desesperos em que a mente abrasas Não o arrojes p'lo crime! Se eu fui um anjo que descreu demente E no oceano do mal rompeu as asas, Perdão! arrependi-me! |
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Telha de vidro |
em 04/06/2011 15:52:36 (8124 leituras) |
Quando a moça da cidade chegou veio morar na fazenda, na casa velha... Tão velha! Quem fez aquela casa foi o bisavô... Deram-lhe para dormir a camarinha, uma alcova sem luzes, tão escura! mergulhada na tristura de sua treva e de sua única portinha...
A moça não disse nada, mas mandou buscar na cidade uma telha de vidro... Queria que ficasse iluminada sua camarinha sem claridade...
Agora, o quarto onde ela mora é o quarto mais alegre da fazenda, tão claro que, ao meio dia, aparece uma renda de arabesco de sol nos ladrilhos vermelhos, que — coitados — tão velhos só hoje é que conhecem a luz doa dia... A luz branca e fria também se mete às vezes pelo clarão da telha milagrosa... Ou alguma estrela audaciosa careteia no espelho onde a moça se penteia.
Que linda camarinha! Era tão feia! — Você me disse um dia que sua vida era toda escuridão cinzenta, fria, sem um luar, sem um clarão... Por que você na experimenta? A moça foi tão vem sucedida... Ponha uma telha de vidro em sua vida!
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A cópula |
em 02/06/2011 21:39:30 (6464 leituras) |
Depois de lhe beijar meticulosamente O cu, que é uma pimenta, a boceta, que é um doce, O moço exibe à moça a bagagem que trouxe: Colhões e membro, um membro enorme e turgescente. Ela toma-o na boca e morde-o. Incontinênti, Não pode ele conter-se, e, de um jacto, esporrou-se. Não desarmou porém. Antes, mais rijo, alteou-se E fodeu-a. Ela geme, ela peida, ela sente Que vai morrer: – “Eu morro! Ai, não queres que eu morra?!” Grita para o rapaz que, aceso como um diabo, Arde em cio e tesão na amorosa gangorra E titilando-a nos mamilos e no rabo (Que depois irá ter sua ração de porra), Lhe enfia cona adentro o mangalho até o cabo.
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O mundo estava no rosto da amada |
em 31/05/2011 22:55:27 (3456 leituras) |
poeta: Rainer Maria Rilke
"Rainer Maria Rilke nasceu em Praga em 4 de dezembro de 1875. É considerado como um dos mais importantes poetas modernos da literatura e língua alemã, por sua obra inovadora e seu incomparável estilo lírico."
O mundo estava no rosto da amada - e logo converteu-se em nada, em mundo fora do alcance, mundo-além.
Por que não o bebi quando o encontrei no rosto amado, um mundo à mão, ali, aroma em minha boca, eu só seu rei?
Ah, eu bebi. Com que sede eu bebi. Mas eu também estava pleno de mundo e, bebendo, eu mesmo transbordei.
(Tradução: Augusto de Campos)
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Sabes leitor, que estamos ambos na mesma página |
em 28/05/2011 17:48:23 (2619 leituras) |
Sabes leitor, que estamos ambos na mesma página E aproveito o facto de teres chegado agora Para te explicar como vejo o crescer de uma magnólia. A magnólia cresce na terra que pisas - podes pensar Que te digo alguma coisa não necessária, mas podia ter-lhe dito, acredita, Que a magnólia te cresce como um livro entre as mãos. Ou melhor, Que a magnólia - e essa é a verdade - cresce sempre Apesar de nós. Essa raiz para a palavra que ela lançou no poema Pode bem significar que no ramo que ficar desse lado A flor que se abrir é já um pouco de ti, e a flor que te estendo, Mesmo que a recuses Nunca a poderei conhecer, nem jamais, por muito que a ame, A colherei.
A magnólia estende contra a minha escrita a tua sombra E eu toco na sombra da magnólia como se pegasse na tua mão.
( “ Do ciclo das intempéries” in Poesia Quasi Edições, 2003)
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Hora de deitar |
em 27/05/2011 18:15:13 (2276 leituras) |
Alguns ainda dormem o sono dos justos, Convictos de que justamente, Há quem ainda creia em levantar-se cedo Para surpreender o céu a separar-se da terra. Há quem prefira deitar-se cedo Para se habituar ao escuro do sono. Há quem nunca se deite porque a vida é curta. Alguns ainda dão os bons-dias e as boas-noites Sem nunca os confundirem. Alguns ainda acreditam que é possível ter razão. Alguns ainda acreditam que o amor nos amam. Alguns abraçam-se à sua fatalidade Por verem nela a única salvação. Ainda há aqueles que acreditam nos bem-aventurados, Embora vituperem o joio dos felizes, Alegando que a felicidade não é deste mundo. Por mim, vou-me deitar
(“ Últimos Poemas” 2009, Quasi Edições )
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Depois das queimadas as chuvas |
em 27/05/2011 18:03:27 (2720 leituras) |
Depois das queimadas as chuvas Fazem as plantas vir à tona Labaredas vegetais e vulcânicas Verdes como o fogo Rapidamente descem em crateras concisas E seiva E derramam o perfume como lava
E se quiséssemos queimar animais de grande porte Eles não regressariam. Mas a morte Das plantas é a sua infância Nova. Os caules levantam-se Cheios de crias recentes
Também os corações dos homens ardem Bebem vinho, leite e água e não apagam O amor
(“ Explicação das árvores e de outros animais” 1998, Porto, Fundação Manuel Leão )
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Resposta e Não se cansa o ramo |
em 27/05/2011 17:52:00 (2073 leituras) |
Resposta
É assim que respiro Não te sei dizer mais; Respiro como me ensinaste.
Não se cansa o ramo
Não se cansa o ramo Pese embora tanta neve - Assim o amor por ti
(“ Últimos Poemas” 2009, Quasi Edições)
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Intervalo I |
em 25/05/2011 17:54:31 (2164 leituras) |
Eu só quero silêncio neste porto Do mar vermelho, do mar morto
Perdida, baloiçar No ritmo das águas cheias
Quero ficar sozinha neste espanto Dum tempo que perdeu a sua forma
Quero ficar sozinha nesta tarde Em que as árvores verdes me abandonam
( “ Coral” 2003, Lisboa, editorial Caminho )
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Inverno |
em 23/05/2011 21:17:57 (5396 leituras) |
Zefa, chegou o inverno! Formigas de asas e tanajuras! Chegou o inverno! Lama e mais lama chuva e mais chuva, Zefa! Vai nascer tudo, Zefa, Vai haver verde, verde do bom, verde nos galhos, verde na terra, verde em ti, Zefa, que eu quero bem! Formigas de asas e tanajuras! O rio cheio, barrigas cheias, mulheres cheias, Zefa! Águas nas locas, pitus gostosos, carás, cabojés, e chuva e mais chuva! Vai nascer tudo milho, feijão, até de novo teu coração, Zefa! Formigas de asas e tanajuras! Chegou o inverno! Chuva e mais chuva! Vai casar, tudo, moça e viúva! Chegou o inverno Covas bem fundas pra enterrar cana: cana caiana e flor de Cuba! Terra tão mole que as enxadas nelas se afundam com olho e tudo! Leite e mais leite pra requeijões! Cargas de imbu! Em junho o milho, milho e canjica pra São João! E tudo isto, Zefa... E mais gostoso que tudo isso: noites de frio, lá fora o escuro, lá fora a chuva, trovão, corisco, terras caídas, córgos gemendo, os caborés gemendo, os caborés piando, Zefa! Os cururus cantando, Zefa! Dentro da nossa casa de palha: carne de sol chia nas brasas, farinha d'água, café, cigarro, cachaça, Zefa... ...rede gemendo... Tempo gostoso! Vai nascer tudo! Lá fora a chuva, chuva e mais chuva, trovão, corisco, terras caídas e vento e chuva, chuva e mais chuva! Mas tudo isso, Zefa, vamos dizer, só com os poderes de Jesus Cristo!
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Se perguntarem: das artes do mundo? |
em 21/05/2011 00:40:39 (4344 leituras) |
Se perguntarem: das artes do mundo? Das artes do mundo escolho a de ver cometas despenharem-se nas grandes massas de água; depois, as brasas pelos recantos, charcos entre elas. Quero na escuridão revolvida pelas luzes ganhar baptismo, ofício. Queimado nas orlas de fogo das poças. O meu nome é esse. E os dias atravessam as noites até aos outros dias, as noites caem dentro dos dias - e eu estudo astros desmoronados, mananciais, o segredo.
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Vida e Obra |
em 19/05/2011 17:04:38 (2611 leituras) |
Nuno Rocha Morais (Porto, 1973 – Luxemburgo, 2008) licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas (Estudos Portugueses e Ingleses) na Faculdade de Letras da Universidade do Porto em 1995.
Aos 19 anos iniciou a vida ativa na área do jornalismo no Comércio do Porto. Em 1999 passou a integrar a equipa de tradutores da Comissão Europeia, no Luxemburgo, desempenhando desde 2007 as funções de coordenador linguístico do departamento de língua portuguesa. «Últimos Poemas – título que, ironicamente, desde os 20 anos, ainda estudante, elegeu como o título da primeira obra a editar – foi o livro que quis deixar organizado» e foi publicado «sem qualquer interferência na sua vontade e disposições» pela Quasi Edições, em 2009. «Composto por cerca de uma centena de textos produzidos ao longo dos muitos anos em que se apurou o compulsivo labor de escrita do autor – entretanto disseminado por publicações periódicas» como Cadernos de Serrubia, Cadernos do Tâmega, a revista Hey!, Notícias de Penafiel, Anto e o boletim «a folha», entre muitas outras –, o livro, com prefácio de Joana Matos Frias e ilustrações de Rasa Sakalaitė, «oferece-se como uma espécie de palimpsesto sob o qual parecem esconder-se as entrelinhas de outras centenas de textos que efectivamente existem nos inúmeros manuscritos e dactiloscritos que se multiplicam nas "arcas" que deixou.» «Obra de formação e de síntese», dá a conhecer «um pequeno segmento de quase 20 anos de trabalho poético sem qualquer pré-ordenação ou identificação de natureza cronológica, o que converte o corte diacrónico numa sutura de efeito sincrónico.» (excertos do prefácio)
Últimos Poemas Autor: Nuno Rocha Morais Editora: Quasi N.º de páginas: 142 ISBN: 978-989-552-409-9 Ano de publicação: 2009
Em A Morte de Kavafis, Nuno Rocha Morais (NRM) imagina os últimos momentos do poeta de Alexandria:
«(…) Mas não estava ainda tudo dito, Faltava o I know not what tomorrow will bring. Kavafis desenhou então, No mundo implícito de uma folha de papel, Um círculo e no centro do círculo apôs, Meticuloso, um ponto final, A vida completando-se imperceptivelmente No interior da arte.»
Estes versos fazem parte do único livro de NRM, único porque póstumo (o poeta morreu em 2008, aos 34 anos). A consciência do ponto final kavafiano, transposto para a vida daquele que o evocou, acaba por assombrar uma obra fulgurante, cujo título irónico (há muito definido) perdeu toda a ironia, tornando-se literal. O que mais impressiona, em Últimos Poemas, é o facto de eles abrangerem uma tão ampla e consistente variedade de registos. Em certo sentido, esta parece ser a antologia pessoal de um poeta com muitos livros (mas livros que nunca chegaram a ser publicados), a súmula de uma bibliografia inexistente. NRM tem uma noção muito precisa da orgânica do poema, das suas tensões internas, das suas quebras, das suas zonas de sombra e cintilações. Há uma espécie de sabedoria clássica, mas aberta à convulsão e complexidade do mundo: tanto se evocam duas mulheres pintadas por Leonardo como a experiência da dor numa cadeira de dentista. À semelhança de Elizabeth Bishop, a quem faz uma espécie de invocação, o poeta «preda o seu verso / Num filão de minérios sensíveis». Minérios sensíveis que incluem «o gosto dos dias» quotidianos, a memória «desmantelada», a melancolia das «coisas / Que nunca mais voltarão a acontecer», os mitos gregos ou a grande arte do século XX (Renoir, Gaudí, Francis Bacon, Zbigniew Herbert, Francis Ponge, entre outros). É uma poesia subtil e culta, em que a influência deixou de ser angústia para se tornar o «mais íntimo e indispensável lugar de convívio», como escreve Joana Matos Frias no prefácio. Esta é também uma escrita com belíssimos achados verbais. Kleist, por exemplo, aparece-nos «cheio de lava e guelras»; a romã revela-se um «fruto ofegante» de «doçura impassível»; as corolas de certas flores «adquirem as cores do alarme»; os gatos podem ser «ferozes até na ternura»; e uma rapariga romena «era como um fósforo – / Breve e triste na muita escuridão». Ainda mais meteórica do que a de Daniel Faria, a magnífica (embora escassa) obra de NRM passa a ocupar um lugar importante, e singularíssimo, na poesia portuguesa contemporânea.
[Texto publicado no número 84 da revista Ler]
*Fonte: sites da rede. |
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Mulher |
em 19/05/2011 00:58:50 (2461 leituras) |
Antes da noite Brunirás os montes
Bordarás a chuva Tecerás o tempo
Com as tuas lágrimas Lavarás o vento
("A Casa dos Ceifeiros publicado com o nome de Daniel Augusto pela Associação de Estudantes da Faculdade de Teologia do Porto, 1993 ) |
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Arte Poética |
em 14/05/2011 13:50:49 (2543 leituras) |
A palavra despe-se O silêncio despe-se
Nus Os sexos ardem
Os seios da palavra Os músculos do silêncio
O silêncio E a palavra
O poeta e o poema
(OXÁLIDA in Poesia Edição de Vera Vouga Edições quasi |
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Vida e Obra |
em 07/05/2011 19:54:28 (3848 leituras) |
Apresentando Daniel Faria:
Daniel Augusto da Cunha Faria nasceu em Baltar, Paredes, a 10 de Abril de 1971. Frequentou o curso de Teologia na Universidade Católica Portuguesa – Porto, tendo defendido a tese de licenciatura em 1996. No Seminário e na Faculdade de Teologia criou gosto por entender a poesia e dialogar com a expressão contemporânea. Licenciou-se em Estudos Portugueses na faculdade de Letras da Universidade do Porto. Durante esse período (1994 - 1998) a opção monástica criava solidez. A partir de 1990, e durante vários anos, esteve ligado à paróquia de Santa Marinha de Fornos, Marco de Canaveses. Aí demonstrou o seu enorme potencial de sensibilidade criativa encenando, com poucos recursos, As Artimanhas de Scapan e o Auto da Barca do Inferno. Faleceu a 9 de Junho de 1999 quando estava prestes a concluir o noviciado no Mosteiro Beneditino de Singeverga.
