Falo de coisas simples
FALO DE COISAS SIMPLES
Minha memória é livre
Recordar depende dela não de mim
E é nesta liberdade
Que despertam recordações sem fim.
Surgem sempre trazendo saudade
Repetem-se sem aviso,
até à exaustão.
E sempre que é preciso
Surge lembrança que parecia enterrada,
na raiva dum grito, calada.
E é maior a solidão!
Um rumor já ouvido
Um odor já respirado
E nem o coração ouve o pedido
Do meu espírito cansado.
Trepa o sol pela parede
Sonho eu com a idade dourada
Assim mato minha sede
A dormir ou acordada.
Falo de coisas simples...
Das aves que sempre regressam do mar
Trago os olhos cheios de poesia
E nesta noite escura sem luar!?
Ergo a voz a um novo dia.
Falo das rãs que coaxam canções de amor
Dos pássaros soltando trinados
E se a lembrança me causa dor?!
Ficam meus sonhos desarvorados.
Vivo ao sabor da corrente
Já não me imponho à maré
Nascida dum pobre ventre
Dele mesmo trouxe fé.
Sou flor da maresia
Meu nome é rosmaninho
Cresço de noite e de dia
Meu destino é este caminho.
rosafogo
Há-de restar uma centelha viva
HÁ-DE RESTAR UMA CENTELHA VIVA!
Falo dum sonho que é lenha p'ra me aquecer
Falo dum tempo que se está a escapar
Falo da memória que mantém vivo meu querer
E falo do meu querer que é lume a crepitar.
Há-de restar uma centelha viva!
E na lembrança aquela última vez
Por mais que a Vida se faça altiva?!
Eu não me humilho e mostro altivez.
Em meu peito trago ainda vontade
Trago saudade,o sonho dentro de mim.
Trago inquietude, quero a paz alcançar,
e não deixo meu ânimo abalar.
Quero ir assim até ao fim!
Levanto-me abandono meus dias vãos
Traço o presente com minhas mãos!
Dentro de mim há-de atinar aquilo que é
o futuro... presente que há-de vir?
- Quero sentir,
uma parcela de felicidade
Quero ser brasa ateada, não carvão!?
Adormecer docemente a saudade
E deixar falar alto meu coração.
rosafogo
Lágrima serena
Seguro nas mãos a memória moribunda
De asas lindas no horizonte arriscado
E lá ao fundo uma palavra vagabunda
Junto ao azul um laivo de sangue derramado
E o teu nome, num por de sol violento
Fundeando meus versos num amor morto
Escurecendo o azul, tornando-o cinzento
Seguindo o seu voo, num voar absorto
Beijando a estima num abraço profundo
Deixo-a partir num sonho, ou numa pena
Pois tu, amor, já foste todo o meu mundo
Agora és natureza, obra d’arte algo obscena
Sucumbindo num minuto, talvez num segundo
Ao som de um suspiro de uma lágrima serena
Por entre os dedos
POR ENTRE OS DEDOS
Volto teimosamente ao passado
Deixo-me entre os olivais
e a vinha
Neste amor sempre arrebatado
de suspiros e de ais
E de saudade que é minha.
Piso uvas no lagar
Escuto do sino as badaladas
São seis horas há que rezar
O terço com mãos encardidas e descarnadas.
Que importa se nada esqueço!?
Nem a foice nem a enxada
À seara de trigo regresso
Vejo-a ao vento agitada.
Há-de à memória chegar-me
Voz d'outros ventos segredar-me
Que tudo já teve um fim
Prefiro que não me digam nada
Que tenho o pavor em mim
Da lucidez desafinada.
Mas choro, choro porque sou sobrevivente
E recordação tudo o mais...
Da minha terra da minha gente?!
Só a lembrança, eles partiram
E já partiram meus pais.
Já não vejo outra saída
A vida por entre os dedos, desnorteada!
Só não sei p'ra quando a despedida
Prefiro que não me digam nada.
rosafogo
Irrequieta memória
IRREQUIETA MEMÓRIA
Qual pedra que vem destroçar
O vidro da minha janela
É relampago p'ra me atentar
Vivemos na mesma pégada, eu e ela.
Lembra-me o que quero esquecer
Faz esquecer o que quero lembrar
Se me ausento sem querer
Do meu silêncio me quer arrastar.
Trepando as muralhas da nostalgia
Logo me desarruma o pensamento
Me deixa triste, só, vazia
E a inquietação se faz tormento.
Me tira o sono quando me deito
Às vezes até me fere a alma
Deixa os olhos marejados a dor no peito
Mas quando amigas ela me acalma.
Memória cheia de ruas
Onde sempre me procuro
Grito aos quatro ventos às luas
Quando não me deixa no escuro.
Trazes-me do rio o murmurar
E cada beco da aldeia
Nas àguas doces, lá estou a mergulhar
E a remergulhar, volta e meia!
