preternatural
este velho hábito de me esquecer de te esquecer
de me perder nas sombras da mente
cair dentro de mim
aos tombos
com a destreza nova de uma armadilha antiga
cair desenganada
cair no desconhecido
no infinito do nunca
do nunca que não se agarra
e, que não se pode ter
olhar a distância
desvirtuando a consciência
sentir a ausência sem tempo
em meus descompassos passos
e, querer...
...esquecer um passado cuja persistência estimula
o desenterrar da memória que perdura
e se esquece de te esquecer.
Falo de coisas simples
FALO DE COISAS SIMPLES
Minha memória é livre
Recordar depende dela não de mim
E é nesta liberdade
Que despertam recordações sem fim.
Surgem sempre trazendo saudade
Repetem-se sem aviso,
até à exaustão.
E sempre que é preciso
Surge lembrança que parecia enterrada,
na raiva dum grito, calada.
E é maior a solidão!
Um rumor já ouvido
Um odor já respirado
E nem o coração ouve o pedido
Do meu espírito cansado.
Trepa o sol pela parede
Sonho eu com a idade dourada
Assim mato minha sede
A dormir ou acordada.
Falo de coisas simples...
Das aves que sempre regressam do mar
Trago os olhos cheios de poesia
E nesta noite escura sem luar!?
Ergo a voz a um novo dia.
Falo das rãs que coaxam canções de amor
Dos pássaros soltando trinados
E se a lembrança me causa dor?!
Ficam meus sonhos desarvorados.
Vivo ao sabor da corrente
Já não me imponho à maré
Nascida dum pobre ventre
Dele mesmo trouxe fé.
Sou flor da maresia
Meu nome é rosmaninho
Cresço de noite e de dia
Meu destino é este caminho.
rosafogo
este poema não existe
este poema não existe
nem sabe o que lhe calhará por sorte
mas insiste, numas palavras mais
pode até falar de morte,
ou dos sonhos que iluminam
o quarto, se me achar ignorante
deixo-o a falar sozinho
e parto...
sussurra-me ao ouvido
que é fugaz minha inspiração
que sou ave extraviada, mal amada,
e é capaz de ter razão!
agora, o poema ferve-me na memória
é grito que me chama do vazio
é lágrima seca sem história,
é vida em escassas linhas
desejos, e saudades tão minhas,
poema que ninguém sabe da existência
poema que é toda a minha essência.
natalia nuno
rosafogo
o peso dos dias...
o tempo vai tecendo suas teias
suga-me a memória e as ideias,
fico descuidada e só
girando nas lembranças
vêm a mim imagens ditosas
e desato mais um nó.
passa a brisa do salgueiro
o riso do amanhecer, o rio a correr
e tudo o que amanhece vive em mim
belo, assim, da vida para a vida.
meus olhos são bagos maduros
trago neles o peso dos dias
e o desassossego dum silêncio
ensurdecedor, no coração
o fogo retido dum grande amor.
afundo o olhar, para querer decifrar
o que ainda me sustém,
se o tempo sem memória
ou, o que ainda à memória me vem.
natalia nuno
ao olhar para trás...
já confusa fica a memória
não há esperança que a salve
vai-se apagando sem dar conta
e mais uns dias vividos
já a vida vai a uma ponta
esta é a realidade,
ao olhar para trás
surge a saudade.
foi-se o calor dos sonhos
a impetuosa fantasia
tão própria da idade
sabendo que a vida aí
- é tão nossa!
quanta saudade
de tudo o tempo se apossa.
hoje parece que esse tempo
não me pertenceu
a noite já não é surpresa no meu
rosto
sombras desvanecidas
asas caídas
no olhar o sol posto.
natalia nuno
rosafogo
ruas da memória
as ruas da minha memória
eram de terra batida, chovia
ainda recordo o cheiro a terra
desse tempo de nostalgia
tudo incrivelmente distante
brincávamos na rua
vivíamos sem medo
a aldeia era minha e tua
e a amizade o segredo,
banhávamo-nos no rio
para aguentar o calor de verão
e no inverno à lareira vencia-se o frio
café ao lume, fatia de pão
na mão...
ouvia-se o vento
enquanto a tempestade passava
e com Deus no pensamento
pedia-se em oração
e a tempestade amainava.
tudo era simples assim
o pai tratava da horta
e a mãe dos filhos e do jardim.