Obra 1991 Uma Cidade com Muralha 1992 Oxálida 1993 A Casa dos Ceifeiros 1998 Explicação das Árvores e de Outros Animais 1998 Homens que são como Lugares mal Situados 1999 A vida e conversão de Frei Agostinho: entre a aprendizagem e o ensino da Cruz 2000 Dos Líquidos 2000 Legenda para uma casa habitada
Sobre o Poeta
"Escrever sobre uma voz de poeta que foi bem mais do que uma promessa..." - opiniões sobre o poeta "Pensava vir a escrever o presente prefácio, porque considerava útil a publicação deste trabalho de licenciatura que acompanhei. Custa é escrevê-lo atravessado pela dor e pela saudade. A morte imprevisível do seu autor, a 9 de Junho de 1999, com apenas 28 anos, faz deste acto, de tornar público o que escreveu, uma exigência e obriga-nos a conhecer o breve itinerário do autor. (...) Sugeri-lhe que alargasse a outros campos da arte, para além da poesia, o seu enorme potencial de sensibilidade criativa. Valeu a pena ver o encenador de teatro a pôr de pé, com magros recursos, momentos inesquecíveis, quer no Marco de Canaveses quer no Seminário. (...) A superioridade humana do seu estar atraía quem o conhecia de perto. Quando pressentia o bem de uma relação investia, sem medida de tempo e de formas, no crescimento da amizade. E sofria. E desdobrava-se desapercebidamente. Inventava recursos, com imaginação de criança. (...) A timidez perante a multidão e o jogo da liderança causavam-lhe dificuldades na opção presbiteral para serviço da diocese. Sucessivas experiências em Singeverga, no tempo de férias ora confirmavam o desejo (devir a ser monge), ora semeavam novas perguntas." Carlos Azevedo, A vida e conversão de Frei Agostinho "Trata-se de poemas-impressões de viagem ou percurso onde o que fica na palavra, entredito, são as espigas colhidas, as soleiras ao relento, o corpo/coluna, a falta de água nas mãos em concha onde encalham barcos (...) É duma voz submissa que estes poemas nos dão conta." Arnaldo de Pinho, A Casa dos Ceifeiros "Daniel Faria deixou o que transcende a memória de um nome, a permanência de um lampejo que o futuro, corrector de impulsos e de distracções, bem poderá erigir ao plano de uma evidência maior. Inscreve-se esta colectânea de versos por isso na observação dessa possibilidade, o que dela fará uma página em branco, apta ao abraço dos sinais que o trânsito de uma alma pretender registar. (...) Os poemas de Daniel Faria assombram-se e acendem-se num advento da morte, tão ansiado quanto temido, que dela faz pedra da ara do sacrifício e aprendizagem do voo da redenção. Desta antecipação do fim, percebido como golpe, e não como condição, tratam os versos que o equiparam ao que 'dói como os cristais que são impuros' por serem humaníssimos na sua efemeridade." Mário Cláudio, Legenda para uma casa habitada "Agora está morto e relembro claramente o corte da dor que me anunciou a sua morte. Era um poeta muito mais novo do que eu por isso muitas vezes fala uma linguagem desconhecida, mas a densidade dos seus poemas como uma aparição súbita mostra aqueles fragmentos que a nossa alma relembrará." Sophia de Mello Breyner Andresen, Legenda para uma casa habitada "Apesar da confiança que lhe davas - parece-me que lhe permitias andar pelos teus versos com demasiado à vontade - não devias ter deixado que viesse assim, às portas do Verão, a morte. Naqueles dias em que ainda acreditava poder outra vez voar no teu olhar, recordo-me de imaginar-te a vaguear numa branca solidão, suspenso, hesitante entre o teu ofício de ordenar as palavras, como quem ordena simples bocadinhos de papel de cor sobre um cartão, ou ser ordenado pela Palavra que tanto amavas." Nuno Higino, Legenda para uma casa habitada
* Fonte: http://danielfaria.no.sapo.pt/ |
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Naturezas-Mortas |
em 30/04/2011 21:10:00 (3797 leituras) |
NATUREZAS-MORTAS
Havia talhadas de melancia rindo... E os difíceis abacaxis: por fora uma hispidez de bicho insociável; Por dentro, uma ácida doçura... Morno veludo de pêssegos... Frescor saudoso de amoras... E, a mais agreste das criaturinhas, Cada pitanga desmanchava-se como um beijo vermelho na boca. Eu passo, sem querer, as costas da mão nos meus lábios: Não sei por que desenho essas coisas no tempo passado...
Mário Quintana, in “Apontamentos de História Sobrenatural” |
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Soneto do Amigo |
em 28/04/2011 21:19:09 (5361 leituras) |
Enfim, depois de tanto erro passado Tantas retaliações, tanto perigo Eis que ressurge noutro o velho amigo Nunca perdido, sempre reencontrado.
É bom sentá-lo novamente ao lado Com olhos que contêm o olhar antigo Sempre comigo um pouco atribulado E como sempre singular comigo.
Um bicho igual a mim, simples e humano Sabendo se mover e comover E a disfarçar com o meu próprio engano.
O amigo: um ser que a vida não explica Que só se vai ao ver outro nascer E o espelho de minha alma multiplica...
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Sepultura d'um Poeta Maldito |
em 14/04/2011 15:43:41 (3155 leituras) |
Se, em noite horrorosa, escura, Um cristão, por piedade, te conceder sepultura Nas ruínas d'alguma herdade,
As aranhas hão-de armar No teu coval suas teias, E nele irão procriar Víboras e centopeias.
E sobre a tua cabeça, A impedi-la que adormeça. - Em constantes comoções,
Hás-de ouvir lobos uivar, Das bruxas o praguejar, E os conluios dos ladrões.
Charles Baudelaire, in "As Flores do Mal" Tradução de Delfim Guimarães Obtido em Wikisource
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Dizem que a paixão o conheceu |
em 06/04/2011 17:59:58 (4772 leituras) |
dizem que a paixão o conheceu mas hoje vive escondido nuns óculos escuros senta-se no estremecer da noite enumera o que lhe sobejou do adolescente rosto turvo pela ligeira náusea da velhice
conhece a solidão de quem permanece acordado quase sempre estendido ao lado do sono pressente o suave esvoaçar da idade ergue-se para o espelho que lhe devolve um sorriso tamanho do medo
dizem que vive na transparência do sonho à beira-mar envelheceu vagarosamente sem que nenhuma ternura nenhuma alegria nunhum ofício cantante o tenha convencido a permanecer entre os vivos
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Poema dos Olhos da Amada |
em 28/03/2011 17:56:03 (4127 leituras) |
Ó minha amada Que olhos os teus São cais noturnos Cheios de adeus São docas mansas Trilhando luzes Que brilham longe Longe dos breus... Ó minha amada Que olhos os teus Quanto mistério Nos olhos teus Quantos saveiros Quantos navios Quantos naufrágios Nos olhos teus... Ó minha amada Que olhos os teus Se Deus houvera Fizera-os Deus Pois não os fizera Quem não soubera Que há muitas era Nos olhos teus. Ah, minha amada De olhos ateus Cria a esperança Nos olhos meus De verem um dia O olhar mendigo Da poesia Nos olhos teus.
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A flor do embiroçu |
em 20/03/2011 01:56:02 (2861 leituras) |
Quando a noturna sombra envolve a terra E à paz convida o lavrador cansado, À fresca brisa o seio delicado A branca flor do embiroçu descerra.
E das límpidas lágrimas que chora A noite amiga, ela recolhe alguma; A vida bebe na ligeira bruma, Até que rompe no horizonte a aurora.
Então, à luz nascente, a flor modesta, Quando tudo o que vive alma recobra, Languidamente as suas folhas dobra, E busca o sono quando tudo é festa,
Suave imagem da alma que suspira E odeia a turba vã! da alma que sente Agitar-se-lhe a asa impaciente E a novos mundos transportar-se aspira!
Também ela ama as horas silenciosas, E quando a vida as lutas interrompe, Ela da carne os duros elos rompe, E entrega o seio às ilusões viçosas.
É tudo seu, — tempo, fortuna, espaço, E o céu azul e os seus milhões de estrelas; Abrasada de amor, palpita ao vê-las, E a todas cinge no ideial abraço.
O rosto não encara indiferente, Nem a traidora mão cândida aperta; Das mentiras da vida se liberta E entra no mundo que jamais não mente.
Noite, melhor que o dia, quem não te ama? Labor ingrato, agitação, fadiga, Tudo faz esquecer tua asa amiga Que a alma nos leva onde a ventura a chama.
Ama-te a flor que desabrocha à hora Em que o último olhar o sol lhe estende, Vive, embala-se, orvalha-se, rescende, E as folhas cerra quando rompe a aurora.
*Embiruçu (Eriotheca candolleana (K. Schum.) A. Robyns; Bombacaceae) é uma espécie de árvore brasileira. É uma das plantas à qual se atribui o nome Catuaba, sendo também conhecida como catuaba-branca. (wikipédia)
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Malva Maçã |
em 15/03/2011 21:42:09 (3936 leituras) |
Malva maçã
De teus seios tão mimosos Dá que eu goze o talismã! Dá que ali repouse a fronte Cheia de amoroso afã! E louco nele respire A tua malva-maçã!
Dá-me essa folha cheirosa Que treme no seio teu! Dá-me a folha... hei de beijá-la Sedenta no lábio meu! Não vês que o calor do seio Tua malva emurcheceu?...
A pobrezinha em teu colo Tantos amores gozou, Viveu em tanto perfume Que de enlevos expirou! Quem pudera no teu seio Morrer como ela murchou!
Teu cabelo me inebria, Teu ardente olhar seduz, A flor de teus olhos negros De tu’alma raia à luz... E sinto nos lábios teus Fogo do céu que transluz!
O teu seio que estremeceme Enlanguesce-me de gozo: Há um quê de tão suave No colo voluptuoso... Que num trêmulo delíquio Faz-me sonhar venturoso!
Descansar nesses teus braços Fora angélica ventura... Fora morrer... nos teus lábios Aspirar tu’alma pura! Fora ser Deus dar-te um beijo Na divina formosura!
Mas o que eu peço, donzela, Meus amores, não é tanto! Basta-me a flor do seio Para que eu viva no encanto E em noites enamoradas Eu verta amoroso pranto!
Oh! virgem dos meus amores, Dá-me essa folha singela! Quero sentir teu perfume Nos doces aromas dela... E nessa malva-maçã Sonhar teu seio, donzela!
Uma folha assim perdida De um seio virgem no afã Acorda ignotas doçuras Com divino talismã! Dá-me do seio esta folha A tua malva-maçã!
Quero apertá-la a meu peito E beijá-la com ternura... Dormir com ela nos lábios Desse aroma na frescura... Beijando-a a sonhar contigo E desmaiar de ventura!
A folha que tens no seio De joelhos pedirei... Se posso viver sem ela Não o creio! bem o sei... Dá-ma pelo amor de Deus, Que sem ela morrerei!...
Pelas estrelas da noite, Pelas brisas da manhã, Por teus amores mais puros, Pelo amor de tua irmã, Dá-me essa folha cheirosa... — A tua malva-maçã! |
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Visio |
em 10/03/2011 18:10:00 (2436 leituras) |
Visio
Eras pálida. E os cabelos, Aéreos, soltos novelos, Sobre as espáduas caíam . . . Os olhos meio-cerrados De volúpia e de ternura Entre lágrimas luziam . . . E os braços entrelaçados, Como cingindo a ventura, Ao teu seio me cingiram . . .
Depois, naquele delírio, Suave, doce martírio De pouquíssimos instantes Os teus lábios sequiosos, Frios trêmulos, trocavam Os beijos mais delirantes, E no supremo dos gozos Ante os anjos se casavam Nossas almas palpitantes . . . Depois . . . depois a verdade, A fria realidade, A solidão, a tristeza; Daquele sonho desperto, Olhei . . . silêncio de morte Respirava a natureza — Era a terra, era o deserto, Fora-se o doce transporte, Restava a fria certeza.
Desfizera-se a mentira: Tudo aos meus olhos fugira; Tu e o teu olhar ardente, Lábios trêmulos e frios, O abraço longo e apertado, O beijo doce e veemente; Restavam meus desvarios, E o incessante cuidado, E a fantasia doente.
E agora te vejo. E fria Tão outra estás da que eu via Naquele sonho encantado! És outra, calma, discreta, Com o olhar indiferente, Tão outro do olhar sonhado, Que a minha alma de poeta Não vê se a imagem presente Foi a imagem do passado.
Foi, sim, mas visão apenas; Daquelas visões amenas Que à mente dos infelizes Descem vivas e animadas, Cheias de luz e esperança E de celestes matizes: Mas, apenas dissipadas, Fica uma leve lembrança, Não ficam outras raízes.
Inda assim, embora sonho, Mas sonho doce e risonho, Desse-me Deus que fingida Tivesse aquela ventura Noite por noite, hora a hora, No que me resta de vida, Que, já livre da amargura, Alma, que em dores me chora, Chorara de agradecida! |
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A Noite |
em 04/03/2011 02:14:45 (4489 leituras) |
A Noite
Rescende a flor na várzea, longínqua flor da infância que só de raro em raro ao sonhador abre o velado cálice e deixa ver – cópia do sol – seu interior. Por cima das cordilheiras azuis cega a noite vagueia puxando sobre o seio a veste escura: sorrindo esparze a esmo sua dádiva – o sonho. Curtidos pelo dia, em baixo dormem os homens: têm os olhos cheios de sonhos, alguns viram o rosto suspirando para as flores da infância cujo aroma os atrai de leve na penumbra, e ao severo chamado paternal do dia confortados se alheiam. Para o exausto, é um alívio refugiar-se nos braços da mãe que os cabelos do sonhador alisa com mãos despreocupadas. Somos crianças, logo nos fatiga o sol - ainda que seja para nós destino e futuro sagrado – e tombamos a cada anoitecer pequeninos de novo no regaço da mãe, balbuciamos palavras da infância, palpamos o caminho do regresso às origens. Também o pesquisador solitário que para o vôo ao sol se propusera vacila, também ele, à meia-noite voltado para o ponto de partida longe. E o que dorme, quando um pesadelo o desperta, confusa a alma, pressente no escuro a hesitante verdade: toda corrida, para o sol ou para a noite, conduz à morte, leva a novo nascimento, dores que a alma receia. Mas seguem todos o mesmo caminho: todos morrem e tornam a nascer, porque a eterna mãe devolve-os eternamente ao dia.
(de “Poesias Escolhidas", 1921)
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Frases e Pensamentos |
em 26/02/2011 19:20:00 (6966 leituras) |
"Nada lhe posso dar que já não exista em você mesmo. Não posso abrir-lhe outro mundo de imagens, além daquele que há em sua própria alma. Nada lhe posso dar a não ser a oportunidade, o impulso, a chave. Eu o ajudarei a tornar visível o seu próprio mundo, e isso é tudo."
"Se você odeia alguém, é porque odeia alguma coisa nele que faz parte de você. O que não faz parte de nós não nos perturba."
"O homem culto é apenas mais culto; nem sempre é mais inteligente que o homem simples."
"A paz não é um estado primitivo paradisíaco, nem uma forma de convivência regulada pelo acordo. A paz é algo que não conhecemos, que apenas buscamos e imaginamos. A paz é um ideal."
"Todo o humorismo sublime começa com a renúncia de se levar a sério a própria pessoa."
"Ninguém pode ver nem compreender nos outros o que ele próprio não tiver vivido."
"Se temos a possibilidade de tornar mais feliz e mais sereno um ser humano, devemos fazê-lo sempre."
"A sabedoria não pode ser transmitida. A sabedoria que um sábio tenta transmitir soa mais como loucura."
"Quem é pequeno vê no maior apenas o que um pequeno é capaz de perceber."
"O homem é um ser ansioso pela felicidade; no entanto, não a suporta por muito tempo."
"Um ser humano só cumpre o seu dever quando tenta aperfeiçoar os dotes que a natureza lhe deu."
"Entre os seres humanos, mesmo se intimamente unidos, permanece sempre aberto um abismo que apenas o amor pode superar, e mesmo assim somente como uma passagem de emergência."
"Certamente têm razão aqueles que definem a guerra como estado primitivo e natural. Enquanto o homem for um animal, viverá por meio de luta e à custa dos outros, temerá e odiará o próximo. A vida, portanto, é guerra."
"Sem amor por si mesmo, o amor pelos outros também não é possível. O ódio por si mesmo é exactamente idêntico ao flagrante egoísmo e, no final, conduz ao mesmo isolamento cruel e ao mesmo desespero."
"Se observarmos uma pessoa com suficiente atenção, acabaremos por saber mais a seu respeito do que a própria pessoa."
"O correr das águas,a passagem das nuvens,o brincar das crianças,o sangue nas veias.Esta é a música de Deus."
*frases encontradas em sites da rede.
