Poemas : 

Cultura musical

 
Atualmente, o conceito de cultura mais difundido e aceito é aquele defendido pela antropologia, ou seja, cultura é toda forma de produção intelectual, religiosa e material de um povo (com o que concordo). E, a partir dessa perspectiva, a cultura seria algo ímpar, própria de cada povo, portanto autêntica e não passível de julgamento de valoração ou de comparação (do que discordo).
A globalização está derrubando não só as barreiras comerciais, mas também culturais; desse modo, a cultura já não é mais algo tão peculiar assim, e, quando certos aspectos da cultura de um povo são nada menos que uma tentativa de reprodução da cultura de outro, nesse caso, pode e deve, sim, ser cotejada e valorada.
E é essa cópia, em todo seu corolário, que chama muito a atenção quando o assunto é música no Brasil e música do Brasil. Se por um lado temos gêneros autênticos, como o chorinho, por outro, temos cópias, como o Rock , e por mais que, em termos de cultura, diga-se que não dá para comparar o nosso chorinho por ser exclusivo e o rock nacional, por ser uma releitura (isso na perspectiva antropológica), sou obrigado a me posicionar como voz destoante dessa postura que se exime de pôr “o dedo na ferida” e admitir que há, sim, que ser comparado e valorado.
Toda vez que uma prática cultural é reproduzida por outro povo, esse por mais que lhe imprima novo sentido, está buscando algo próximo ao original, pois, se assim não fosse, não se copiaria, inventaria algo novo. Mas, uma vez admitido que há como e porque se imprimir juízo de valor na prática da cultura musical globalizada, o que achar do que é veiculado pela mídia nacional?
Do lado positivo, vejo músicos geniais se inspirando nos mais diversos gêneros e produzindo grandes obras; temos excelentes letristas, grandes instrumentistas, poetas geniais. Entretanto, do outro lado da moeda, essa mesma globalização, com sua produção de cultura em e para massa, nos trás verdadeiras tragédias nacionais no sentido de que hoje os veículos de comunicação apresentam em sua maioria esmagadora apenas esses trabalhos voltados para a tal “cultura popular”: em geral, construções audiovisuais sem estética e nem conteúdo.
Daí, como não valorar essa nossa cultura musical, se quando se passeia pela cidade é só esse lixo sonoro que se ouve?
Acredito que a música tenha algumas funções; primeiro, deve regozijar a alma; depois, deve levar-nos a pensá-la, a compreender seu significado. Mas como fazer isso com uma produção que levaria um antropólogo desavisado a achar que lida com uma manifestação cultural de indivíduos do paleolítico, uma vez que não possui estética, e seu conteúdo está esvaziado em repetições de uma eterna grotesca assimilação com o sexo em sua característica a mais primitiva, ou seja, a descoberta de que o outro possui um pênis ou uma vagina?
De modo muito geral, o gênero Sertanejo explora os temas: sexo, consumo de álcool, e os rodeios; o Funk se ocupa excessivamente do tema sexo e de algumas formas de violência, isso em visão bastante incipiente; quanto ao Axé, ainda é preciso saber o que se está buscando transmitir com letras nas quais as vogais são quase que a totalidade do que se ouve, pois quando não é assim, fala-se de sexo; o Pagode é algo semelhante a uma folha A4: em branco e a espera de preenchimento; o Pop... Para mim, pop é sinônimo do que a maioria da população ouve, portanto, os gêneros que já foram mencionados; mas se assim eu proceder, nossos cantores pops vão se magoar, portanto: pop é a soma de tudo o que já foi dito sobre os outros gêneros: tão ruim quanto.
Como eu já disse, o Brasil tem músicos extraordinariamente bons, gente de primeira linha; mas o advento da globalização, associado a uma concepção de produção cultural em massa e para a massa, mais essa postura de que não há cultura de má qualidade, tudo isso gerou uma aberração. É como se, de certa forma se buscasse pedir desculpas pelos séculos de opressão contra as minorias, pela exclusão da maioria pobre, pela construção de um país onde o mínimo digno é de difícil acesso, portanto para poucos; só que, creio, não se desculpa esse tipo de coisa dizendo que essa porcaria sonora é parte de uma lida cultura popular, indo à TV enaltecer aquilo que quem elogia certamente só ouve naquele momento e por força do ofício. Aliás, acho que desculpas, de qualquer forma que seja, não interessa; em vez de ficar falando que esse “pato horrível” é bonitinho, seria melhor resolver as mazelas já citadas e deixar por conta, pois uma população menos aviltada certamente reproduziria uma cultura musical melhor.

Júnio Cézar Arcanjo. 28/01/2007

 
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