Dizes-me coisas ao ouvido
Que nem me atrevo a escrevê-las
Desse nosso mundo já perdido
Mas que não quero esquecê-las.
Quero pedir que não me mintas
Agarra-me bem sempre à verdade
E quando a morrer te sintas!?
Memória!? Choremos as duas antes...a saudade.
rosafogo
Tudo Azul ao Norte
Tudo Azul ao Norte
by Betha Mendonça
Passou a tempestade. Calmo o norte.
Serenidade e ócio no céu sem nuvens,
Mar tépido, sem vagas de ferir a pele,
Banheira de espumas ao final da tarde,
Em sais de verão a temperar o sol.
Guardo as sensações desse momento:
Maresia a impregnar a memória olfativa,
Arrepio nos poros ao despudor dos ventos,
E na retina o azul encontro d'água e céu.
Ah! Nada sul: tudo azul ao norte.
Memória Afetiva
Memória Afetiva
by Betha M. Costa
Já não me recordo quando,
Eu comecei a te esquecer,
Se na asa do vento brando,
Num frio céu do amanhecer,
Ou nas tuas mãos abanando,
Num grande e feio entardecer...
Essas mãos fartas de gestos,
Hoje não tecem carinhos
Entre meus cantos secretos,
Nem os dedos fazem ninhos,
Nem laços e fios de afetos,
De linhos em torvelinhos.
Sem uma marca na ponta,
O fio da meada se perdeu,
Não fui uma Ariadne de monta,
Nem tu foste bom Teseu...
Eu não passo de uma tonta,
Que de esquecer, se esqueceu...
**Ariadne e Teseu - relativo a mitologia grega.
O SOM DO AMOR (Silêncio, minha mãe está sorrindo)
O som do amor
Elen de Moraes Kochman
Silêncio!
Minha mãe está sorrindo.
Som celestial!
Coro de vozes de arcanjos
derrama melodia
sobre seu sorriso lindo,
vivifica
a divina paz do seu semblante,
com a ternura usual
do seu olhar de anjo.
Que nenhum ruído abafe
esse som contagiante;
que sofrimento não turve
no seu rosto, a alegria;
que nuvens não encubram
esse seu deslumbramento
de aconchegar-se à vida,
com sublime maestria.
Silêncio!
Minha mãe está sorrindo,
sem temores,
para um amanhã incerto.
Esperança,
nesse tímido sorriso aberto
é a mola que a encoraja a viver,
transpor limites,
e entre nós permanecer.
Nesse enfrentamento,
dissabores são detalhes
esquecidos, certamente,
pelas esquinas do tempo.
Rugas, no seu rosto,
são primorosos entalhes
esculpidos, suavemente,
por sábio envelhecimento.
Silêncio!
Minha mãe está sorrindo,
placidamente,
para os meus sombrios medos...
Lágrimas que brotam
nos meus olhos,
por suas mãos enxugadas,
amorosamente,
quando em seu colo
reencontro meu abrigo,
trazem cheiro de infância,
num eco saudosista.
Deposito, confiante,
em seus braços, minha fadiga.
Removo os meus escolhos
e descanso...
no santuário do seu regaço de amiga.
Silêncio!
Minha mãe está dormindo!
18/01/1919 - 21/02/2016
Emoções profundas
EMOÇÕES PROFUNDAS
A minha memória tem um longo caminho
Nela vagueio entre o presente e o passado
Com pés de veludo me desloco com jeitinho
Às primaveras, estios e outonos com cuidado.
E com os pés perdidos à distância a criança a assomar
Sempre descubro mel real que me dá felicidade
Tudo está por perto com a memória a ajudar
E o que fica depois do tempo é a saudade.
E até as coisas que pareciam esquecidas!?
Se revelam ainda que às vezes já furtivamente
Mas logo a recordação se aviva, não as querendo perdidas
E revivem-se de novo agora profundamente.
Estas lembranças se apoderam de mim e me enebriam
E a minha poesia surge como um vendaval volta e meia
São como estrelas d'alva que me alumiam
Ou água potável que se bebe à ceia.
Trazem do pão o aroma fresco e forte
A cada manhã, rente ao portão
E são como benção que recebo com sorte
Harmonia entre a memória e o coração.
rosafogo
Lembro
LEMBRO
Tudo na minha memória
Onde o Outono já gasta os dias
Lembro as tardes de chuva.Sombrias!?
Também as nuvens do teu Céu!
Tudo lembro, quando o teu sol era o meu.
Agora que o tempo cansa!?
E o coração é como um velho soalho!
Só a memória ainda alcança
Tuas madrugadas de orvalho.
Tudo na minha memória
No tempo já um pouco perdida!
O crepitar do lume, o vagar das horas.
As gentes cansadas do duro da Vida!
Na memória vives, no meu coração moras!
Poesia dedicada à minha aldeia, saíu no jornal «O Almonda» na semana que passou.
rosafogo