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Vida e Obra |
em 16/02/2011 15:49:27 (5083 leituras) |
Hermann Hesse (Calw, 2 de julho de 1877 — Montagnola, 9 de agosto de 1962) foi um escritor alemão, que em 1923 naturalizou-se suíço. Nascido no seio de uma família muito religiosa, filho de pais missionários protestantes (pietistas, como é típico da Suábia) que tinham pregado o cristianismo na Índia. Estudou no seminário de Maulbronn, mas não seguiu a carreira de pastor como era da vontade de seus pais. Tendo recusado a religião, ainda adolescente, rompeu com a família e emigrou para a Suíça em 1912, trabalhando como livreiro e operário. Acumula então sólida cultura autodidata e resolve dedicar-se à literatura. Travou contato com a espiritualidade oriental a partir de uma viagem à índia em 1911 e com a psicanálise por meio de um discípulo de Carl Gustav Jung, em decorrência de uma crise emocional causada pela eclosão da Primeira Guerra Mundial. Estas duas influências seriam decisivas no posterior desenvolvimento da obra de Hesse. Procurou construir sua própria filosofia, a partir de sua revolta pessoal (Peter Camenzind, 1904) e de sua interpretação pessoal das correntes filosóficas do Oriente (Sidarta), e em especial em O Lobo da Estepe (1927), que é também uma crítica contra o militarismo e o revanchismo vigente na sua terra natal depois da Primeira Guerra Mundial. Esta postura corajosa o fez bastante popular na Alemanha do pós-guerra, depois da desnazificação. Em 1946 recebeu o Prêmio Goethe e, passados alguns meses, o Nobel de Literatura.
Obra:
1898 Canções românticas; 1899 Eine Stunde hinter Mitternacht; 1903 Peter Camenzind, romance; 1904 Bocaccio, biografia; 1904 Francisco de Assis, biografia; 1905 Debaixo das rodas (Unterm Rad), romance; 1907 Diesseits, cinco contos; 1908 Nachbarn, cinco contos; 1910 Gertrud, romance; 1911 Unterwegs, poesias; 1912 Umwege, contos; 1913 Aus Indien; 1914 Rosshalde; 1915 Musik des Einsamen, poesias; 1915 Knulp, romance; 1917 Demian, romance; 1920 Blick ins Chaos, Aufsätze; 1922 Sidarta (romance) (Siddhartha), romance; 1923 Trost der Nacht, poesias; 1927 O Lobo da Estepe (Der Steppenwolf), romance; 1928 Betrachtungen; 1928 Krisis, diário; 1930 Narciso e Goldmund, (Narziss und Goldmund), romance; 1931 Web nach Innen, quatro contos; 1937 Neue Gedichte; Correspondência com Romain Rolland; 1943 O Jogo das Contas de Vidro, romance; 1946 Dank an Goethe; 1946 Der Europäer, considerações; 1952 - 1957 Obras Compiladas, 7 volumes; - Contos; - Este lado da vida, romance; - O livro das fábulas, romance; - Pequeno mundo; 1955 Beschwörungen, prosa tardia; 1959 Viagem ao Oriente (Die Morgenlandfahrt), romance.
*Pesquisa realizada em sites da rede. |
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Bebido o luar |
em 09/02/2011 18:00:00 (4666 leituras) |
Bebido o luar, ébrios de horizontes, Julgamos que viver era abraçar O rumor dos pinhais, o azul dos montes E todos os jardins verdes do mar.
Mas solitários somos e passamos, Não são nossos os frutos nem as flores, O céu e o mar apagam-se exteriores E tornam-se os fantasmas que sonhamos.
Por que jardins que nós não colheremos, Límpidos nas auroras a nascer? Por que o céu e o mar se não seremos Nunca os deuses capazes de os viver?
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Mas que sei eu |
em 31/01/2011 21:38:02 (3984 leituras) |
Mas que sei eu das folhas no outono ao vento vorazmente arremessadas quando eu passo pelas madrugadas tal como passaria qualquer dono?
Eu sei que é vão o vento e lento o sono e acabam coisas mal principiadas no ínvio precipício das geadas que pressinto no meu fundo abandono
Nenhum súbito súbdito lamenta a dor de assim passar que me atormenta e me ergue no ar como outra folha
qualquer. Mas eu que sei destas manhãs? As coisas vêm vão e são tão vãs como este olhar que ignoro que me olha
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O amor de agora é o mesmo amor de outrora |
em 10/06/2011 14:24:49 (4689 leituras) |
O amor de agora é o mesmo amor de outrora Em que concentro o espírito abstraído, Um sentimento que não tem sentido, Uma parte de mim que se evapora. Amor que me alimenta e me devora, E este pressentimento indefinido Que me causa a impressão de andar perdido Em busca de outrem pela vida afora. Assim percorro uma existência incerta Como quem sonha, noutro mundo acorda, E em sua treva um ser de luz desperta. E sinto, como o céu visto do inferno, Na vida que contenho mas transborda, Qualquer coisa de agora mas de eterno.
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Vida e Obra |
em 08/06/2011 16:00:00 (6049 leituras) |
Senhoras e senhores a escritora e Dama dos Mistérios: Agatha Christie
Dame Agatha Mary Clarissa Mallowan (Torquay, 15 de Setembro de 1890 — Wallingford, 12 de Janeiro de 1976), mundialmente conhecida como Agatha Christie, foi uma romancista policial britânica, autora de mais de oitenta livros. Seus livros são dos mais traduzidos de todo o planeta, superados apenas pela Bíblia e pelas obras de Shakespeare, com mais de 4 bilhões de cópias vendidas em diversas línguas. Conhecida como Duquesa da Morte, Rainha do Crime, dentre outros títulos, criou os famosos personagens Hercule Poirot, Miss Marple, Tommy e Tuppence Beresford e Parker Pyne, entre outros. Agatha Christie escreveu também sobre o pseudônimo de Mary Westmacott.
Agatha Mary Clarissa Miller nasceu em 15 de Setembro de 1890, na costa de Devon, na cidade de Torquay, sendo a terceira filha de um rico americano. Os seus livros venderam centenas de milhões de cópias em inglês, além de mais algumas centenas de milhões em línguas estrangeiras, totalizando mais de 4 bilhões. Ela é a autora mais publicada de todos os tempos em qualquer idioma, somente ultrapassada pela Bíblia e por Shakespeare. Ela é a autora de oitenta romances policiais e coleções de pequenas histórias, 19 peças e seis romances escritos sob o nome de Mary Westmacott. Agatha Christie foi pioneira ao fazer com que os desfechos de seus livros fossem extremamente impressionantes e inesperados, sendo praticamente impossível ao leitor descobrir quem é o assassino.
Agatha Christie foi educada em casa até seus 16 anos, quando foi para uma escola de aperfeiçoamento em Paris, onde se destacou como cantora e pianista. Casou-se pela primeira vez em 1914, com o Coronel Archibald Christie, piloto do Corpo Real de Aviadores. O casal teve uma única filha, Rosalind. Enquanto o marido esteve na Primeira Guerra Mundial, Agatha trabalhou em um hospital e em uma farmácia, funções que influenciaram seu trabalho: muitos dos assassinatos em seus livros foram cometidos com o uso de veneno. Começou a escrever The Mysterious Affair at Styles em 1916, e o livro foi publicado em 1920 pela editora Bodley Head vendendo cerca de 2.000 cópias, após ser rejeitado por 6 editoras. Em seguida vieram The Secret Adversary, The Murder on the Links, The Man in the Brown Suit, Poirot Investigates e The Secret of Chimneys. Mas o sucesso veio em 1926 com a publicação de The Murder of Roger Ackroyd, que vendeu 5.000 cópias.
O Desaparecimento
O lago Silent Pool onde o carro da autora foi encontrado. Em 3 de Dezembro de 1926, seu marido Archie revela que está apaixonado por por outra mulher, Nancy Neele, e quer o divórcio, e então deixa a esposa, para passar um fim de semana com a amante e alguns amigos em Godalming, Surrey. Após chegar em casa e não encontrar o marido, Agatha abandonou a casa em Styles por volta das 21h45 daquela noite com uma pequena mala. Na manhã do dia 4 de Dezembro seu carro foi encontrado em um barranco no lago de Silent Pool em Newlands Corner, com os faróis acesos. Dentro do Morris Cowley verde foram deixados um casaco de pele, a sua mala e uma carteira de motorista vencida. O desaparecimento da autora se tornou notícia em Surrey quando a polícia local publicou um relatório de pessoas desaparecidas, e passou-se a oferecer £100 para quem tivesse qualquer informação sobre a autora. Aviões, mergulhadores e escoteiros buscavam por Agatha - ao todo a busca teve a ajuda de 15.000 voluntários. Várias informações foram acrescentadas à história do desaparecimento da autora, no livro The World of Agatha Christie. Martin Fido diz que na semana de seu desaparecimento Agatha deixou uma carta para Carlo Fisher, sua secretária pedindo para cancelar uma hospedagem em Yorkshire. Segundo Martin, a autora escreveu também uma carta ao marido fazendo-lhe duras críticas. Ainda no sábado, antes da descoberta do carro da autora, ela havia escrito uma carta a Campbell Christie, de Londres, dizendo que iria para Yorkshire, mas a carta foi perdida antes que Campbell pudesse lê-la. Uma nota também foi escrita para o vice-chefe de polícia de Surrey(ainda antes de encontrar-se o carro de Agatha), informando que Archie temia por sua segurança
Agatha Christie estava desaparecida há 11 dias, desde que seu carro havia sido encontrado no lago Silent Pool, e estava sendo procurada por aviões(foi a primeira vez que se usou aviões para buscar algum desaparecido na Inglaterra), quando a polícia soube que ela estava no Hydropathic Hotel (hoje Old Swan Hotel), em Harrogate. Agatha chegou lá de táxi no dia 4 de Dezembro levando consigo apenas uma mala. A autora estava hospedada sobre o nome de Teresa Neele (o mesmo sobrenome da amante de seu marido), e dizia ser da Cidade do Cabo, e explicou que era uma mãe de luto pela morte de seu filho. No hotel Agatha foi vista dançando, jogando bridge, fazendo palavras cruzadas e lendo jornais. Curiosamente, a autora deixou um anúncio no The Times dizendo que Teresa Neele procura parentes e amigos da África do Sul. A autora foi reconhecida no hotel pelo músico Bob Sanders Tappin que reivindicou a recompensa de £100. Sanders disse que se dirigiu a autora como "Mrs. Christie" e que essa respondeu-lhe, mas disse que estava sofrendo de amnésia. Agatha foi encontrada pela polícia no dia 19 de Dezembro
Controvérsia Várias teorias foram criadas para explicar o falso desaparecimento da autora, algumas pessoas defendem que o escândalo foi um golpe publicitário para aumentar a venda de seus livros (The Murder of Roger Ackroyd lançado semanas antes do desaparecimento, continuava na lista de best-sellers), outras que a intenção da autora era apenas se vingar de Archibald, simulando sua morte para que o marido fosse acusado de assassiná-la, e finalmente há os que dizem que a autora realmente sofreu um acidente de carro e perdeu a memória. Embora em seus livros autobiográficos não haja quase nenhuma informação sobre o episódio de seu desaparecimento, acredita-se que, em "O Retrato", publicado sob o nome de Mary Westmacott, Agatha conte muito da sua história através da personagem Celia, que pensa em suicídio após ser abandonada pelo marido.
Em 1927 Agatha voltou a escrever, com a publicação de The Big Four, protagonizado por Hercule Poirot. Mesmo após o escândalo de seu desaparecimento, Agatha só se separou de Archibald em 1928, dois anos após o incidente. No outono do mesmo ano, o arqueólogo britânico Leonard Woolley convidou Agatha para o Oriente Médio, onde estava no comando de escavações em Ur. No ano seguinte Agatha voltou a Ur, onde conheceu o jovem assistente de Woolley, Max Mollowan (14 anos mais jovem que Agatha), com quem se casou em 1930. A autora manteve seu nome como Agatha Christie porque assim estava celebrizada entre os seus leitores, mas em sua vida particular era chamada de Mrs. Mallowan. Com o marido, Agatha viajou por todo o mundo, fazendo escavações e tomando conhecimentos sobre arqueologia, e escreveu um livro sobre a experiência, Come, Tell Me How You Live. O casamento com Mallowan duraria até a morte da escritora. Sua única filha, Rosalind casou-se no início da Segunda Guerra Mundial, e em 1943 teve um filho, Mathew Prichard, o único neto de Agatha Christie.
Em 1971, Agatha tornou-se dama do império britânico. O último livro protagonizado por Hercule Poirot, Curtain (escrito nos anos 40), foi publicado em Dezembro de 1975, porque Agatha já não se sentia disposta a escrever. A autora veio a falecer 2 meses depois, em 12 de Janeiro de 1976, por conta de uma pneumonia. Já o último livro de Miss Marple, Sleeping Murder(também escrito nos anos 40) foi publicado em Outubro de 1976. Ao contrário dos irmãos, Agatha nunca teve chance de frequentar a escola pública, e foi educada pela mãe, num ambiente quase recluso onde Agatha interessou-se pela música clássica e sonhava em ser cantora lírica. Agatha chegou até mesmo a estudar música em Paris. Em sua infância, também através da mãe, teve o primeiro contato com a literatura. Em seus 56 anos de carreira Agatha escreveu mais de 80 livros, fora as várias peças teatrais e adaptações cinematográficas e televisivas de suas obras, protagonizadas por Hercule Poirot, o detetive belga popularizado pelo uso de suas células cinzentas, e Miss Marple, a solteirona, que observando a natureza humana pode solucionar os mais obscuros mistérios.
Hercule Poirot Pouco antes da Segunda Guerra Mundial eclodir, Agatha iniciava sua carreira literária com The Mysterious Affair at Styles. Uma das suas principais dificuldades foi criar o detetive, para isso a jovem autora inspirou-se em um belga que estava hospedado em Torquay, e criou Hercule Poirot um detetive de 1,60m, que resolve seus casos usando as células cinzentas, e que é muitas vezes comparado a Sherlock Holmes. Principais obras O Assassinato de Roger Ackroyd Em 1926, após uma média de um livro por ano, Agatha Christie escreveu a sua obra-prima: O Assassinato de Roger Ackroyd. Este foi o primeiro dos seus livros a ser publicado pela editora Collins, e marcou o início de um relacionamento autor-editor que durou 50 anos e 70 livros. O Assassinato de Roger Ackroyd também foi o primeiro dos livros de Agatha Christie a ser dramatizado – sob o nome de Álibi – e a fazer sucesso no West End de Londres. A Ratoeira, a sua peça mais famosa, estreou em 1952 e é a peça de maior duração em cartaz da história. Ainda é encenada, no mesmo teatro de Londres, desde então. Somente no ano de sua publicação em 1926, vendeu 5.000 edições, e chamou a atenção por ser muito diferente de qualquer outro romance policial. [5] Assassinato no Expresso do Oriente Murder on the Orient Express(Assassinato no Expresso do Oriente) foi publicado em 1934, considerado um dos maiores sucessos da autora, inspirando diversos filmes e peças teatrais, apenas no ano de sua publicação vendeu 3 milhões de livros, sendo no quesito vendas o livro mais bem-sucedido de Agatha, tendo também revolucionado os romances policiais, por conta de seu final dramático, e de seu enredo diferente, é considerado também o maior caso da carreira de Poirot e o magnum-opus de Agatha. [5] O Caso dos Dez Negrinhos Um dos seus livros mais famosos, O Caso dos Dez Negrinhos (no original em inglês, Ten Little Niggers) - cujo título se baseia numa cantiga infantil tradicional da Inglaterra - causou muita polêmica na época em que foi publicado nos Estados Unidos devido a preocupações com acusações de racismo; por esse motivo, edições mais recentes receberam o título And Then There Were None (E Não Sobrou Nenhum). Cai o pano O livro "Cai o Pano", narrando a última aventura de Hercule Poirot, foi publicado um pouco antes da sua morte. Agatha disse, quando publicou a história, que preferia matar o seu personagem mais famoso para evitar publicações que ela não aprovaria, após a sua morte. Tanto "Cai o Pano" como "Um Crime Adormecido", o último livro da personagem Miss Marple, haviam sido escritos na década de 1940, devido à preocupação da autora em não sobreviver à Segunda Guerra Mundial - e também como uma forma de assegurar uma adicional fonte de renda para seu marido e sua filha, a quem ela legou os direitos sobre as obras - e ficaram guardados durante décadas no cofre de um banco. Ordem do Império Britânico Agatha Christie tornou-se Dama da Ordem do Império Britânico em 1971. Morreu em 1976, e desde então vários livros seus foram publicados pós-morte: o romance de sucesso Um Crime Adormecido apareceu mais tarde naquele ano, seguido pela sua autobiografia e pela coleção de pequenas histórias Os Casos Finais de Miss Marple, Problem at Pollensa Bay e Enquanto Houver Luz. Em 1998, Café Preto foi a primeira das suas peças a ser adaptada para o teatro por outro autor, Charles Osborne. Hábitos Agatha Christie foi co-presidente do Detection Club of London, um clube privado para autores de romances policiais, de 1958 até a sua morte. A escritora era conhecida por adorar maçãs, jogar golfe e tocar piano. Estilo de Escrita Agatha Christie, apesar de não gostar muito de falar em público, em sua Autobiografia, fala muito sobre seu estilo de escrita, a autora possuía uma vasta coleção de livros de Charles Dickens, PG Wodehouse e Lewis Carroll. Agatha também ganhou fama criando livros de mistério satirizando obras infantis, como foi o caso de Five Little Pigs. Em suas obras a autora frequentemente usava como espaço pequenas vilas ou aldeias inglesas, outro ponto comum, é que a maioria de suas obras tinha um médico. Influências Nas muitas horas do dia em que ficava com a mãe, entre estudos e música, Agatha tinha um intervalo no qual a mãe lia-lhe histórias e entre os principais autores lidos pela mãe estava Charles Dickens. Vendo a criatividade de Agatha, a mãe incentivou-a a criar um conto enquanto se recuperava de uma forte constipação. Agatha teve também o incentivo de Eden Phillpotts, teatrólogo e amigo da família. Quando já estava famosa Agatha revelou: "Durante muitos anos me diverti escrevendo histórias melancólicas em que a maioria dos personagens morria". Mas o gosto pelo gênero policial veio com a leitura das obras de Arthur Conan Doyle (criador do detetive Sherlock Holmes), de Edgar Allan Poe e principalmente com a leitura de O Mistério do Quarto Amarelo de Gaston Leroux.
