V
Uma semana sem abrir a oficina. Tudo bem, menos eu que não estou muito legal. O estomago naquela base, as mãos tremulas, álgidas e um pouco tonto. Ânsia de vomito e boca amarga.
Uns sonhos sem pé nem cabeça. Aos poucos voltando ao normal. respiro fundo. A missão de hoje é desempenar os ferros da grade de Miguel. Descansarei até as oito. Os ônibus lotados - reflexo da paralisação dos caminhoneiros. Ontem anoite o Presidente Temer anunciou um novo acordo.
- Bom dia! - saúda-me a professorinha, inquilina das quitinetes de Lourival que leciona no bairro do Maracanã.
Um velhinho empertigado de boné vermelho, o andar firme com o guarda-chuva na mão. Alguém acena de uma lotação lotada. Não o reconheci.
Soldei o quadro da primeira grade e torci os ferros para o enchimento. Enquanto trabalhava agoniado, a galera reunida conversava amenidades.
Estou cansado, mas não posso ir agora para a pensão, pois tenho que passar em frente ao Bar de Dona Jurema e de repente posso ser interpelado pelo filho, devo-lhe umas latas de 'cervas' desse a semana passada. Pra fechar o círculo de palestras, por último apareceu um evangelista amador querendo me convencer a renegar a minha fé católica. Foi meia-hora de pregação, a sorte foi a chegada de um cliente com uns martelos velhos para soldar uns cabos. Amanheci com dois reais e cinquenta centavos. Se eu não bebesse todo o dinheiro que ganho suado seria um homem abonado. Relendo "Monsenhor Quixote" de Greene.
Mais uma noite. ouvindo a narração do jogo ente Sampaio e Ponte Preta. Fiz as pazes com Hemingway reli alguns de seus contos. Aprendi com ele a beber uísque com água.
VI
Uma bela manhã com céu de brigadeiro. A grade ponteada. Aldir, manobra a Toyota Bandeirante do deposito, carregada de areia e alguns sacos de cimentos, o ajudante Katchengo segue-o a pé. Frank Puro sentado no banquinho de ferro no canto da porta observando o movimento da manhã. Lembrando-me da nórdica que Brings (Henry MIller) conheceu no bar das lésbicas, falando mal de Hildred que tinha os seios enormes que pareciam duas frigideiras penduradas no pescoço. Buy deu-me alguns livros que não fazem muito o meu gosto, mas por educação os aceitei. São na maioria livros para adolescentes - Começarei por "Machado e Juca" de Luiz Antônio Aguiar. A capa atraiu-me a atenção e percebi que se tratava de algo relacionado com o bom e velho Bruxo do Cosme velho
La noche - Estou todo dolorido e os olhos em petição de miséria. Embalado pela frase otimista do genial Charles "Carlitos" Chaplin "A persistência é o caminho da vitória" - comecei a digitar um novo projeto. O mais ousado de todos. Encerro a leitura do interessante livro do Luiz Antônio Aguiar..
VII
Uma branca de vestido preto atiça o meu libido. Pernas perfeitas e um belo derrière. "Viver Vale a Pena" de Lucília Junqueira de Almeida Prato - a vida da negrinha Chiquinha, maltratada pelo pai vai morar na casa grande da fazenda. Ao contrário de ontem o dia amanheceu nublado.
Dois cães pajeavam uma cadela no cio. O castanho dar um tempo e o preto mais afoito aproveita para monta-la e depois de várias tentativas não conseguiu copular até a volta do castanho. triste e com o rabo entre as pernas foram embora. Cabeludinho de cabelo cortado com uma enorme sombrinha resmunga amuado e a mãezinha com a barrigona o acompanha silenciosamente a caminho do jardim. Eles voltam, desta vez somente os dois o Castanho e cadelinha mansa, que também desisti depois de muito insisti e nada.
Pronta a gradinha da sobrinha de Seu Zé Marquez. Um gatinho espantado sai alvoraçado do beco, para e olha para os lados e volta. Uma sujesta bem dada de um cidadão que afoitamente perguntou o preço das grades de basculantes expostas na calçada, olhava seriamente para elas, e já via recebendo a cédula de cem reais. Mas ledo engano, estava fazendo hora da minha cara.
Como todas as manhãs fui apanhar o café na casa de Gordinho que estava deitado no sofá assistindo televisão. Levantou com cara de poucos amigos, apanhou o copo através da grade da janela e desapareceu, retornando com ele cheio e um pão. Agradeci e voltei para oficina
- Bonjour, monsieur! - saúdo o Seu Urumajó, um catador de lixo que fica feliz por tê-lo ensinado a saudar as pessoas em francês. Ele estaciona o carro de mão cheio de quinquilharia que vai vender no ferro-velho e se aproxima.
- Bonjou mussié! - replica todo satisfeito, noto a alegria nos seus olhos. - O senhor é um grande, mon ami - ensinar eu um humilde lutador, agradeço muito a sua atenção.
- De rien, monsieur - ele vira o ouvido para ouvir melhor tenta repetir - Au revor, mon ami.
- U revuar mo ami - repete pegando nos braço pesado carro de mão
Fico de agua na boca e os olhos rasos d'agua quando vejo um documentário sobre os lugares que nunca vou visitar.
Cheguei a sabia conclusão que não foi a bebida que fudeu o meu combalido estomago, mas o excesso das Zilapinas e Ritalinas, misturadas com cervejas, vodka e cachaça. Semana passada pelei uma porca, três dias arriados, fraco, sem força - meu Deus pensei que iria morrer - mais uma vez a escrita me libertou e aqui estou ainda no estaleiro tentando me recuperar.
Vila Embratel, 2018