Perduras
Muito perto da linha
que toca o horizonte
existes – tu –
Minha laranja madura
envolta em brumas
de lonjura
- erigida sobre o monte-
Meu pomo ácido
que me curas
Meu círculo tácito
que tanto fulguras
Meu cofre amado
Minha súmula
Não me pertences
mas para sempre
perduras…
Roca
Já não renasço
como outrora
em cada passagem do tempo
(adormeci o esquecimento)
Agora só remendo
os ciclos das estações
de mais um ano,
fio a fio,
na linha pobre e fraca
de cada entardecer
Já nem costuro
a tristeza às lágrimas,
nem bordo
o coração com ternuras
(tecido antigo da paixão passageira)
O ponto sem linha
foi colocado
nas cores que o fim merece
(beijo perdido no encanto que não há)
E eu sou pano cru
desbotado
de saudade
refugiada num mínimo dedal de amor
(um nó que evaporou no vazio)
E a minha sorte
fica na ponta da agulha
que fere
e sangra as agruras,
no balanço
da roca
que roda de dor.
Jesus
Vesti-Te do linho branco
que tem o dom da pureza
jamais pensei na tristeza
de Te renegar tanto
foi o medo, foi o medo
Ouvi o galo cantar
e o trote dos cavalos
e Teus olhos a chorar
e rejeitei o abalo
foi o medo, foi o medo
manchei minhas mãos
com os espinhos
que coloquei na Tua cabeça
choraram os pobrezinhos
Tua mãe sofreu de tristeza
Foi o medo, foi o medo
Coloquei-Te então na Cruz
preguei pregos com o martelo
apagou-se no céu a luz
trovejou em nós um flagelo
tive medo, tive tanto medo
PedisTe o perdão por nós
mesmo antes de morrer
a esperança
não ficou só
viesTe para nos defender
tive medo, tive tanto medo
RessuscitasTe ao terceiro dia
conforme diziam as escrituras
com Tuas mãos milagrosas
devolvendo a harmonia
e a fé
Obrigado Senhor, não tenho mais medo!
Marinheiro
Ergo em nuvens perfume a incenso
Escondido naquela solitária madeira
Do tal albergue prazenteiro na beira
Da praia dourada desse mar imenso
E lanço sinais na palavra verdadeira
Para teus olhos, mergulho suspenso
Num amor proibido, de odor intenso
Embriagante qual gesto a vida inteira
Inclino meus lábios em beijos morrentes
Para uma silhueta bailando nas ondas
Tão longe dos abraços que já não sentes
Miragem do marinheiro em luas redondas
Acenando o adeus em frases decrescentes
Veleiro da ausência na história que contas
Letras apenas
Sempre que me tocas com todas
as letras do teu olhar,
soltam-se estrelas-poemas
num céu por inventar
Sempre que acaricias com letras
os fios dos meus cabelos,
criam-se todas as lendas
em sonetos singelos
Sempre que afagas meus lábios
com letras de doce sabor,
nascem versos imaginários
elevando o nosso amor
Sempre que beijas a minha pele
com letras de puro encanto,
doa-se a frase que impele
as mentes ao espanto
Sempre que nos encontramos
nas letras do pensamento
aparece a poesia onde estamos
unidos em sol ternurento
Amo-te nas letras que escrevo
arrumadas em harmonia
onde estamos em relevo
por um caso de analogia
Quero dizer-te meu querido
com as letras do meu coração
que em cada verso diluído
emerge a nossa paixão
Acende-me
É esse olhar que me provoca
E me fascina, desatina o coração
Num segundo deixa-me louca
Noutro deixa-me em reflexão…
São as tuas palavras um desafio
Constante, maravilhoso e estimulante
Muitas das vezes (ai tantas!) arredio
Outras (não poucas) inebriante!
Só tu me viras do avesso
Absorves a minha tristeza
Com esse teu ar travesso
Sobressaltas a minha franqueza
Não quero que fiques sério
Quero a tua gargalhada
Conta-me histórias do teu Império
Como se eu não soubesse nada…
Dá-me o sabor da tua boca safada
Sente o céu que há na minha
E com a volúpia encontrada
Acende o fogo que se adivinha!