Romances e contos com o título original, traduzido no Brasil e traduzido em Portugal:
The Mysterious Affair at Styles O Misterioso Caso de Styles O Misterioso Caso de Styles / A Primeira Investigação de Poirot 1920
The Secret Adversary O Inimigo Secreto O Adversário Secreto 1922
The Murder on the Links Assassinato no Campo de Golfe Poirot, o Golfe e o Crime / Crime no Campo de Golfe 1923
The Man in the Brown Suit O Homem do Terno Marrom O Homem do Fato Castanho 1924
Poirot Investigates (11 contos - Grã-Bretanha); 14 - EUA) Poirot Investiga As Investigações de Poirot 1924
The Secret of Chimneys O Segredo de Chimneys O Segredo de Chimneys 1925
The Murder of Roger Ackroyd O Assassinato de Roger Ackroyd O Assassinato de Roger Ackroyd 1926
The Big Four Os Quatro Grandes As Quatro Potências do Mal / Os Quatro Grandes 1927
The Mystery of the Blue Train O Mistério do Trem Azul O Mistério do Comboio Azul 1928
Partners in Crime (15 contos) Sócios no Crime O Homem que era o nº 16 1929
The Seven Dials Mystery O Mistério dos Sete Relógios O Mistério dos Sete Relógios 1929
The Murder at the Vicarage Assassinato na Casa do Pastor Encontro com um Assassino / Crime no Vicariato 1930
The Mysterious Mr. Quin (12 contos) O Misterioso Sr. Quin O Misterioso Mr. Quin 1930
Behind the Screen (com outros autores) O Cadáver Atrás do Biombo Por trás do biombo 1930
The Scoop (programa de rádio, com outros autores) Um Furo Jornalístico
1931
The Floating Admiral (com outros autores) A Morte do Almirante
1931
The Sittaford Mystery O Mistério de Sittaford O Mistério de Sittaford 1931
Peril at End House A Casa do Penhasco A Diabólica Casa Isolada / Perigo na Casa do Fundo 1932
The Hound of Death and Other Stories (12 contos)
O Cão da Morte 1933
Lord Edgware Dies Treze à Mesa A Morte de Lorde Edgware 1933
The Thirteen Problems (13 contos) Os Treze Enigmas Os Treze Problemas / Os Treze Enigmas 1933
Murder on the Orient Express Assassinato no Expresso do Oriente Um Crime no Expresso do Oriente 1934
Parker Pyne investigates (12 contos) O Detetive Parker Pyne Parker Pyne Investiga 1934
The Listerdale Mystery (10 contos) O Mistério de Listerdale O Mistério de Listerdale 1934
Why Didn't They Ask Evans? Por que não Pediram a Evans? Perguntem a Evans / Porque não Pediram a Evans? 1934
Three Act Tragedy Tragédia em Três Atos Tragédia em Três Actos 1935
Death in the Clouds Morte nas Nuvens Morte nas Nuvens 1935
The A.B.C. Murders Os Crimes ABC Os Crimes do ABC 1936
Murder in Mesopotamia Morte na Mesopotâmia Assassínio na Mesopotâmia / Crime na Mesopotâmia 1936
Cards on the Table Cartas na Mesa Cartas na Mesa 1936
Murder in the Mews (4 novelas) Assassinato no Beco Crime nos Estábulos 1937
Death on the Nile Morte no Nilo O Barco da Morte / Morte no Nilo 1937
Dumb Witness Poirot Perde uma Cliente Poirot Perde uma Cliente 1937
Appointment with Death Encontro com a Morte Morte entre as Ruínas / Encontro com a Morte 1938
Ten Little Niggers / And Then There Were None (o primeiro título é o da Grã-Bretanha e o segundo, dos EUA) O Caso dos Dez Negrinhos / E Não Sobrou Nenhum Convite para a Morte / As Dez Figuras Negras 1939
Murder Is Easy É Fácil Matar Matar é Fácil 1939
Hercule Poirot's Christmas O Natal de Poirot O Natal de Poirot 1938
The Regatta Mystery and Other Stories (9 contos) O Mistério da Regata e Outras Histórias O Mistério da Regata e Outras Histórias 1939
Sad Cypress Cipreste Triste Poirot Salva o Criminoso 1940
Evil Under the Sun Morte na Praia As Férias de Poirot / Morte na Praia 1941
N or M? M ou N? Tempo de Espionagem 1941
One, Two, Buckle My Shoe Uma Dose Mortal Os Crimes Patrióticos 1940
The Body in the Library Um Corpo na Biblioteca Um Corpo na Biblioteca 1942
Five Little Pigs Os Cinco Porquinhos Poirot Desvenda o Passado / Os Cinco Suspeitos 1943
The Moving Finger A Mão Misteriosa O Enigma das Cartas Anónimas 1942
Towards Zero Hora Zero Contagem Zero / Na Hora H 1944
Sparkling Cyanide Um Brinde de Cianureto À Saúde da... Morte / Um Brinde à Morte 1945
Death Comes as the End E no Final a Morte Morrer não é o Fim 1945
The Hollow A Mansão Hollow Poirot, o Teatro e a Morte / Sangue na Piscina 1946
The Labours of Hercules (12 contos) Os Trabalhos de Hércules Os Trabalhos de Hércules 1947
Taken at the Flood Seguindo a Correnteza Arrastado na Torrente / Maré de Sorte 1948
The Witness for the Prosecution and Other Stories (11 contos - só EUA) Testemunha de Acusação
1948
Crooked House A Casa Torta A Última Razão do Crime / A Casa Torta 1949
Three Blind Mice and Other Stories (9 contos - só EUA)) Os Três Ratos Cegos e Outras Histórias A Ratoeira(ou Três Ratos Cegos) e Outras histórias 1950
A Murder Is Announced Convite para um Homicídio Participa-se um Crime / Anúncio de um Crime 1950
They Came to Baghdad Aventura em Bagdá Encontro em Bagdade / Intriga em Bagdade 1951
They Do It with Mirrors Um Passe de Mágica Jogo de Espelhos 1952
Mrs McGinty's Dead A Morte da Sra. McGinty Poirot contra a Evidência / Mrs. McGinty está Morta 1952
A Pocket Full of Rye Cem Gramas de Centeio Centeio que Mata / Um Punhado de Centeio 1953
After the Funeral Depois do Funeral Os Abutres 1953
Hickory Dickory Dock Morte na Rua Hickory Poirot e os Erros da Dactilógrafa / Crime em Hickory Road 1955
Destination Unknown Um Destino Ignorado Destino Desconhecido 1954
Dead Man's Folly A Extravagância do Morto Poirot e o Jogo Macabro / Jogo Macabro 1956
4.50 from Paddington A Testemunha Ocular do Crime O Estranho Caso da Velha Curiosa / O Comboio das 16h50 1957
Ordeal by Innocence Punição para a Inocência Cabo da Víbora 1958
Cat Among the Pigeons Um Gato Entre os Pombos Poirot e as Jóias do Príncipe 1959
The Adventure of the Christmas Pudding (6 contos) A Aventura do Pudim de Natal A Aventura do Pudim de Natal / A Aventura do Bolo de Natal 1960
The Pale Horse O Cavalo Amarelo O Cavalo Pálido 1961
The Mirror Crack'd from Side to Side A Maldição do Espelho O Espelho Quebrado 1962
The Clocks Os Relógios Poirot e os 4 Relógios 1963
A Caribbean Mystery Mistério no Caribe Mistério nas Caraíbas 1964
At Bertram's Hotel O Caso do Hotel Bertram/A mulher Diabólica Mistério em Hotel de Luxo 1965
Third Girl A Terceira Moça Poirot e a Terceira Inquilina 1966
Endless Night Noite Sem Fim Noite Sem Fim 1967
By the Pricking of My Thumbs Um Pressentimento Funesto Caminho para a Morte 1968
Hallowe'en Party A Noite das Bruxas Poirot e o Encontro Juvenil 1969
Passenger to Frankfurt Passageiro para Frankfurt Passageiro para Frankfurt 1970
Nemesis Nêmesis Nemesis 1971
The Golden Ball and Other Stories (15 contos - só EUA) A Mina de Ouro
1971
Elephants Can Remember Os Elefantes Não Esquecem Os Elefantes Não Esquecem / Os Elefantes têm Memória 1972
Postern of Fate Portal do Destino Morte pela Porta das Traseiras 1973
Poirot's Early Cases (18 contos) Os Primeiros Casos de Poirot Ninho de Vespas 1974
Curtain Cai o Pano Cai o Pano (O Último Caso de Poirot) 1975
Sleeping Murder Um Crime Adormecido Crime Adormecido 1976
Autobiography Autobiografia Autobiografia 1979
The Under Dog, Second Gong, Sanctuary and Other Stories Poirot Sempre Espera e Outras Histórias
2008
Spider's Web A Teia da Aranha
2008
While the light lasts] Enquanto houver Luz e outros contos de suspense
1996 (organizado)
The harlequin tea set and other stories Poirot e o mistério da arca espanhola & outras histórias
1996 (organizado}
*Ano de lançamento da versão original, não da brasileira ou portuguesa. Também não significa necessariamente o ano em que o livro foi escrito.
Teatro
1930 Black Coffee - Adaptada para o formato de romance por Charles Osborne, publicado em 1997 1931 Chimneys - Adaptação para o teatro de seu romance The Secret of Chimneys, de 1925 1937 Akhnaton - A ação se passa no Egito Antigo, na época do faraó Akhenaton ou Amenófis IV, sua esposa Nefertiti e seu sucessor, Tutancâmon. Publicada em 1973 193? A Daughter's a Daughter - Escrita no final da década. Adaptada em 1952 para o formato de romance, que foi publicado sob o pseudônimo de Mary Westmacott 1943 And Then There Were None (Os Dez Indiozinhos) - Adaptação para o teatro de seu romance Ten Little Niggers/And Then There Were None, de 1939 1945 Appointment with Death (Encontro com a Morte) - Adaptação para o teatro de seu romance do mesmo nome, de 1938 1946 Murder on the Nile/Hidden Horizon - Adaptação para o teatro de seu romance Death on the Nile, de 1937 1951 The Hollow (O Refúgio) - Adaptação para o teatro de seu romance do mesmo nome, de 1947 1952 The Mousetrap (A Ratoeira) - Não se baseia em nenhuma outra obra anterior. Apresentada ininterruptamente desde 1952 em palcos londrinos 1953 Witness for the Prosecution (Testemunha de Acusação) - Baseada no conto constante do volume Witness For The Prosecution and Other Stories, de 1948 1954 Spider's Web - Não se baseia em nenhuma obra anterior. Adaptada para o formato de romance por Charles Osborne, publicado no ano 2000 1956 Towards Zero (A Hora H) - Adaptação para o teatro de seu romance Towards Zero, de 1944. Escrita com Gerald Verner 1958 Verdict (Veredito) - Não se baseia em nenhuma outra obra anterior 1958 The Unexpected Guest (Um Hóspede Inesperado) - Adaptada para o formato de romance por Charles Osborne, publicado em 1999 1960 Go Back for Murder (Retorno ao Assassinato) 1962 Rule of Three - Três peças de um ato cada: Afternoon at the Seaside, The Rats e The Patient 1972 Fiddler's Three - Originalmente escrita com o título de Fiddler's Five, não chegou a ser publicada * Os títulos em Português referem-se às edições brasileiras Material não publicado
Neve no Deserto (novela romântica) O Pateta de Greenshore (romance policial, com Hercule Poirot, expandido para a novela Dead man's Folly - A extravagância do morto) Chamada Pessoal (novela de rádio em tom sobrenatural, introduzindo o Inspetor Narracott - o "British National Sound Archive" - Arquivo Sonoro Britânico - dispõe de uma gravação) Manteiga num Prato de Alta Posição (novela de rádio de suspense policial, adaptado de The Woman and the Kenite) O Portão Verde (sobrenatural) A Noiva de Guerra (novela romântica/sobrenatural) O Caso da Bola do Cão (conto, com Poirot, expandido para o romance Dumb Witness e relacionado com o conto: Como cresce o teu jardim?) A mulher e o Kenite (horror) Mais Forte Que A Morte (sobrenatural) Sendo Voluntário Demais (novela romântica) A Última Sessão de Espiritismo (peça de teatro) Alguém à Janela (peça de teatro policial, adaptada do conto The Dead Harlequin) Adaptações para o cinema A obra de Agatha Christie foi sempre bem-vinda ao cinema. Ao longo dos últimos 78 anos, Poirot, Miss Marple, Tommy e Tuppence, Mr. Quin, Parker Pyne, e muitos outros personagens têm sido retratados em inúmeras ocasiões: 1928 Die Abenteuer G.m.b.H. (O adversário secreto) 1928 The Passing de Sr. Quinn 1931 Alibi 1931 Café preto 1934 A morte do Senhor Edgware 1937 Amor de um estrangeiro 1945 Os Dez Negrinhos 1947 Love From A Stranger 1957 Witness for the Prosecution 1960 The Spider's Web 1962 Crime,disse ela (Baseado em 4.50 From Paddington) 1963 Murder at the Gallop (Baseado em "Depois do Funeral") 1964 Murder Most Foul (Baseado em Mrs. McGinty's Dead) 1964 Ahoy, Assasssinio! (Um filme original não baseado em nenhum dos livros, embora utilize alguns elementos do livro "Um passe de mágica") 1966 10 Pequenos Indianos 1966 Os Assassinios do Alfabeto (Baseado em "Os Crimes ABC") 1972 Noite Infinita 1974 Assassinato no Expresso do Oriente 1975 10 pequenos indianos 1978 Morte no Nilo 1980 Espelho Quebrado 1982 Morte ao Sol 1984 Ordeal by Innocence 1988 Um Encontro com a morte 1989 10 pequenos indianos Adaptações Para a Televisão
Agatha Christie's Poirot, Exibida pela ITV, produzida na Inglaterra no formato de Série Agatha Christie no Meitantei Poirot to Marple, exibida pela NHK, produzida no Japão em estilo Animê
*Fonte: Wikipédia.
