Contos : 

Amor Doentio

 
Tags:  amor    desejo    buquê    doentio    lacônico  
 
Ele a seguia. Rastejava atrás dela, mas ela sequer sabia da sua existência.
A vira apenas uma vez, na sala de xerox.
Sabia que nunca teria uma chance com ela, mas mesmo assim, a queria.
Seu desejo era doentio.
Seu olhar, lacônico.
Nunca se atrevera a dirigir uma só palavra à ela.
Uma vez, apenas uma vez, esbarraram-se na saída do elevador.
Ele quase enlouqueceu. Sentiu o cabelo dela passando na sua roupa e o cheiro do perfume. Inebriante.
Juntou dinheiro suficiente até comprar um computador, uma impressora e uma máquina
digital. Não precisava de mais nada.
Tirava fotos dela, escondido. Imprimia e colava na parede.
Ela era linda. Traços suaves. Doce...nenhuma mulher era como ela.
Estava obcecado. Era totalmente dependente da existência dela.
Enquanto ela existisse no mundo, tudo estaria sempre azul, mesmo sob a pior das tempestades.
Não podia tocá-la, e ao mesmo tempo era tudo o que mais queria.
Um olhar, um aceno, um segundo de atenção.
Por meses ficou assim. Estava adoecendo.
Quando ela viajava a trabalho, ele tinha febre. Não conseguia terminar seus trabalhos.
Chamavam sua atenção.
Não o despediam porque tinham pena. Pena!
Odiava essa palavra: pena!
Não queria que ninguém, absolutamente ninguém tivesse pena dele. Ele era feliz sendo
assim, disforme, descaracterizado como um ser humano, mas apenas e tão somente porque ela existia. O ar que ela respirava, em um mundo tão grande, já bastava. Era o mesmo ar que ele sorvia, então era maravilhoso!
Sonhava com ela. Sonhava com os dois juntos, em perfeita harmonia.
Imaginava as mãos dela, macias, acariciando seus cabelos. Chegou uma noite a sonhar com ela, envolta em lençóis, o chamando. Quando acordou do sonho, urrou de desgosto.
Pelo menos em sonho, poderia tê-la, mas nem isso.
Um dia, ela chegou mais linda do que nunca ao trabalho. Seu rosto tinha uma expressão
diferente, seu sorriso estava mais aberto. Seus dentes... ele os adorava.
Então, reparou que ela mostrava a todos os colegas de trabalho, um anel na mão direita.
Ninguém o percebia, sequer falavam com ele. Era era apenas o "torto". Fazia xerox's. Nada mais, nada menos.
Ouviu um comentário, um rumor. Duas mulheres, que trabalhavam na empresa, conversavam esperando o elevador.
_ Você viu que lindo o anel da Sofia?
_ Nossa, claro que eu vi! Você já viu o noivo dela? Um homenzarrão! Nossa, só de
pensar fico com calor... êta mulher de sorte! Encontrou o cara na viagem que fez pra
Milão, você acredita?
_ Foi mesmo? Nossa, disso eu não sabia! Que sortuda!
Noivo?! Então era isso.. ela ficara noiva. Havia um homem. Um homem de verdade, que a tocava, que a beijava, que acariciava seus cabelos, que a abraçava, que a....NÃO! Não podia aguentar isso, isso não!
Um aperto no peito, um sufoco no coração. Ela não era mais só dos seus sonhos. Ela agora era a mulher dos sonhos de outro.
O que faria?! Era até patético pensar no que faria. O que ele poderia fazer? Atirar-se do viaduto? Enforcar-se? Envenenar-se?
Melhor passar a vida sabendo que ela era de outro, mas ainda coabitava do mesmo mundo que o dele, do que partir e passar a eternidade sem ela.
O tempo foi passando. Seu amor secreto aumentava a cada dia.
Já não suportava mais. Precisava demonstrar que a amava, pelo menos uma vez.
Comprou um buquê de flores, simples.
Chegou ao trabalho com uma sacola nas mãos; não queria que ninguém visse as flores, mas não deu sorte.
Ao seu lado, parou o Alberto. Todos sabiam que nada escapava do humor negro de Alberto e ele bem sabia disso. Várias e várias vezes, Alberto escarnecera dele, diante dos outros. Debochava da sua deficiência.
Tentou disfarçar, mas o cheiro das flores era marcante.
_ O que você tem aí, "Torto"? Flores?
Ele não respondeu.
_ Vai dar flores? Ha! Quem iria querer receber flores de você, cara? Só serviriam para
enterro, fala sério! Deixa eu ver isso aí, vai...
Alberto tentou tirar a sacola das mãos dele, mas ele resistiu.
_ Não, não, por favor, não faz isso!
Não notaram quem chegava.
Sofia assistia a tudo, de longe. Estava revoltada com Alberto há tempos. Não gostava do seu jeito de ser e de agir.
_ Alberto! Deixe o pobre homem em paz!
Aquela voz...! Música aos seus ouvidos! Era ela... seu coração quase pulou para fora.
Olhou de lado e a viu mais de perto do que nunca. A sua musa. A deusa. A diva. Sua razão de viver.
_ Sofia, eu estava apenas brincando... - se justifica Alberto.
_ Sei bem como são suas brincadeiras. Deixa ele em paz!
Chateado por ter sido chamado atenção na frente do "torto", Alberto se sentiu diminuído.
Ela finalmente falou com ele.
_ Pode ir.
_ Eu... - suas mãos tremiam.
_ O que foi?
_ Isso aqui é pra senhora.
Com seus dedos tortos, ele retirou de dentro da sacola o buquê de girassóis. Estavam meio murchos, mas ainda era um buquê.
_ Pra mim? Por que?
_ Porque a senhora é boa. Tem um bom coração.
Os olhos de Sofia se encheram de lágrimas. Todos sabiam como era sensível e como seu coração parecia ser feito de manteiga derretida.
Ela pegou o buquê.
_ Obrigada.
_ Não tem de que.
É claro, ele não podia esperar mais do que um "obrigada". Um abraço? Um beijo no rosto? Uma carícia? Claro que não.. e não recebeu mesmo, mas o fato do seu buquê ter sido aceito e estar nas mãos dela significava muito.
Daquele dia em diante, entendeu que nunca a teria, fisicamente.
Mas se contentou em tê-la, para sempre, nos seus sonhos. Ali, no recôndito da sua mente, ela era dele e de mais ninguém.





Cláudia Banegas

 
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Cláudia Banegas
 
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