Mutismo seletivo
Mutismo seletivo
Mordo este mutismo seletivo de frases inacabadas
nas palmas das minhas mãos
e com cuidado, separo o grito aflito da navalha
acobardada
cortando cada pedaço de cicatriz cravada na solidão
sangram-me os verbos, doem-me as penas,
falta-me o hálito segredado
e fustiga-me esta ternura insone que me agrilhoa o pensamento
desbrava-me
silente
num desencantamento que me invade
mas tu vens, chegas de mansinho num poema,
desces os degraus do viço e enlaças-me
num abraço
inspiro ferozmente a amargura das lágrimas
e sobre as pedras, já gastas, de tão puídas
pelos meus pés,
coloco a missiva dentro da lâmpada
aguardando-te, Aladim na minha previsão,
que passes a tua mão no desejo
e descortines, de vez, a presença do sol
que tão bem conheço nas veias
num tartamudeado rubor
quando a frescura da primavera se levanta,
escondida há tanto tempo nas atípicas monções,
na missão cumprida em meu louvor
sinto-te sobreiro profícuo no teu versejar
atónito, nas sílabas saborosas das folhas
e até na cortiça dos lábios suaves…
magia da lavoura das letras que me fazem
curar o sonho de “Bela Adormecida”
ao picar o dedo na roca da paixão desmedida
sou a terra das frases
o barro das palavras, o húmus das raízes
o sol abrasador ou a chuva de gotas felizes
caindo mudas nas metáforas que digo
que dizes!
Promessa de outono
Combinemos o preâmbulo, pouco ético, entre a chuva e a terra molhada deste outono. Na verdade, todo ele será poético, uma vez que se sente o aroma das madressilvas impregnado do hálito de Pã, enquanto Chronos converte o tempo em fénix renascida. Sabemos que, enquanto houver uma romã, os lábios serão o alvo frágil do mosto proposto por Baco. E que as uvas amadurecem a inquietação no sangue, e os trovões obrigam o céu a relampejar incessantemente perante as letras do nosso dicionário. Tudo o que observamos tem a forma de uma castanha ainda refugiada no seu ouriço, com o receio do contágio das gotículas que caem nas folhas abertas às cores do arco-íris. Também elas caem agora, perante as propostas indecentes de Éolo, murmurando a ladainha do vento que arrepia a alma, trazendo consigo o mesmo olhar e o presságio do doce de abóbora que combate as desilusões espalhadas pelo chão. O único consolo são as vidraças da janela, de olhos marejados pela chuva e encantados com o arrulho das pombas no fio dos telefones, apesar do pranto dos céus. Na certeza, porém, de que o Oráculo da natureza será preservado enquanto as minhas mãos puderem escrever uma única palavra de apreço ao prazer de beber um chocolate quente. Não existe caudal mais lindo e puro do que esse preâmbulo aberto às palavras de um poema por nascer…uma promessa!
Promessas
Raiam promessas nas paredes brancas
e esta incompletude da casa cercada
de tanto crepúsculo, a sede encerrada
qual casulo de palavras vagas, francas
bamboleando a cortina à janela sonhada
num conto intenso pelo vagar das ancas
fechando vontades com todas as trancas
perecíveis num gesto de ternura adiada
e o teto abrindo a clarabóia ao luar
de dentro o melhor surgindo por magia
como chaminé erguida para respirar
divisões concertadas em todo e cada dia
num pouco de céu, num cheiro de mar
à benesse da mudança, à doce empatia
A noiva
Naquele tempo havia o ébano contraste
com a colcha branca da manhã
e um terno sorriso nos olhos luzentes,
enquanto as faces rosadas eram a dádiva
ofertada a meia voz
(com o silêncio que o bom dia despertava)
e o único quadro sobre a cama emergia
envergonhado ainda pela noite virgem
desflorada a pano cru e flor-de-laranjeira
e erguia-se o véu na cadeira já gasta,
coroando a graça
de ser (tua) mulher!