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Um cadáver de poeta |
em 06/06/2011 14:20:22 (4420 leituras) |
Levem ao túmulo aquele que parece um cadáver! Tu não pesaste sobre a terra: a terra te seja leve! L. UHLAND.
I De tanta inspiração e tanta vida Que os nervos convulsivos inflamava E ardia sem conforto... O que resta? uma sombra esvaecida, Um triste que sem mãe agonizava... Resta um poeta morto!
Morrer! e resvalar na sepultura, Frias na fronte as ilusões — no peito Quebrado o coração! Nem saudades levar da vida impura Onde arquejou de fome... sem um leito! Em treva e solidão!
Tu foste como o sol; tu parecias Ter na aurora da vida a eternidade Na larga fronte escrita... Porém não voltarás como surgias! Apagou-se teu sol da mocidade Numa treva maldita!
Tua estrela mentiu. E do fadário De tua vida a página primeira Na tumba se rasgou... Pobre gênio de Deus, nem um sudário! Nem túmulo nem cruz! como a caveira Que um lobo devorou!...
II Morreu um trovador — morreu de fome. Acharam-no deitado no caminho: Tão doce era o semblante! Sobre os lábios Flutuava-lhe um riso esperançoso. E o morto parecia adormecido. Ninguém ao peito recostou-lhe a fronte Nas horas da agonia! Nem um beijo Em boca de mulher! nem mão amiga Fechou ao trovador os tristes olhos! Ninguém chorou por ele... No seu peito Não havia colar nem bolsa d'oiro; Tinha até seu punhal um férreo punho... Pobretão! não valia a sepultura! Todos o viam e passavam todos. Contudo era bem morto desde a aurora. Ninguém lançou-lhe junto ao corpo imóvel Um ceitil para a cova!... nem sudário! O mundo tem razão, sisudo pensa, E a turba tem um cérebro sublime! De que vale um poeta — um pobre louco Que leva os dias a sonhar — insano Amante de utopias e virtudes E, num tempo sem Deus, ainda crente?
(...)
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Geometria dos ventos |
em 04/06/2011 15:50:19 (10702 leituras) |
Eis que temos aqui a Poesia, a grande Poesia. Que não oferece signos nem linguagem específica, não respeita sequer os limites do idioma. Ela flui, como um rio. como o sangue nas artérias, tão espontânea que nem se sabe como foi escrita. E ao mesmo tempo tão elaborada - feito uma flor na sua perfeição minuciosa, um cristal que se arranca da terra já dentro da geometria impecável da sua lapidação. Onde se conta uma história, onde se vive um delírio; onde a condição humana exacerba, até à fronteira da loucura, junto com Vincent e os seus girassóis de fogo, à sombra de Eva Braun, envolta no mistério ao mesmo tempo fácil e insolúvel da sua tragédia. Sim, é o encontro com a Poesia.
(Poesia em homenagem ao poema "Geometrida dos Ventos" de Álvaro Pacheco)
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Todas as cartas de amor são ridículas |
em 02/06/2011 21:22:42 (20528 leituras) |
Todas as cartas de amor são ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas. As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas. Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas. A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)
FERNANDO PESSOA |
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Canto III |
em 31/05/2011 01:00:31 (2349 leituras) |
Invenções de Orfeu
Canto III
Poemas relativos
I
Caída a noite o mar se esvai, aquele monte desaba e cai silentemente.
Bronzes diluídos já não são vozes, seres na estrada nem são fantasmas, aves nos ramos inexistentes; tranças noturnas mais que impalpáveis, gatos nem gatos, nem os pés no ar, nem os silêncios.
O sono está. E um homem dorme.
II
Queres ler o que tão só se entrelê e o resto em ti está? Flor no ar sem umbela nem tua lapela; flor que sem nós há.
Subitamente olhas: nem lês nem desfolhas; folha, flor, tiveste-as.
E nem as tocaste: folha e flor. Tu - haste, elas reais, mas réstias.
III
qualquer voz alou-se muito desejada. Branco fosse o espaço e ela ardente cor.
Quis o espaço a voz a voz veio e ampliou-o.
Mas se não houvesse propriamente voz...
Vamos nós supô-los: dois sem seus sentidos.
Desejemos mesmo dois incompreensíveis.
Bom nos ecoarmos na voz recebida.
E o espaço esvaziado povoá-lo de vez.
Amá-los tão sem amada presença, só com o coração sem correspondência, só com a vocação do verso feliz.
IV
Numas noites chegamos à janela, e as mandíbulas do ar tanto nos roem, que os leitos rotos logo deliqüescem com os nossos corpos complacentemente.
Certos dias olhamos o sol claro; e a boca hiante das cores nos devora carnes e sangues, poeiras de costelas, que ficamos inúteis, sem matéria.
Essas bocas nos sugam noite e dia, vigiando dia e noite nossas vidas um minuto no espaço, menos que ai de chumbo soluçado nos silêncios, ou cal de fome longa, revelada, na noite igual ao dia, de tão gêmeos.
V
Agora o sem senso sorriso nos ares, minha alma perdida, os vales lá embaixo de minhas lonjuras de não existido, parado nos antes, nem sei de pecados, nem sei de mim mesmo, eu mesmo não sou nem nada me vê; ausentes palavras não soam no vácuo dos antes das coisas, das coisas sem nexo, nem fluidos. Só o Verbo chorando por mim.
VI
Agora, escutai-me que eu falo de mim; ouvi que sou eu, sou eu, eu em mim; tocai esses cravos já feitos pra mim, suores de sangue, pressuados sem poros verônica herdada. sem face do ser.
Embora; escutai-me, que eu falo com a voz inata que diz que a voz não é essa que fala por mim, talvez minha fala saída de ti.
VII
Alegria achareis neste poema como poema ilícito, como um corpo casual ou vão, como a memória dura e acídula, como um homem se conhece respirando, ou como quando se entristece sem causa ou se doente, ou se lavando sempre ou comparando-se às dimensões das coisas relativas; ou como sente os ombros de seu ser, transmitidos e opacos, e os avós responsabilizando-se presentes.
São alegrias rápidas. Lugares, reencontrados países, becos, passos sob as chuvas que não vos molharão.
VIII
Se falta alguém nesses versos pele vento interminável, pelas arenas de estátuas, sucedam-lhe os cegos olhos sacudidos pelos medos, mãos de chuvas lhe inteiricem o corpo com algas remissas e com matérias tranqüilas tão soturna como os poços, exasperados invernos, ombros de escova comida, as asas secas caídas, ante seus netos calados; e incorporem-se a esse alvitre esse sabor de cortiça, essas esponjas morridas, essas marés estanhadas, essas escunas de espáduas estritamente fechadas como casas de abandono, restringem-se os conciliábulos, certos sigilos de pez, certas coisas enlutadas, refúgios, dramas ocultos, pois as rosas são de trapos e os fios menos que teias, menos que finos agora, e as camisas sem os pêlos enterrados nas ilhargas, vestem enganos e punhos e crimes em vez de adegas, mas tudo em vão, mesmo as plumas, mesmo os ausentes e as vozes aderidas a fragmentos aí moram degredadas, listrando as grades, de faces que não conhecem espelhos
IX
Numa hora perdida cantos doeram. Os desejos E flores despenteadas, flores largas e a barbárie e inconfidentes quase abominadas dos corpos. por oculta paixão, se intumesceram. E a relatividade do espírito Lírios eram pilares de cristal sob o cerco subindo para as aves; então dardos da matéria. desceram sobre os mais amados colos cantando amor com seus sentimentos.
Canção melhor. Mais consentimentos puros olhos. Eu sei de cor os rebanhos, e olho o mundo. Tudo contém pequenas doces máscaras. Mas da selva selvagem desce o pranto dos que mastigam suas próprias fomes, sem saliva de pão, e o gosto ausente.
Ninguém consegue assim amar os lírios. E esse amor é amaríssimo e adstringente com a memória das dores engolidas.
X
Vós não viveis sozinhos os outros vos invadem felizes convivências agregações incômodas enfim ambientalismos, e tudo subsistências e mais comunidades; e tantas ventanias acotovelamentos, desgastes de antemão, acréscimos depois, depois substituições, a massa vos tragando, as coisas vos bisando; os hábitos, os vícios, as moças embutidas mudando vossas cartas; sereis administrados no sono e nos pecados, vós mapas e diagramas com várias delinqüências, e insanidades várias, dosando o vosso espaço, pesando o vosso pão de tempos racionados; e não tereis vivido e não tereis amado, porém sereis morrido.
XI
Éreis vós Tiago, Diogo, Jaques, Jaime? Clodoveu ou Clodovigo? Éreis vós por acaso eles? Éreis vós aqueles nomes, estes, e os demais já mortos, os mortos tão renovados nós mesmos sempre chamados Lútero, Lotário, otário, sim otário tão singelo, tão puro de todo o mal, relativo, universal.
Éreis vós Tiago, Diogo, Jaques, Jaime? Dizei-me se acaso vós éreis eles ou voz sou de algum avo tão otário, tão eu mesmo como voz, como poema de outros vários.
XII
O simples ar de uma só corda em curta raia, mão de menino, punhado escasso, ar perfumado, sem o alvoroço dos vendavais; anjo acolhido em róseo céu abrigo instante, pranto lavado, chorar em ti de arrependido, subir teus vales, amar teu pólen, nunca escapar-me de tuas pétalas cair com elas.
XIII
Uma janela aberta e um simples rosto hirto, e que provavelmente nela se debruçou; e nesse gesto puro do rosto na janela estava todo o poema que ninguém escutou; só a janela aberta e o espaço dentro dela que o tempo atravessou.
XIV
O contro era um dia, um dia futuro, e dentro do dia incluído o conforme, e dentro o que foi porque fora isso se tal não se dera, se o mundo parasse e o espaço se excluísse; se a pedra não fosse o símbolo que era pois tudo era um dia, um dia sem dia, porém com o poeta que um dia seria.
XV
De manhã estrelas verdes na inocência do ar coleado, intranqüilas e veementes. Ao zênite e areia em sede, asas das hastes pendidas, as nuvens-castelas altas como painas amealhadas. De tarde a visão das velas, nuvens baixas sobre as verdes rosas das hastes fictícias; os desejos dissolvidos repousam abertamente; e esse deserto de vozes e estes cabelos perenes de seus nervos para os dramas. Mas se as palmas fossem isso, as fontes seriam pratas, e as pratas seriam o puro sonho de quem vive. Todavia o sonho é como as palmas dessas palmeiras. Eis as palmas.
XVI
Os dois ponteiros rodam e rodam, mostrando o horário irregular. Horas inteiras despedaçadas, horas mais horas desmesuradas. Com seu compasso, lá vem a morte pra teu transporte, e com os dois braços: esta é tua hora, levo-te agora.
XVII
Um te exalou nessa incidência: céu, terra, mar; impermanência. Outro te andou te indo e te vindo pra te juntares, te convergindo Quem te volou, esse te deu o sono no ar. Esse te entoou e te nasceu sem te acordar.
XVIII
No dia seguinte: chamamos de terra, o poema te leva te dana, te agita, te vinca de cruzes, te envolve de nuvens. Quem sabe aonde vai parar no outro dia?
XIX
Roteiros vencidos compassam a festa: a noiva está fria no véu lamentado. Três potros desfraldam-se três faces transcorrem no coche morrido, em vão galopado. O nome do noivo? O nome da noiva? O nome do diabo? Três nomes corridos, três sombras penadas no drama calado.
XX
Aqui e ali me encontrareis, entre um poema ou em seu curso, além e aquém, oculto e claro, vivo ou demente, ou mesmo morto, ou renascido como meu sósia, intermitente, ferida tórpida. pulso de febre, nesse cavalo, naquela tinta, naquele poema quase alicerce, quase esse infante, esse anjo surdo. Ia esquecendo: eu e meu sósia somos momentos entrelaçados. Ei-lo veemente volta a seu palco, sobe a uma origem, desce de novo, envolto ou nu, esse homem gêmeo, jamais verdugo, mas palma incerta, sendo meu pai, meu filho e neto e aquele longe porém limiar, malgrado e clâmide aberta e alípede, foi argonauta, podia se-lo se esse jacinto não fosse canto, canto de galo crepuscular, profusamente cedo se oculta por essas laudas sem perceber seu fácil ímpeto ante a palavra visualizada; mas de repente desaparece. Agora eu surjo naquela esquina, naquele pórtico falam de mim; ouço transido esses vocábulos desconhecidos, emerjo em rios que vão passar, mergulho em rumos acontecidos, sucedo em mim, depois vou indo fundo e arrastado na correnteza que é de repentes. Morto incorrupto guardo meus naipes mais pressentidos, intercadentes, desordenados, não há atavios, não há disfarces, dissolução dos prantos largos manando laivos, lanhando aspectos; desacredito-me perante os leves, nem sabedor de alas longevas, se o porvindouro é puro exórdio precocemente desencantado; se os seus presságios remanescidos, salvo-condutos manifestados; correm desvios vulgares trilhos, que todavia prossigo em mim, minha progênie, uns dementados, outros co-réus, reconciliando-me com os mutilados e este glossário que é de meu sósia; abastecido alego dores, crescentes cargas; me patenteio, fico exaltado sem parecer; depois me espreito na curva adiante, simbolizado, metade em mim inda nascendo, a outra metade superlotada; então me sano excluindo as nucas executáveis; não evidentes nem aberrante me envolvo de alma, doce alimária com alguns anexos aparelhados para colher belas paisagens e outros petrechos do sósia amado; quero sofrer-me, quero imitar-me, fico enpunhado meu corpo no ar, dependurado, meio aderido a alguns palhaços insimulados, portanto, instáveis, muito insossos, muitos até beatificados; ventos corteses bem-parecidos vêm agitar nosso espantalho, enquanto as aves canoramente se desaninham de nossos braços, ossos atados a chão deitados, chãos contestados por figadais, mas afinal chãos estrelados de algumas plantas ambicionadas por umas moças que andando sós se despetalam e virar brisas, fagueiras asas, pelas janelas passam nos vidros, vão aos relógios param os cucos, e a vila fica inteiriçada. dormindo dentro desse poema recomeçado por novo sósia.
XXI
As portas finais, os cantos iguais, os pontos cardeais, sempre obsidionais. Os tempos anuais, as faces glaciais, as culpas filiais sempre obsidionais. Os dois iniciais, as dores tais quais, os juízos finais sempre obsidionais.
XXII
Era uma vinda, dadas as luzes, dadas as faces que ali se achavam, nenhuma espúria, nenhuma enferma, dadas as cores, dadas as falas que ali se achavam; dadas as provas dessas presenças deu-se o milagre em aços doces, em gumes brandos em chamas graves; formou-se um gênio pentangular que começava com a estrela Vésper, riscando a noite sem se acabar; formou-se um lírio na suave treva, gerou-se um grito de tantas vozes, criou-se um fogo correspondente, jorrou-se um pranto desabitado. Era uma tarde: ninguém sabia o que no mundo ia acabar. Sei que houve portas escancaradas, sei que houve apelos antiencarnados. E houve um dilúvio, mas era um fogo desabrochado.
XVIII
Quando menos se pensa a sextina é suspensa. E o júbilo mais forte tal qual a taça fruída, antes que para a morte vá o réu da curta vida. Ninguém pediu a vida ao nume que em nós pensa. Ai carne dada à morte! morte jamais suspensa a taça sempre fruída última, única e forte. Orfeu e o estro mais forte dentro da curta vida a taça toda fruída, fronte que já não pensa canção erma, suspensa, Orfeu diante da morte. Vida, paixão e morte, - taças ao fraco e ao forte, taças - vida suspensa. Passa-se a frágil vida, e a taça que se pensa eis rápida fruída. Abandonada, fruída, esvaziada na morte, Orfeu já não mais pensa, Calado o canto forte em cantochão da vida, cortada ária, suspensa. Lira de Orfeu. Suspensa! Suspensa! Ária fruída, sextina artes da vida ser rimada na morte. Eis tua rima forte: rima que mais se pensa.
