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SONETO COMENTADO (CAMÕES)

 


Soneto.

Eu cantarei de amor tão docemente,
por uns termos em si tão concertados,
que dous mil acidentes namorados
faça sentir ao peito que não sente.

Farei que amor a todos avivente,
pintando mil segredos delicados,
brandas iras, suspiros magoados,
temerosa ousadia e pena ausente.

Também, Senhora, do desprezo honesto
de vossa vista branda e rigorosa,
contentar me hei dizendo a menos parte.

Porém, para cantar de vosso gesto
a composição alta e milagrosa,
aqui falta saber, engenho e arte.

Luis de Camões



Primeiro, eu deveria citar a biografia do Autor, deveria, não o faço, porque a meu ver, a biografia imposta numa interpretação restringe o sentido da obra como sendo apenas um contexto subjetivo do próprio Autor. E, a poesia é mais que isso, é um infinito quase inexplorável de múltiplas emoções e sensações da própria Alma, seja de quem escreve, ou de quem lê.
Camões é a meu ver um dos maiores sonetistas de todos os tempos, prova disso; é que, depois de mais de 430 anos do seu falecimento, sua obra é motivo de análise e estudo em todos os cantos do mundo, seus sonetos são eternos. (Bocage, Antero de Quental, Camões, são a tríade mais alta de sonetistas lusitanos).

O que exponho aqui é a minha mera observação, pois que me falta sabedoria para aprofundar tal analogia, sigo tão somente a intuição da Alma e a bússola da sensibilidade.

No campo da estética, o soneto é escrito em versos DECASSÍLABOS CLÁSSICOS (10 sílabas poéticas) com versos HERÓICOS (com acento nas 6ª e 8ª silabas), e com versos SÁFICOS (com cesuras na 4ª, 6ª e 8ª silabas).
É escrito em rimas regulares no esquema INTERPOLAR (A, BB, A)

Na primeira estrofe, o EU lírico (voz que canta no poema), se propõe a louvar o amor de uma forma sublime e alta, num concerto harmonioso que mesmo aqueles que nada sentem possam sentir esse amor.
Ainda na segunda estrofe, reforça seu raciocínio, promete aviventar a todos com sua poesia amorosa, e numa engenhosa citação de termos, define como fará isso, ou seja, define o próprio Amor, segredos delicados, brandas iras, (esses termos podem sugerir o ciúme que se faz presente num amor, pois quem ama sente ciúmes) temerosa ousadia (quando se ama, mesmo sem coragem ousamos, lutamos, arriscamos em nome do amor) pena ausente (refere-se à saudade sempre presente no amor, quem sente amor, sente saudade).
No penúltimo terceto, inclui uma pessoa por Ele desejada, ou seja, razão do seu amor, o termo SENHORA DO DESPREZO HONESTO, sugere uma moça de recato, compostura, que possivelmente não queira se entregar à realização desse amor,
E ainda teria um olhar brando, porém rigoroso, que reforça a idéia de Amor platônico.
O EU lírico se diz satisfeito em cantar a parte que menos lhe interessa, ou seja, a parte que os olhos vêem (o rosto), isso fica claro
No último terceto no termo, GESTO.
Porém nos dois últimos versos ele se diz incapaz de expor tal beleza, mesmo que seja a parte menos importante, Ele afirma não ter
Talento suficiente para realizar tal milagre.

Em termos mais simples, Camões propõe louvar o amor e mostrar em seus versos o que realmente sente por sua amada, e julga ser um amor tão forte capaz de mudar até quem não está amando, No entanto não consegue definir em versos o que se passa no seu interior, então se diz contentado em mostrar ao mundo a beleza da moça, ou seja, a parte visível aos olhos, outra vez se diz incapaz de tal feito, o que passa a idéia da sua amada ser de uma beleza intraduzível.

É um soneto perfeito que reuni estética e metalinguagem, num raciocínio que resume como foi toda a obra de Camões, que nos seus sonetos não cansou de louvar o AMOR.

E.A.S ED SILVA SP 16-11-2010

 
Autor
poetaedsilva
 
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