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Acordo madrugada cedo
à janela, sento-me
observo pessoas e coisas e árvores
enquanto como o café e o cigarro
as árvores agitam-se – vento e ainda
é noite
o sol já ameaça dos lados direitos
nascer e traz o dia
e o dia é sempre a mesma ladainha
chora desenfreadamente
à luz que nasce
sem pai ou mãe
órfão e filho da natureza,
chora
Espero ainda
depois de ver o sol nascer,
o dia não tem disciplina
mas o sol tem
disciplinado, envia a luz
e afugenta a noite em volta
que regressa por inércia
segue atrás da lua
como se não tivesse vida sua
E tem?
A noite não chora, demora
a noite não cresce, esmorece
ela não desce nem sobe
estática, só compreende o tamanho da lua
potencial, só entende a posição da sua
vizinha, em sonhos só
Pesadelo seria não conseguir dormir
depois da leitura prévia ao deitar
insona, insonorizada, insonsa. Partir
É hora de ir embora agora e lamentar
o ciclo da vida, quotidiana, sempre a parir
jeitos e preceitos em que não se quer pensar
só sentir o tempo passar
para depois seguir para o seu lugar
Fiquei todo o dia à janela a fumar
à noite não dormia porque a janela
não estava nela e batia sem parar
Fui ver
A lua cheia, gorda e prenha,
luzia perto. A janela mal
fechada e o quarto
aberto
Deixei assim para que um ou outro
pudessem entrar
exceto o dia que só nasceria na hora combinada
por isso, agora nem sequer existia em nada
só eu e a noite cansada
e cigarros sem café para o enfado
se não dormir como fada
com tudo e até príncipe encantado
a quem morderia com gosto
por entrar no dia e na noite à vontade
por me dar este lamento e desgosto
esta espécie de mosto
que engulo ao jantar por saudade
Do sol que só chora de chupeta
Da lua que tem manias de cometa
Do dia que passa em pranto
Da noite que vem e traz sempre outro tanto
I got that feeling
That bad feeling that you don't know (Massive Attack)