XXIV
A sextina começa de novo uma ária espessa, (sextina da procura!) Eurídice nas trevas, Ó Eurídice obscura. Eva entre as outras Evas. Repousai aves, Evas, que a busca recomeça cada vez mais obscura da visão mais espessa repousada nas trevas Ah! difícil procura! Incessante procura entre noturnas Evas, entre divinas trevas, Eurídice começa a trajetória espessa, a trajetória obscura. Desceu à pátria obscura em que não se procura alguém na sombra espessa e onde sombras são Evas, e onde ninguém começa, mas tudo acaba em trevas. Infernos, Evas, trevas, lua submersa e obscura. Aí a ária começa, e não finda a procura entre as celeste Evas a Eva da terra espessa. Eurídice, Eva espessa, musa de doces trevas, mais que todas as Evas - musa obscura, Eva obscura; sextina que procura acabar, e começa.
XXV
A musa A barba tão preta que era azul, morta que as amantes tão ruivas que eram nulas vem de Amara onze e mais uma, numa só outros morta, em alma, sem cadáver, sem livros tumba, e que amara - morta, morta, morta.
XXVI
Sombra encantada, declinara num vago dia, incerto dia. Eis uma deusa, pelos gestos, por sua dança, sua órbita. Era preciso compreendê-la, mas quando nós a avizinhávamos, a deusa arisca recuava. Se nós recuávamos, voltava ao nosso encontro, sem tocar-nos. Então corríamos, devassos, quase enlaçando-a: ela fugia. Era uma deusa pelos modos com que mentia e se ausentava. Mas outro dia, vago dia, abrutamente a aprisionamos. O que tu és, deusa, ignoramos, mas desejamos, qualquer coisa fazer de ti, terror ou júbilo ou nossa vênus favorável ou nossa esfera de vocábulos. Ela chorava, não queria; e o pranto logo dissolvia. Então descemos, ventre abaixo e renascemos de seu sexo, - trânsito virgem de palavras. Era uma deusa, pela fúria com que nós todos a ultrajamos. Era uma deusa e não sabíamos se cada qual mesmo a violou. Era uma deusa, pela dúvida que em cada um de nós, deixou.
XXVII
Contemplar o jardim além do odor e a mulher silenciosa entre semblantes, e refazê-los todos, todos antes que o tempo condenado os atraiçoe. Porque eu quero, em memória refazê-los: À procura da flor longínqua, mulher, não pertencida, face perdida substância inexistente, móvel vida, intercessão de nadas e cabelos. E meus olhos ausentes me espiando entre as coisas caducas e fugaces a minha intercessão em outras faces. Orfeu, para conhecer teu espetáculo, em que queres senhor, que eu me transforme, ou me forme de novo, em que outro oráculo?
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Passou a diligência pela estrada |
em 27/05/2011 21:15:05 (2872 leituras) |
"Passou a diligência pela estrada, e foi-se; E a estrada não ficou mais bela, nem sequer mais feia. Assim é a ação humana pelo mundo fora. Nada tiramos e nada pomos; passamos e esquecemos; E o sol é sempre pontual todos os dias." Alberto Caeiro. |
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Conserto a palavra com todos os sentidos em silêncio |
em 27/05/2011 18:09:43 (2144 leituras) |
Conserto a palavra com todos os sentidos em silêncio Restauro-a Dou-lhe um som para que ela fale por dentro Ilumino-a
Ela é um candeeiro sobre a minha mesa Reunida numa forma comparada à lâmpada A um zumbido calado momentaneamente em exame
Ela não se come como as palavras inteiras Mas devora-se a si mesma e restauro-a A partir do vómito Volto devagar a colocá-la na fome
Perco-a e recupero-a como o tempo da tristeza Como um homem nadando para trás E sou uma energia para ela
E ilumino-a
( “Homens que são como ligares mal situados”, 1998, Porto, Fundação Manuel Leão)
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Estrela da Manhã |
em 27/05/2011 18:00:00 (3860 leituras) |
Numa qualquer manhã, um qualquer ser,
vindo de qualquer pai,
acorda e vai.
Vai.
Como se cumprisse um dever.
Nas incógnitas mãos transporta os nossos gestos;
nas inquietas pupilas fermenta o nosso olhar.
E em seu impessoal desejo latejam todos os restos
de quantos desejos ficaram antes por desejar.
Abre os olhos e vai.
Vai descobrir as velas dos moinhos
e as rodas que os eixos movem,
o tear que tece o linho,
a espuma roxa dos vinhos,
incêncio na face jovem.
Cego, vê, de olhos abertos.
Sozinho, a multidão vai com ele.
Bagas de instintos despertos
ressuma-lhe à flor da pele.
Vai, belo monstro.
Arranca
as florestas com os teus dentes.
Imprime na areia branca
teus voluntariosos pés incandescentes.
Vai
Segue o teu meridiano, esse,
o que divide ao meio teus hemisférios cerebrais;
o plano de barro que nunca endurece,
onde a memória da espécie
grava os sonos imortais.
Vai
Lábios húmidos do amor da manhã,
polpas de cereja.
Desdobra-te e beija
em ti mesmo a carne sã.
Vai
À tua cega passagem
a convulsão da folhagem
diz aos ecos
«tem que ser».
O mar que rola e se agita,
toda a música infinita,
tudo grita
«tem que ser».
Cerra os dentes, alma aflita.
Tudo grita
«Tem que ser».
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As ondas do mar quebravam uma a uma |
em 27/05/2011 17:51:32 (5262 leituras) |
As ondas do mar quebravam uma a uma Eu estava só com a areia e com a espuma Do mar que cantava só para mim
( “ Dia do Mar “ 2005, Lisboa, Editorial Caminho)
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Vou por vielas sombrias |
em 25/05/2011 17:53:18 (2192 leituras) |
Vou por vielas sombrias, Só pensamentos e passos, Com os olhos afundados em espiral. Que operações do espírito Se entregam a estes passos? Vou pelas espirais sombrias Daqueles que não têm amor, Vielas sombrias como perguntas sem resposta, Entranhando-se numa cidade animal, De desejos mal iluminados. Vou por vielas sombrias Onde as paredes são pontuadas Pelos vultos de putas, Famintas de mais para viverem sem amor, Cansadas, entregues, também elas, À espiral das suas vidas. Esta noite, como todas as outras, As vielas sombrias, as putas, Nada têm de sórdido. São-me familiares como o pensamento Que o amor não ilumina. Este é, afinal, o críptico caminho da casa
("Últimos Poemas” 2009, Quasi Edições)
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Trincheira |
em 22/05/2011 16:31:26 (2229 leituras) |
À hora zero, deixei de rezar à Virgem. Ao meu lado, alguém tentava manter As entranhas dentro do corpo Que já não lhe pertencia, Entranhas com vida própria, Deslizando, serpenteando, Pairevam luzes irreais como medusas Enquanto troava A ridicula voz de barítono. Em tudo isto, as vidas são Cativeiro, fedor, canículas. Não me perdoarei ter traído A morte de tantos Só porque a morte não me quis. |
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Tempestade Eléctrica |
em 21/05/2011 00:29:14 (1859 leituras) |
No dia em que morreste, Deus Baniu todos os aviões. Esperei uma dor que me fulminasse, Uma dor que soubesse ser a imagem De assim te ter perdido, mas não: Só um buraco, quase tranquilo, No dia em que Deus Baniu todos os aviões Submetendo-os à lei grave da terra. Não estive sequer na hora Em que deixaste ver pela última vez, Serena, para depois partires, Sem olhares para trás, sem um aceno. Terias tu vindo ao meu encontro E, de dentro, como na minha infância, Sustido todas as tempestades, Dizendo-me «não tenhas medo»? Deus baniu todos os aviões Para que nada perturbasse A tua última viagem?
(Últimos Poemas quasi edições)
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As mulheres aspiram a casa para dentro dos pulmões |
em 19/05/2011 16:51:53 (2314 leituras) |
As mulheres aspiram a casa para dentro dos pulmões E muitas transformaram-se em árvores cheias de ninhos - digo, As mulheres - ainda que as casas apresentem os telhados inclinados Ao peso dos pássaros que se abrigam.
É à janela dos filhos que as mulheres respiram Sentadas nos degraus olhando para eles e muitas Transformam-se em escadas
Muitas mulheres transformam-se em paisagens Em árvores cheias de crianças trepando que se penduram Nos ramos - no pescoço das mães - ainda que as árvores irradiem Cheias de rebentos
As mulheres aspiram para dentro E geram continuamente. Transformam-se em pomares. Elas arrumam a casa Elas põem a mesa Ao redor do coração.
(" Homens que são como lugares mal situados" Fundação Manuel Leão, Porto, 1998)
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Do livro do Apocalipse |
em 17/05/2011 14:26:18 (2788 leituras) |
Onde há uma estrela há um homem nocturno Um homem hemisférico que pensa na luz. Ele sabe que a lâmpada é o cordeiro. Sabe que a cidade Não precisa do sol nem da lua. O homem acende na cidade O pensamento. O cordeiro está em pé como que degolado e o sangue Corre da ferida viva como um braseiro. A lâmpada Abre uma constelação no chão: o livro Que nomeia e nutre os ressuscitados. O homem põe a estrela na direcção da vida Um astrolábio celeste. Não precisa do sol nem da lua Porque tem o cordeiro em pé e de frente. Ele sabe que o cordeiro é pedra que está ferida E roda-a devagar até ele próprio ser a fonte. O homem junta as duas mãos como quem bebe E queima-se nas mãos, na boca, nas entranhas Com o lume muito novo da bebida.
("Dos Líquidos" Daniel Faria Fundação Manuel Leão, Porto, 2000 )
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As manhãs |
em 12/05/2011 21:18:44 (4033 leituras) |
Das manhãs
Apenas levarei a tua voz
Despovoada
Sem promessas sem barcos E sem casas
Não levarei o orvalho das ameias Não levarei o pulso das ramadas
Da tua voz
Levarei os sítios das mimosas Apenas os sítios das mimosas
As pedras As nuvens O teu canto
Levarei manhãs E madrugadas
(Poesia - Edição de Vera Vouga edições quasi)
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Retrato de escritor |
em 05/05/2011 13:20:00 (4609 leituras) |
Insolúvel: na água quente e na fria; nas de furar a pedra ou nas langues; nas águas lavadeiras; até nos alcoóis que dissolvem o desdém mais diamante. Insolúvel: por muito o dissolvente; igual, nas gotas dum pranto ao lado, e nas águas do banho que o submerge, em beatitude, e de que emerge ingasto.
Solúvel: em toda tinta de escrever, o mais simples de seus dissolventes; primeiramente, na da caneta-tinteiro com que ele se escreve dele, sempre (manuscrito, até em carta se abranda, em pedra-sabão, seu diamante primo); solúvel, mais tarde ele se passa a limpo o que ele se escreveu da dor indonésia lida no Rio, num telegrama do Egito (datiloscrito, já se acaramela muito seu diamante em pessoa, pré-escrito).
Solúvel, todo: na tinta, embora sólida, da rotativa, manando seu auto-escrito (impresso, e tanto em livro-cisterna ou jornal-rio, seu diamante é líquido).
João Cabral de Melo Neto, in; ‘A educação pela pedra’
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Regresso |
em 30/04/2011 20:25:05 (8012 leituras) |
Quando eu voltar, que se alongue sobre o mar, o meu canto ao Creador! Porque me deu, vida e amor, para voltar...
Voltar... Ver de novo baloiçar a fronde magestosa das palmeiras que as derradeiras horas do dia, circundam de magia... Regressar... Poder de novo respirar, (oh!...minha terra!...) aquele odor escaldante que o humus vivificante do teu solo encerra! Embriagar uma vez mais o olhar, numa alegria selvagem, com o tom da tua paisagem, que o sol, a dardejar calor, transforma num inferno de cor...
Não mais o pregão das varinas, nem o ar monotono, igual, do casario plano... Hei-de ver outra vez as casuarinas a debruar o oceano... Não mais o agitar fremente de uma cidade em convulsão... não mais esta visão, nem o crepitar mordente destes ruidos... os meus sentidos anseiam pela paz das noites tropicais em que o ar parece mudo, e o silêncio envolve tudo Sede...Tenho sede dos crepusculos africanos, todos os dias iguais, e sempre belos, de tons quasi irreais... Saudade...Tenho saudade do horizonte sem barreiras..., das calemas traiçõeiras, das cheias alucinadas... Saudade das batucadas que eu nunca via mas pressentia em cada hora, soando pelos longes, noites fora!...
Sim! Eu hei-de voltar, tenho de voltar, não há nada que mo impeça. Com que prazer hei-de esquecer toda esta luta insana... que em frente está a terra angolana, a prometer o mundo a quem regressa...
Ah! quando eu voltar... Hão-de as acacias rubras, a sangrar numa verbena sem fim, florir só para mim!... E o sol esplendoroso e quente, o sol ardente, há-de gritar na apoteose do poente, o meu prazer sem lei... A minha alegria enorme de poder enfim dizer: Voltei!...
(Alda Lara 1948)
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Testamento |
em 18/04/2011 02:49:24 (7868 leituras) |
À prostituta mais nova Do bairro mais velho e escuro, Deixo os meus brincos, lavrados Em cristal, límpido e puro...
E àquela virgem esquecida Rapariga sem ternura, Sonhamdo algures uma lenda, Deixo o meu vestido branco, O meu vestido de noiva, Todo tecido de renda...
Este meu rosário antigo Ofereço-o àquele amigo Que não acredita em Deus...
E os livros, rosários meus Das contas de outro sofrer, São para os homens humildes, Que nunca souberam ler.
Quanto aos meus poemas loucos, Esses, que são de dor Sincera e desordenada... Esses, que são de esperança, Desesperada mas firme, Deixo-os a ti, meu amor...
Para que, na paz da hora, Em que a minha alma venha Beijar de longe os teus olhos,
Vás por essa noite fora... Com passos feitos de lua, Oferecê-los às crianças Que encontrares em cada rua..
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Obsessão |
em 10/04/2011 22:08:00 (4504 leituras) |
Obsessão Os bosques para mim são como catedrais, Com orgãos a ulular, incutindo pavor... E os nossos corações, - jazidas sepulcrais, De profundis também soluçam, n'um clamor.
Odeio do oceano as iras e os tumultos, Que retratam minh'alma! O riso singular E o amargo do infeliz, misto de pranto e insultos, É um riso semelhante ao do soturno mar. Ai! como eu te amaria, ó Noite, caso tu Pudesses alijar a luz que te constéia, Porque eu procuro o Nada, o Tenebroso, o Nu!
Que a própria escuridão é tambem uma téia, Onde vejo fulgir, na luz dos meus olhares. Os entes que perdi, - espectros familiares!
Charles Baudelaire, in "As Flores do Mal" Tradução de Delfim Guimarães Obtido em Wikisource
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Vida e Obra |
em 01/04/2011 19:18:55 (12049 leituras) |
Charles-Pierre Baudelaire (Paris, 9 de Abril de 1821 — Paris, 31 de Agosto de 1867) foi um poeta e teórico da arte francêsa. É considerado um dos precursores do Simbolismo e reconhecido internacionalmente como o fundador da tradição moderna em poesia, juntamente com Walt Whitman, embora tenha se relacionado com diversas escolas artísticas. Sua obra teórica também influenciou profundamente as artes plásticas do século XIX. Nasceu em Paris a 9 de abril de 1821. Estudou no Colégio Real de Lyon e Colégio Louis-Le-Grand (de onde foi expulso por não querer mostrar um bilhete que lhe foi passado por um colega). Em 1840 foi enviado pelo padrasto, preocupado com sua vida desregrada, à Índia, mas nunca chegou ao destino. Pára na ilha da Reunião e retorna a Paris. Atingindo a maioridade, ganha posse da herança do pai. Por dois anos vive entre drogas e álcool na companhia de Jeanne Duval. Em 1844 sua mãe entra na justiça, acusando-o de pródigo, e então sua fortuna torna-se controlada por um notário. Em 1857 é lançado As flores do mal contendo 100 poemas. O livro é acusado no mesmo ano, pelo poder público, de ultrajar a moral pública. Os exemplares são presos, o escritor paga 300 francos e a editora 100, de multa. Essa censura se deveu a apenas seis poemas do livro. Baudelaire aceita a sentença e escreveu seis novos poemas "mais belos que os suprimidos", segundo ele. Mesmo depois disso, Baudelaire tenta ingressar na Academia Francesa. Há divergência, entre os estudiosos, sobre a principal razão pela qual Baudelaire tentou isso. Uns dizem que foi para se reabilitar aos olhos da mãe (que dessa forma lhe daria mais dinheiro), e outros dizem que ele queria se reabilitar com o público em geral, que via suas obras com maus olhos em função das duras críticas que ele recebia da burguesia. Morreu prematuramente sem sequer conhecer a fama, em 1867, em Paris, e seu corpo está sepultado no Cemitério do Montparnasse, em Paris.
