Poemas : 

Flor do Açaí

 
I

Não sei se foi engano ou foi malícia vã
O certo é que causou profunda dor em mim.
Foi fel, foi sal, ou sombra de um bem
sem fim?
Só sei que em mim doeu feito mortal manhã.

II
Não sei a exata forma desse dano
Mas sei que fere o peito do cantor.
Calar o canto é quase um ato em vão:
É roubo ao mar, do peito do oceano.

III
A Tristeza, essa cigana andeja e fria,
Vagueia solta e toma o corpo inteiro.
Do peito arranca a prosa e a poesia,
Deixa o poeta seco e forasteiro.

IV
E o destino, com sua teia tamanha,
Tecelã cruel de sonhos e ilusão,
Arranha a pele e rasga o coração,
Sol que se esconde
atrás da montanha.

V
E meus olhos, tão pequenos, cintilantes,
Choram como os de um menino abandonado.
E o sorriso, outrora tão encantado,
Partiu, mesmo após ler meus Cervantes.

VI
Os mares, que ninguém jamais sondara,
São feitos das lágrimas que em mim se fazem.
Onde estão teus olhos, que não mais me trazem
A luz que em noite escura me guiara?

VII
E assim me vou, na sombra do porvir,
Sem saber do paradeiro do meu bem.
Minha flor, minha palmeira de Belém,
Minha estrela, minha rosa do açaí...



Gyl Ferrys

 
Autor
Gyl
Autor
 
Texto
Data
Leituras
115
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
2 pontos
2
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
Paulo-Galvão
Publicado: 12/04/2025 14:33  Atualizado: 12/04/2025 14:33
Usuário desde: 12/12/2011
Localidade: Lagos
Mensagens: 1637
 Re: Flor do Açaí
Olá Gyl,

Gostei sim, 7 cantos de um encanto maior.

Abraço
Paulo

Enviado por Tópico
Alemtagus
Publicado: 13/04/2025 20:04  Atualizado: 13/04/2025 20:04
Membro de honra
Usuário desde: 24/12/2006
Localidade: Montemor-o-Novo
Mensagens: 3802
 Re: Flor do Açaí p/ Gyl
Sete cores...
As estrofes, todas elas tristes e sentidas, vagueiam entre diferentes paletas de cores.
A primeira (engano, dor, fel, morte) começa pálida, quase uma transparência envergonhada, e vai-se metamorfoseando entre o movimento quase boreal da mistura de roxos e verdes vivos a desfazer-se num cinza a fundir-se no breu da noite.

Subitamente o frio, esse azul que dispersa entre sensações díspares, o erro, o silêncio e a imensidão.

Em terceiro um vislumbre de efémera alegria que se espera saia das mãos da cartomante, a cigana... pura ilusão, reserva-se às cores da terra seca, árida, de um amarelo preguiçoso.

O rubro e o negro que se misturam numa tocaia onde a aranha espera a sua vítima.

Na quinta estrofe o verde, o azul, o castanho, o negro, vários olhares e até a cegueira espelhada numa definitiva ausência de cor... sim, quixotesco!

De volta aos azuis-mar que culminam, após nova transparência (a das lágrimas), se estingue na lua parda.

E tudo acaba aqui, ensombrado pelo amor e pela cor do coração, o vermelho vivo, a rosa do açaí.