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Sofia avessa à crise hídrica

 



Caminhando pelo jardim, finalmente Sofia chegou às margens do lago. Num impulso, atirou nas águas as pérolas que usava. Viu bem quando bandos de andorinhas e pardais mergulharam para disputar cada uma das contas. Passou a jogar outras joias que trazia. Cada um dos novecentos olhos das moscas sentadas nos galhos da vegetação ao redor brilhou, antevendo o glacê derretido sobre o bolo. Lentamente os pintainhos deixam os ninhos onde eram protegidos e alimentados. Procuraram nas flores o alimento não mais podendo refugiarem-se no seio das mães, quando deitavam no tapete de flores após brincarem até cansar.
“ - Jamais viverei as aventuras passadas. Não posso respirar estrelas nem lavar o rosto nas águas que já rolaram, mesmo que meus desejos sejam mais do que fumaça. Desde criança ouço falar que nas asas da Panam flutuam mundos palpitantes. Acho que é por isso que meu coração agora cresce como som da orquestra executando o segundo movimento em alegro da ária de Fígaro “, disse em voz alta, alegrando a ambiente com o melodioso timbre de sua voz, mesmo em falsete e semitonada. .
Mas a porta deve estar aberta para que alguém possa entrar. Inútil é parar por instantes defronte à ela, admirando as dobradiças e aldravas. Então, sejam bem vidas todas as moscas que disputam pérolas . Sofia bem sabia disso. Sabia também que presentear a rainha de copas sempre será o desejo de cada uma delas, angariando caricias por todos os lugares onde passam. Não se conteve. Quase num grito surdo e seco, exclamou:
“ - Esse sentimento se alastra, toma a alma. Mas não é um fato acidental. Aqui poderei chorar sem que borre a maquiagem. Caprichei na sombra e não quero desperdiçar.” Nesse ponto, a voz da jovem soava algo fria, como que distante, mesmo abandonado, tal como paisagem de floresta tropical depois da exploração agrícola semi intensiva com áreas de pastoreio integrado.
Aquilo era a expressão da mais pura verdade. e Sofia, mesmo tendo tantas contas para pagar se curvava à realidade. Não poderia se furtar ao fato de que um rio carrega rolos de água, não leva leite condensado, nem fluxos de pura luz extraída das escalas de energia. Como serpente rastejando corta a cidade varrendo as silhuetas dos passantes refletidas no espelho. Agora, surgia como fino pincel rompendo a linha curva da sobrancelha. O pior era que o traço de rímel iria ficar fantasmagoricamente preto, contrastando à luz solar e névoa das charnecas escocesas frequentadas pelo cão do demônio, rugindo de sono no frio deste inverno letal. Não pôde deixar de refletir com seus botões: “- Talvez, hoje vá visitar aquele museu onde ficam os bonecos de cera das pessoas famosas. A cera olha para cima e sorri com mais facilidade que as pedras aleatoriamente jogadas nas cruzes de mármore da lápides seculares.”
Aquele, diriam alguns, seria apenas um bichinho de estimação de Lord Baskerville, usando fato de linho acariciando o verão. Não mais que isso. Pois bem. Nem o monstro do lago Ness teria imaginado essa situação. Mas, recapitulando, temos ainda que quando as plantas fantasmagóricas do pântano rompem a linha de rímel dos olhos pretos, a nevoa se vai e o sol surge na charneca possibilitando que o cão saia a passear com seu dono observados de longe pela fera do lago Ness. Ou sem ela, aos murmúrios abafados. Se bem que ninguém carrega sozinho a sacolinha para recolher dejetos do cão ou do monstro. Obrigatória por lei em alguns lugares. Em outros, nem tanto. Foi reticente, mas nem tanto insegura que ponderou taciturna uma Sofia agora transtornada com tantas denuncias de corrupção :
“- Não vou chorar agora. Sei que minhas lágrimas podem parecer aljôfar em pétalas de rosas brancas quando estou pálida, mas a vida não vai parar somente por que eu perdi o ônibus. É a inversão térmica. Sabia que na fase crescente da lua, a fumaça dos escapamentos ascende por estar mais leve que o ar.
Não muito longe, ficou bem claro que existiam outros lagos e outras portas. Com ou sem cães, aldravas e monstros. Por isso, as almas foram para outro lugar, ocupando os picos das altas montanhas, no caminho de esmeraldas. O esforço é dobrado, mas de tempo em tempo, a distância pode ser reavaliada pelo rebanho de pombas em voo curto sobre o pais. Ouçam... ouçam bem a triste canção, tantas notas perdidas quando as flores lamentam os ramos verdes deixados para trás durante o grande incêndio. Vibrando como fios de sede recém saídos do casulo. Fabricados por uma lagarta operária diligente e capaz. Pensando bem, entre os milhões de raios do sol, um deles apenas pode derreter o sorvete durante o voo. E seria como todos pensavam, A seca não era tão penosa quando o volume da barragem estava normal. Sofia arrematou com esperanças de dirigente de estatal investigada por comissão parlamentar:
“ A maior sede só acontece quando não há reserva de líquido nos arenitos. O basalto e os gnaisses não acumulam água assim como os chuchus. Mas isso todo mundo sabe.”

 
Autor
FilamposKanoziro
 
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