A estética
Além de ser evidentemente, um precursor de todos os grandes poetas simbolistas, Baudelaire é considerado pela maior parte dos críticos como o mais provável fundador da poesia dita moderna. Isto deve-se ao fato de que através da percepção do real, chegava sempre a um correlato objetivo para o sentimento que desejasse expressar, tal qual T. S. Eliot define o termo, observando o uso precursor de tal conceito na poesia do francês. Veja-se o poema "Correspondances" (Correspondências), de As Flores do Mal, onde Baudelaire expõe a origem de seu "projeto simbólico". Desta forma, sua poesia tendeu para a expressão de imagens cotidianas, o "visto pelo autor", tendo o poeta sido quem melhor, em sua época, intuiu a mudança radical provocada pela metrópole sobre a sensibilidade.
Era, como os modernistas que vieram após ele, um realista que detestava o entorpecimento da reprodução do mundo em poemas e pinturas e que tinha, ao mesmo tempo, ojeriza pela subjetividade exagerada. Respondendo à pergunta, por ele mesmo formulada, sobre o que seria uma arte pura, conclui: “É criar uma mágica sugestiva, contendo a um só tempo o objeto e o sujeito, o mundo exterior ao artista e o próprio artista.” É através, naturalmente, dos sentidos, que Baudelaire apreende a realidade concreta. A mesma maneira de encarar a arte que o torna um precursor dos poetas do fim do século XIX o faz ser considerado o pai da poesia moderna.
Cronologia
1821 - (9 de abril) Nasce em Paris Charles-Pierre Baudelaire, filho de François Baudelaire e Caroline Archimbaut-Dufays. 1827 - Morre François Baudelaire. 1828 - A sua mãe casa em segundas núpcias com o militar Jacques Aupick. 1832 - O Coronel Jacques Aupick é transferido para Lyon levando consigo a esposa e o seu filho Charles Baudelaire. 1833 - Baudelarie é matriculado como aluno interno no Collège royal de Lyon. 1836 - O Coronel Jacques Aupick é nomeado para o Estado Maior do Exército em Paris. Recomeça os estudos em Paris. 1838 - Viagem aos Pirenéus com a mãe e o padrasto. É após esta viagem que ele escreve o poema Incompatibilité. 1839 - Baudelaire conclui o curso colegial. Seu padrasto é promovido a General da Brigada. 1840 - Baudelaire vive na pensão Lévêque et Bailly e faz amizade com dois jovens poetas, Gustave Le Vavasseur e Ernest Prarond 1841 - Pressionado pela família e pelo padrasto, que não admitiam sua independência e determinação, Baudelaire é obrigado a embarcar num navio em Bordeaux com destino a Calcutá. Meses depois o General Aupick, seu padrasto, recebe uma carta do comandante do navio dando conta de que o jovem Baudelaire decidiu abandonar a viagem na Ilha de Réunion, não indo mais a Calcutá. 1842 - Retorna a França. Ligação com Jeanne Duval, uma jovem mulata que ele conhece no teatro Porte Saint-Antoine. Conhece Félix Tournachon, fotografo conhecido como Nadar, de quem fica muito amigo. Baudelaire atinge a maioridade e recebe a herança deixada por sua pai no valor de 75 mil francos. Passa a morar na Ilha de Saint-Louis em Paris. 1843 - Estreia numa colectânea literária chamada Vers. Muda-se para o Hotel Pimodan, conhece muitas pessoas ligadas às artes, como poetas, pintores e marchands. É nesse hotel que Baudelaire reencontra o poeta Theóphile Gautier, sua futura paixão Apolonie Sabatier, e Fernand Boissard, pintor morto prematuramente. É aí que instala o famoso Club des Haschischins, que inspirará Baudelaire para escrever a primeira parte dos Paraísos Artificiais.
Referências:
↑ Carlos, Luís Adriano. Universidade do Porto. 1989. ↑ Coelho, Maria Paula Mendes. Da história do símbolo ao simbolismo na história. Atas do Colóquio - Literatura e História. Universidade Aberta. Portugal. 2002. ↑ Gay, Peter. Modernism. Nova Iorque/Londres: W.W. Norton & Company Inc.; 2008. p. 40. in Vogt, Carlos. O Modernismo de Lévi-Strauss. 10/10/2009
CHARLES BAUDELAIRE Por Danilo Corci 17/06/2002
O homem que mudou a literatura moderna. Definir o francês Charles Baudelaire somente desta maneira não seria correto. Ficaria muito aquém de sua verdadeira importância. Tradutor, poeta, crítico de arte e literato, Baudelaire foi o ponto alto do século 19 nas letras.
Charles foi o único filho de Joseph-François Baudelaire e de sua jovem segunda esposa, Caroline Archimbaut Defayis. Seu pai havia sido ordenado como padre quando neófito, mas largou o ministério durante a revolução francesa. Trabalhou como tutor dos filhos do duque de Choiseul-Praslin, o que lhe proporcionou um certo status. Ganhou dinheiro e respeito e aos 68 anos se casou com Caroline, então com 26. Vivendo num orfanato e já passada da idade de se casar, ela acabou por não ter opção. Em 1819, se casaram. Charles-Pierre Baudelaire veio ao mundo um ano e meio depois, em 9 de Abril de 1821.
Seu pai era um admirador das artes. Pintava e escrevia poesias. E insistiu para que o filho seguisse o caminho. Baudelaire, anos mais tarde, se referiu à sofreguidão do pai como "o culto das imagens". Mas a convivência entre ambos durou pouco. Em fevereiro de 1827, Joseph-François Baudelaire faleceu. O jovem Charles e sua mãe tiveram que se mudar para o subúrbio de Paris para não terem problemas financeiros. Em um de seus textos de 1861, Charles escreveu para a mãe: "Eu estive sempre vivo em você. Você foi totalmente minha". Este tempo de convivência terminou quando Caroline se casou com o soldado Jacques Aupick, que conseguiu se tornar general e mais tarde serviu como embaixador francês para o Império Otomano e para Espanha, antes de se tornar senador do Segundo Império.
A vida acadêmica de Baudelaire começou no Collège Royal em Lyon, quando Aupick levou a família inteira ao assumir um cargo na cidade. Mais tarde, ele foi matriculado no Liceu Louis Le Grand, quando retornaram a Paris em 1836. Foi justamente ai que Baudelaire começou a se mostrar um pequeno gênio. Escrevia poemas, que eram execrados por seus professores, que acham que seus textos eram um exemplo de devassidão precoce, afeições que não eram normais em sua idade. A melancolia também dava sinais no jovem Charles. Aos poucos, ele se convenceu de ser um solitário por natureza. Em abril de 1839, acabou expulso da escola por seus atos de indisciplina constantes.
Mais tarde, ele se tornou aluno da Escola de Droit. Na verdade, Charles estava vivendo de maneira livre. Fez os seus primeiros contatos com o universo da literatura e contraiu uma doença venérea que o consumiu durante a vida inteira. Tentando salvar seu enteado do caminho libertino, Aupick o enviou para uma viagem à Índia, em 1841, uma forte inspiração para sua imaginação, e que trouxe imagens exóticas ao seu trabalho. Baudelaire retornou a França em 1842.
Neste mesmo ano, ele recebeu sua herança. Mas como dândi que era, consumiu rapidamente a pequena fortuna. Gastou em roupas, livros, quadros, comidas, vinhos, haxixe e ópio. Os dois últimos, um vício adquirido após consumir pela primeira vez entre 1843 e 1845, em seu apartamento no Hotel Pimodan. Pouco depois deste seu retorno, ele conheceu Jeanne Duval, a mulher que marcou definitivamente a sua vida. A mestiça primeiro se tornou sua amante e mais tarde, controlou sua vida financeira. Ela ira ser a inspiração para as poesias mais angustiadas e sensuais que o poeta escreveu. Seu perfume e o seus longos cabelos negros foram o mote da poesia erótica "La Chevelure".
Charles Baudelaire continuou levando sua vida extravagante e em dois anos dilapidou todo o seu dinheiro. Também se tornou presa de agiotas e bandidos. Neste período, acumulou dívidas que o assombraram para o resto da vida. Em setembro de 1844, sua família entrou na justiça para impedi-lo de mexer no pouco dinheiro da herança que ainda sobrava. Baudelaire perdeu e acabou recebendo somas anuais, que mal dava para manter o seu estilo de vida e muito menos para pagar o que devia. Isto o levou a uma dependência brutal de sua mãe e ao ódio de seu padrasto. Seu temperamento isolacionista e desesperador, fruto de sua adolescência conturbada e que ele apelidou de "spleen" retornou e se tornou cada vez mais freqüente.
Após a sua volta a França, ele decidiu se tornar um poeta, a qualquer custo. De 1842 a 1846, ele compôs que mais tarde foram compilados na edição de "Flores do Mal" (1857). Baudelaire evitou publicar todos estes poemas separadamente, o que sugere que ele realmente tenha arquitetado em sua mente uma coleção coerente, governada por uma temática própria. Em outubro de 1845, compilou "As Lésbicas" e em 1848, "Limbo", obras que representam a agitação e a melancolia da juventude moderna. Nenhuma das duas coleções de poemas foram lançadas em livros e Baudelaire só foi aceito no circuito cultural de Paris porque também era crítico de arte, trabalho que exerceu por um bom tempo.
Inspirado pelo exemplo do pintor Eugène Delacroix, ele elaborou uma teoria da pintura moderna, convocando os pintores a celebrarem e expressarem o "heroísmo da vida moderna". O mês de janeiro de 1847 foi importante para Baudelaire. Ele escreveu a novela "La Fanfarlo", cujo o herói, ou melhor, anti-herói, Samuel Cramer, um alter-ego do autor, oscila desesperado entre o desejo pela maternal e respeitável Madame de Cosmelly e o erótico pela atriz e dançarina Fanfarlo. Com este texto, Baudelaire começava a chamar a atenção, mesmo que timidamente.
Este anonimato acabou-se em fevereiro de 1848, quando participou de manifestações para a derrubada do Rei Luís Felipe e para a instalação da Segunda República. Consta que comandou um violento ataque contra o general Aupick, seu padrasto, então diretor da Escola Politécnica. Este acontecimento leva vários especialistas a minimizarem a participação do do poeta burguês nesta revolução, já que seus motivos não seriam sociais e políticos mas sim pessoais, que ainda não havia publicado nada. Porém, estudos recentes assumem uma veia política brutal em Baudelaire, em especial sua associação com o anarquista-socialista Pierre-Joseph Proudhon. Sua participação na revolta de proletários em junho de 1848 é comprovada e também na resistência contra os militares de Napoleão 3º, em dezembro de 1851. Logo após este episódio, o poeta declarou encerrado seu interesse em política e voltou toda a sua atenção para seus escritos.
Em 1847, ele descobriu um escritor norte-americano obscuro: Edgar Allan Poe. Impressionado pelo que leu e pelas similaridades entre os escritos de Poe com seu próprio pensamento e temperamento, Baudelaire decidiu levar a cabo a tradução completa das obras do norte-americano, trabalho este que lhe tomou boa parte do resto de sua vida. A tradução do conto "Mesmeric Revelation" foi publicado em julho de 1848 e depois, outras traduções apareceram em jornais e revistas antes de serem compiladas no livro "Histórias Extraordinárias" (1856) e "Novas Histórias Extraordinárias" (1857), todas precedidas por introduções críticas feitas por Charles Baudelaire. Depois se seguiu "As Aventuras de Arthur Gordon Pym" (1857), "Eureka" (1864) e Histórias Grotescas" (1865). Como tradução, estes trabalhos foram clássicos da prosa francesa, e o exemplo de Poe deu a Baudelaire uma confiança em sua própria teoria estética e ideais para a poesia. O poeta também começou a estudar o trabalho do teórico conservador Joseph de Maistre, que, junto com Poe, incentivaram seu pensamento a ir numa direção antinaturalista e anti-humanista.
Do meio de 1850, ele iria se pronunciar arrependido de ser um católico romano, apesar de manter sua obsessão pelo pecado original e pelo demônio. Tudo isto sem a fé no amor e perdão de Deus, e sua crença em Cristo se rebaixou tanto a ponto de praticamente não existir mais.
Entre 1852 e 1854, ele dedicou vários poemas à Apollonie Sabatier, sua musa e amante apesar da reputação de cortesã da alta-classe. Em 1854, Baudelaire manteve um caso com a atriz Marie Daubrun. Ao mesmo tempo, sua fama como o tradutor de Poe aumentava. O fato de ser crítico de arte permitiu que publicasse algum de seus poemas. Em junho de 1855, a Revue des Deux Mondes publicou uma sequência de 18 de seus poemas, com o título de "As Flores do Mal" ("Le Fleurs du Mal"). Os poemas, que ele escolheu pela originalidade e pelo tema, lhe trouxeram notoriedade. No ano seguinte, Baudelaire fechou um contrato com o editor Poulet-Malassis para uma coleção completa de poemas sob o título prévio.
Quando a primeira edição do livro foi publicado em junho de 1857, 13 dos 100 poemas foram imediatamente acusados de ofensas à religião e à moral pública. Um julgamento foi feito no dia 20 de agosto de 1857 e 6 poemas foram condenados a serem retirados da publicação sob a acusação de serem obscenos demais. Baudelaire foi multado em 300 francos (mais tarde, reduzido a 50 francos). Em 1866, na Bélgica, os seis poemas foram republicados sobre o título de "Les Èpaves". A proibição dos poemas só foram retirados da França em 1949. Como toda polêmica sempre é benéfica, "As Flores do Mal" se tornou um marco por sua obscenidade, morbidez e devassidão. A lenda de Baudelaire como um poeta maldito, dissidente e pornográfico nasceu.
Porém, as vendagens não foram nada boas. Baudelaire nutria uma expectativa gigantesca pelo sucesso, o que não aconteceu e imediatamente se tornou amargo. Os anos que vieram transformaram Baudelaire numa personalidade soturna, assombrado pelo sentimento de fracasso, desilusão e desespero. Após a condenação de seu livro, ele se juntou com Apollonie Sabatier e a deixou em 1859 para retomar seu relacionamento com Marie Daubrun, novamente infeliz e fracassado. Apesar de ter escrito alguns de seus melhores trabalhos nestes anos, poucos foram publicados em livro. Após a publicação de experimentos de prosa em verso, ele se concentrou numa segunda edição de "As Flores do Mal".
Em 1859, enquanto vivia novamente com sua mãe, perto do rio Sena, onde ela se mantinha reclusa após a morte de Aupick em 1857, Baudelaire produziu uma série de obras-primas da poesia, começando com "Le Voyage" em janeiro e culminando no que é considerado seu melhor poema, "Le Cygne", em dezembro. Ao mesmo tempo, compôs dois de seus mais provocativos ensaios de crítica de arte: "Salon de 1859" e "Os Pintores da Vida Moderna". Este último, inspirado por Constantin Guys, é visto como uma declaração profética dos elementos do Impressionismo, uma década antes do surgimento da escola.