havia fotos penduradas
na parede
antepassados que não conhecia
olhava-os dia após dia
«dali ninguém os arrede
que à avó são familiares
tios, avós, pais, e netos
ali nas fotos aos pares»
tempos de poucos afectos
de reprimidas emoções
de sufocados desejos
também de desilusões
alimentando-se ansejos
mas recordar me alimenta
guardo sempre esta vontade
e nesta manhã cinzenta
de silêncio vazia, chega a mim
a nostalgia
tudo lembro com saudade.
natalia nuno
rosafogo
Lágrima serena
Seguro nas mãos a memória moribunda
De asas lindas no horizonte arriscado
E lá ao fundo uma palavra vagabunda
Junto ao azul um laivo de sangue derramado
E o teu nome, num por de sol violento
Fundeando meus versos num amor morto
Escurecendo o azul, tornando-o cinzento
Seguindo o seu voo, num voar absorto
Beijando a estima num abraço profundo
Deixo-a partir num sonho, ou numa pena
Pois tu, amor, já foste todo o meu mundo
Agora és natureza, obra d’arte algo obscena
Sucumbindo num minuto, talvez num segundo
Ao som de um suspiro de uma lágrima serena
“Quem sabe... amanhã” - Soneto
“Quem sabe... amanhã” -Soneto
Às vezes penso, nasci na contramão da vida
Quando o desencontro abissal toma minha razão
Meu invólucro, expõe esse deserto sem guarida
E na memória dos meus olhos, tanta explosão
Explosão de sentimentos, quase uma vibração
Memória de momentos estéreis, jamais vividos
Estático, meu corpo permanece, ante a visão
De provar um futuro, agora talvez permitido
Nesse ciclo diário, maçante que vai e vem
Quase nem percebo, tão apressada e alheia
No fio da navalha, a envolver-me essa teia
Momentos intermináveis de viagem ao alem
De dentro de mim, renasce sempre um querer
Renovação do ciclo, que insiste em não morrer.
Glória Salles
Reminiscências
Há um pulsar a contratempo na reminiscência do marulhar
Abrupta a onda das memórias enaltecidas em rebentação
De cada vez que o homem se embrenha no lodo da desilusão
Há um paradigma, padrão dos descobrimentos, um imenso mar
Tamanha é a simbologia desta força, um remar contra a inércia
Um oceano de aventuras, o desbravar de novos horizontes
Novas culturas, suas gentes, seus idiomas, suas fontes
Tudo o que um olhar cativo seduz, implora e denuncia
Faz-se a montante o devir ecuménico de um fado
A esperança por dobrar, morte em forma de naufrágio
Em terra o choro, cumpriu-se o sonho imaculado
Corre a jusante o refluxo de outras eras, outras glórias
Naus de uma história, Nação dilecta, heróis do mar
Caravelas, a marca de um povo coroado de vitórias
Maria Fernanda Reis Esteves
50 anos
natural: Setúbal
"Não me Digam que Não Falei" do 25 de Abril
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"Não me Digam que Não Falei" do 25 de Abril
foi ainda ontem
nesse ontem que já não existe
que um passado vago esmaeceu até ao nada
esvaziando em diluição simultânea
todos os sonhos que quase foram realidade...
o sangue arterial..., dela !,
em vermelho e verde ... escorria
como um manto gritante
onde a flor de laranjeira se agitava
em busca da vida que, tristemente, lhe escapava ...
e ... ainda... assim ...
o monumento onde ecoava a insana risada
via-a sentada , perfumada de laranjas ,
com um cravo vermelho na lapela da alma
agora, também ela, ó ironia!,censurada !
e que queixa jovem a poetisa reclamava ?
"um espelho e um canivete" ?
mátria podia ser o nome daquela revolução
em tempo de - acabaram-se os panfletos !
mas quem conhecia melhor do que ela
o poder da palavra portuguesa ?
quem sabia melhor do que ela
espelhar toda a geografia literária
desta terra lusa ?
ai ! ...
foi ... ainda ... ontem
que a morte transbordou e vazou
para o dia de hoje
seja lá como for
ó terra leva para qualquer flor
o perfume dos corações despedaçados
(enquanto o tempo espera pela grandiosa
colecção de emoções que se revoltarão ...)
Luíz Sommerville Junior, 26042014,21:56
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