Em 1860, publicou "Os Paraísos Artificiais", uma tradução de partes do ensaio de "Confissões de um Inglês Comedor de Ópio", de Thomas De Quincey, acompanhado por sua pesquisa e análise das drogas. Em fevereiro de 1861, uma segunda edição, maior e ampliada, de "As Flores do Mal" foi publicada por Poulet-Malassis. Ao mesmo tempo, publicou ensaios críticos sobre Theophile Gautier (1859), Richard Wagner (1861), Victor Hugo e outros poetas contemporâneos (1862), e Delacroix (1863). Estes textos seriam compilados em "A Arte Romântica", em 1869. Os fragmentos de sua autobiografia entitulada "Fusèes"e "Mon Coeur Mis à Nu" também foram lançados entre 1850 e 1860. É também desta época seu ensaio onde afirma que a fotografia era um engodo, que aquela nova forma nunca seria arte. Mais tarde, o poeta se arrependeu e voltou atrás em suas declarações e chegou a ser retratado por Félix Nadar.
Em 1861, Baudelaire tentou se eleger à Academia Francesa mas foi fragorosamente derrotado Em 1862, Poulet-Malassis faliu e ele foi implicado na falência, o que piorou sua condição financeira. Seus limites mentais e físicos atingiram o topo. Ele definiu aquele momento como "o vento das asas da imbecilidade que passou por minha vida". Abandonando a poesia, ele foi fundo na prosa em versos. Uma sequência de 20 de seus trabalhos foi publicada em 1862. Em abril de 1864, ele deixou Paris para se instalar em Bruxelas, onde tentaria persuadir um editor belga a publicar suas obras completas. Lá ficou, amargurado e empobrecido até 1866, quando após um ataque epilético na Igreja de Saint-Loup at Namur, sua vida mudou. Baudelaire teve uma lesão cerebral que lhe ocasionou afasia (perda da capacidade de compreensão e de expressão pela palavra escrita ou pela sinalização, assim como pela fala) e paralisia. O dândi nunca mais se recuperou. Retornou a Paris no dia 2 de julho, onde ficou em uma enfermaria até sua morte. Em 31 de agosto de 1867, aos 46 anos, Charles Baudelaire morreu nos braços de sua mãe.
Quando a morte o visitou, Baudelaire ainda mantinha vários de seus trabalhos não publicados e os que já haviam saído estavam fora de circulação. Mas isto rapidamente mudou. Os líderes do movimento Simbolista compareceram ao seu funeral e já se designavam como seus fiéis seguidores. Menos de 50 anos após a sua morte, Baudelaire ganhou a fama que nunca teve em vida: havia se tornado o maior nome da poesia francesa do século 19.
Conhecido por sua controvérsia e seus textos obscuros, Baudelaire foi o poeta da civilização moderna, onde suas obras parecem clamar pelo século 20 ao invés de seus contemporâneos. Em sua poesia introspectivaele se revelou como um lutador a procura de deus, sem crenças religiosas, procurando em cada manifestação da vida os elementos da verdade, de uma folha de uma árvore ou até mesmo no franzir das sobrancelhas de uma prostituta. Sua recusa em admitir restrições de escolha de temas em sua poesia o coloca num patamar de desbravador de novos caminhos para os rumos da literatura mundial.
Fontes: - Enciclopédia Britannica - Site da Universidade de Londres http://www.speculum.art.br/module.php?a_id=5
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Endechas à Bárbara Cativa(Escrava) |
em 22/03/2011 14:30:00 (5486 leituras) |
Aquela cativa Que me tem cativo, Porque nela vivo Já não quer que viva. Eu nunca vi rosa Em suaves molhos, Que pera meus olhos Fosse mais fermosa.
Nem no campo flores, Nem no céu estrelas Me parecem belas Como os meus amores. Rosto singular, Olhos sossegados, Pretos e cansados, Mas não de matar.
Uma graça viva, Que neles lhe mora, Pera ser senhora De quem é cativa. Pretos os cabelos, Onde o povo vão Perde opinião Que os louros são belos.
Pretidão de Amor, Tão doce a figura, Que a neve lhe jura Que trocara acor. Leda mansidão, Que o siso acompanha; Bem parece estranha, Mas Bárbara não.
Presença serena Que a tormenta amansa; Nela, enfim, descansa Toda a minha pena. Esta é a cativa Que me tem cativo; E. pois nela vivo, É força que viva.
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Eu... |
em 17/03/2011 09:51:30 (9372 leituras) |
Eu ...
Eu sou a que no mundo anda perdida, Eu sou a que na vida não tem norte, Sou a irmã do Sonho,e desta sorte Sou a crucificada ... a dolorida ...
Sombra de névoa tênue e esvaecida, E que o destino amargo, triste e forte, Impele brutalmente para a morte! Alma de luto sempre incompreendida!...
Sou aquela que passa e ninguém vê... Sou a que chamam triste sem o ser... Sou a que chora sem saber porquê...
Sou talvez a visão que Alguém sonhou, Alguém que veio ao mundo pra me ver, E que nunca na vida me encontrou! |
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Neblina |
em 12/03/2011 14:20:10 (8144 leituras) |
Estranho é caminhar na densa névoa: Solitária esta cada planta ou pedra, Nenhum arbusto enxerga o seu vizinho, Cada um está só. Cheio de amigos era, para mim, o mundo Quando luminosa ‘inda era minha vida; Agora que a névoa caiu, Ninguém mais é visível.
Não é deveras um sábio Quem não conhece a escuridão Que, suavemente, nos separa De tudo inexorável.
Estranho é caminhar na densa névoa: Viver é estar solitário Entre gente que se ignora. Todos estamos sós!
(“Este Lado da Vida”, contos – Civilização brasileira, 1971 –Trad.de Álvaro Cabral)
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Receita de Mulher |
em 08/03/2011 15:57:31 (5028 leituras) |
Receita de mulher
As muito feias que me perdoem Mas beleza é fundamental. É preciso Que haja qualquer coisa de flor em tudo isso Qualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute couture Em tudo isso (ou então Que a mulher se socialize elegantemente em azul, como na República Popular Chinesa). Não há meio-termo possível. É preciso Que tudo isso seja belo. É preciso que súbito Tenha-se a impressão de ver uma garça apenas pousada e que um rosto Adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da aurora. É preciso que tudo isso seja sem ser, mas que se reflita e desabroche No olhar dos homens. É preciso, é absolutamente preciso Que seja tudo belo e inesperado. É preciso que umas pálpebras cerradas Lembrem um verso de Éluard e que se acaricie nuns braços Alguma coisa além da carne: que se os toque Como no âmbar de uma tarde. Ah, deixai-me dizer-vos Que é preciso que a mulher que ali está como a corola ante o pássaro Seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo e Seja leve como um resto de nuvem: mas que seja uma nuvem Com olhos e nádegas. Nádegas é importantíssimo. Olhos então Nem se fala, que olhe com certa maldade inocente. Uma boca Fresca (nunca úmida!) é também de extrema pertinência. É preciso que as extremidades sejam magras; que uns ossos Despontem, sobretudo a rótula no cruzar das pernas, e as pontas pélvicas No enlaçar de uma cintura semovente. Gravíssimo é porém o problema das saboneteiras: uma mulher sem saboneteiras É como um rio sem pontes. Indispensável. Que haja uma hipótese de barriguinha, e em seguida A mulher se alteie em cálice, e que seus seios Sejam uma expressão greco-romana, mas que gótica ou barroca E possam iluminar o escuro com uma capacidade mínima de cinco velas. Sobremodo pertinaz é estarem a caveira e a coluna vertebral Levemente à mostra; e que exista um grande latifúndio dorsal! Os membros que terminem como hastes, mas que haja um certo volume de coxas E que elas sejam lisas, lisas como a pétala e cobertas de suavíssima penugem No entanto, sensível à carícia em sentido contrário. É aconselhável na axila uma doce relva com aroma próprio Apenas sensível (um mínimo de produtos farmacêuticos!). Preferíveis sem dúvida os pescoços longos De forma que a cabeça dê por vezes a impressão De nada ter a ver com o corpo, e a mulher não lembre Flores sem mistério. Pés e mãos devem conter elementos góticos Discretos. A pele deve ser frescas nas mãos, nos braços, no dorso, e na face Mas que as concavidades e reentrâncias tenham uma temperatura nunca inferior A 37 graus centígrados, podendo eventualmente provocar queimaduras Do primeiro grau. Os olhos, que sejam de preferência grandes E de rotação pelo menos tão lenta quanto a da Terra; e Que se coloquem sempre para lá de um invisível muro de paixão Que é preciso ultrapassar. Que a mulher seja em princípio alta Ou, caso baixa, que tenha a atitude mental dos altos píncaros. Ah, que a mulher de sempre a impressão de que se fechar os olhos Ao abri-los ela não estará mais presente Com seu sorriso e suas tramas. Que ela surja, não venha; parta, não vá E que possua uma certa capacidade de emudecer subitamente e nos fazer beber O fel da dúvida. Oh, sobretudo Que ela não perca nunca, não importa em que mundo Não importa em que circunstâncias, a sua infinita volubilidade De pássaro; e que acariciada no fundo de si mesma Transforme-se em fera sem perder sua graça de ave; e que exale sempre O impossível perfume; e destile sempre O embriagante mel; e cante sempre o inaudível canto Da sua combustão; e não deixe de ser nunca a eterna dançarina Do efêmero; e em sua incalculável imperfeição Constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criação imunerável.
Vinícius de Moraes |
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Ramo em flor |
em 01/03/2011 17:52:55 (5508 leituras) |
Para cá e para lá sempre se inclina ao vento o ramo em flor, para cima e para baixo sempre meu coração vai feito uma criança entre claros e nebulosos dias, entre ambições e renúncias. Até que as flores se espalham e o ramo se enche de frutos, até que o coração farto de infância alcança a paz e confessa: de muito agrado e não perdida foi a inquieta jogada da vida.
(de “Música da Solidão”, 1915)
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Degraus |
em 22/02/2011 23:16:22 (14654 leituras) |
Assim como as flores murcham E a juventude cede à velhice, Também os degraus da Vida, A sabedoria e a virtude, a seu tempo, Florescem e não duram eternamente. A cada apelo da vida deve o coração Estar pronto a despedir-se e a começar de novo, Para, com coragem e sem lágrimas se Dar a outras novas ligações. Em todo O começo reside um encanto que nos Protege e ajuda a viver Serenos transpunhamos o espaço após espaço, Não nos prendendo a nenhum elo, a um lar; Sermos corrente ou parada não quer o espírito do mundo Mas de degrau em degrau elevar-nos e aumentar-nos. Apenas nos habituamos a um círculo de vida, Íntimos, ameaça-nos o torpor; Só aquele que está pronto a partir e parte Se furtará à paralisia dos hábitos. Talvez também a hora da morte Nos lance, jovens, para novos espaços, O apelo da Vida nunca tem fim ... Vamos, Coração, despede-te e cura-te!
Hermann Hesse (1877-1962), Alemanha in "O jogo das contas de vidro", trad. de Carlos Leite
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O meu impossível |
em 13/02/2011 22:46:47 (9702 leituras) |
Minh'alma ardente é uma fogueira acesa, É um brasido enorme a crepitar! Ânsia de procurar sem encontrar A chama onde queimar uma incerteza!
Tudo é vago e incompleto! E o que mais pesa É nada ser perfeito. É deslumbrar A noite tormentosa até cegar, E tudo ser em vão! Deus, que tristeza!...
Aos meus irmãos na dor já disse tudo E não me compreenderam!... Vão e mudo Foi tudo o que entendi e o que pressinto...
Mas se eu pudesse a mágoa que em mim chora Contar, não a chorava como agora, Irmãos, não a sentia como a sinto!...
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Toma-me |
em 05/02/2011 20:19:09 (3921 leituras) |
Toma-me. A tua boca de linho sobre a minha boca Austera. Toma-me AGORA, ANTES Antes que a carnadura se desfaça em sangue, antes Da morte, amor, da minha morte, toma-me Crava a tua mão, respira meu sopro, deglute Em cadência minha escura agonia. Tempo do corpo este tempo. Da fome Do de dentro. Corpo se conhecendo, lento, Um sol de diamante alimentando o ventre, O leite da tua carne, a minha Fugidia. E sobre nós este tempo futuro urdindo Urdindo a grande teia. Sobre nós a vida A vida se derramando. Cíclica. Escorrendo. Te descobres vivo sob um jogo novo. Te ordenas. E eu delinqüescida: amor, amor, Antes do muro, antes da terra, devo Devo gritar a minha palavra, uma encantada Ilharga Na cálida textura de um rochedo. Devo gritar Digo para mim mesma. Mas ao teu lado me estendo Imensa De púrpura. De prata. De delicadeza.
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Uma mulher chamada guitarra |
em 29/01/2011 21:14:47 (4001 leituras) |
Um dia, casualmente, eu disse a um amigo que a guitarra, ou violão, era "a música em forma de mulher". A frase o encantou e ele a andou espalhando como se ela constituísse o que os franceses chamam um mot d'esprit. Pesa-me ponderar que ela não quer ser nada disso; é, melhor, a pura verdade dos fatos.
0 violão é não só a música (com todas as suas possibilidades orquestrais latentes) em forma de mulher, como, de todos os instrumentos musicais que se inspiram na forma feminina — viola, violino, bandolim, violoncelo, contrabaixo — o único que representa a mulher ideal: nem grande, nem pequena; de pescoço alongado, ombros redondos e suaves, cintura fina e ancas plenas; cultivada, mas sem jactância; relutante em exibir-se, a não ser pela mão daquele a quem ama; atenta e obediente ao seu amado, mas sem perda de caráter e dignidade; e, na intimidade, terna, sábia e apaixonada. Há mulheres-violino, mulheres-violoncelo e até mulheres-contrabaixo.
Mas como recusam-se a estabelecer aquela íntima relação que o violão oferece; como negam-se a se deixar cantar, preferindo tornar-se objeto de solos ou partes orquestrais; como respondem mal ao contato dos dedos para se deixar vibrar, em benefício de agentes excitantes como arcos e palhetas, serão sempre preteridas, no final, pelas mulheres-violão, que um homem pode, sempre que quer, ter carinhosamente em seus braços e com ela passar horas de maravilhoso isolamento, sem necessidade, seja de tê-la em posições pouco cristãs, como acontece com os violoncelos, seja de estar obrigatoriamente de pé diante delas, como se dá com os contrabaixos.
Mesmo uma mulher-bandolim (vale dizer: um bandolim), se não encontrar um Jacob pela frente, está roubada. Sua voz é por demais estrídula para que se a suporte além de meia hora. E é nisso que a guitarra, ou violão (vale dizer: a mulher-violão), leva todas as vantagens. Nas mãos de um Segovia, de um Barrios, de um Sanz de la Mazza, de um Bonfá, de um Baden Powell, pode brilhar tão bem em sociedade quanto um violino nas mãos de um Oistrakh ou um violoncelo nas mãos de um Casals. Enquanto que aqueles instrumentos dificilmente poderão atingir a pungência ou a bossa peculiares que um violão pode ter, quer tocado canhestramente por um Jayme Ovalle ou um Manuel Bandeira, quer "passado na cara" por um João Gilberto ou mesmo o crioulo Zé-com-Fome, da Favela do Esqueleto.
Divino, delicioso instrumento que se casa tão bem com o amor e tudo o que, nos instantes mais belos da natureza, induz ao maravilhoso abandono! E não é à toa que um dos seus mais antigos ascendentes se chama viola d'amore, como a prenunciar o doce fenômeno de tantos corações diariamente feridos pelo melodioso acento de suas cordas... Até na maneira de ser tocado — contra o peito — lembra a mulher que se aninha nos braços do seu amado e, sem dizer-lhe nada, parece suplicar com beijos e carinhos que ele a tome toda, faça-a vibrar no mais fundo de si mesma, e a ame acima de tudo, pois do contrário ela não poderá ser nunca totalmente sua.
Ponha-se num céu alto uma Lua tranqüila. Pede ela um contrabaixo? Nunca! Um violoncelo? Talvez, mas só se por trás dele houvesse um Casals. Um bandolim? Nem por sombra! Um bandolim, com seus tremolos, lhe perturbaria o luminoso êxtase. E o que pede então (direis) uma Lua tranqüila num céu alto? E eu vos responderei; um violão. Pois dentre os instrumentos musicais criados pela mão do homem, só o violão é capaz de ouvir e de entender a Lua.
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