Friday, 24/10/25
Sr. Com sentiu pena da pobre mulinha branca perdida, desnorteada, relinchando desesperadamente correndo para cima e para baixo no meio da estreita avenida, espantando os incautos motoristas ainda sonolentos, entrando de supetão nas ruas e saindo velozmente e sempre relinchando a procura dos seus – Que tristeza.
Quinze minutos depois de sorver Henry Miller em “Tropico de Câncer” – o mestre na luta pelas ruas da gloriosa Paris – não a mesma de Hemingway e nem de Fitzgerald. A sórdida e poética Paris dos lupanares, das prostitutas, dos cafetões, quase igual a Paris do submundo do mestre Jean Genet – o poeta pousou o livro sobre a mesinha improvisada sob o banco de madeira com as pernas moles, apanhou a caneca que jazia emborcada no gargalo de um litro de uísque seco ao lado, levantou-se para apanhar o café no Little Fat – uma cena emocionante que o alegrou a entrada da rua 23 – a mulinha e a madrecita – ambas branquinhas encardidas com os focinhos vermelhos – a danadinha fuçando a procura das tetas materna. A bichinha cabriolava ao redor da seria e impassível mãe.
Asa coxas doíam-lhe quando se levantava – começou desde quarta-feira, ao subir e descer para agachar-se para soldar o carro de mão. Dores de uma velhice aproximada. Blindowski querendo ferrar um quarteto da ‘pura’ da abstemia Mãe Telma no Pai Cardin. Como sempre diz para todos que passam que vai fazer uma entrevista num supermercado:
- Mas a vaga já é minha, um chegado me indicou. – E tome grode. Eta caboquinho bom de cachaça e de mentira – Amanhã o sr. já vai me ver fardado, para calar a boca dos invejosos. Por enquanto estou fazendo um bico nas Carneiras e ganho cinquenta por noite. Tenho cento e pouco na casa, daqui a pouco vão passar um píx para mim. Eu não tou nem preocupado, a vaga é minha, com certeza.
Tarde no atelier, depois de um ‘basy’ básico – meu compadre emprestou-me cinco reais, depois de passar a manhã toda ouvindo as mentiras de Blind, tinha que me imunizar com umas vodkas. Acordei ainda sob o efeito da ‘mardita’ – comprei os pães para a janta e desci para ‘apertar’ e assim impermeabilizar a minha mente. Do outro lado, a sombra do muro da Madeireira Bastos, o casal vizinho pega uma fresca na tropicalidade da tarde. A mãe loba as frente botando seus filhotes para dentro da cova.
Final da tarde -os operários da construção retornando para a base. A loura bocejando cansada da labuta no restaurante do retorno e assim a vida se descortina antes do por do sol. O poeta decidiu seguir, e esfriar com uma cerva no Ed Paul – mas antes quer comer qualquer coisa, qu’ele arranjar, no caso uns bolinhos de trigo vencido, que os devorou como um morto de fome. Em pé no balcão, o poeta vê o mundo sob outra perspectiva. “O Sol também se deita” – uma parodia sob o livro de Hemingway, “O Sol Também se levanta” que o poeta sonha em escrever – mas nada de Paris, nem da bela da Brett e nem o judeuzinho Cohen – sem touros correndo pelas ruas de Pamplona – A mulinha branca.
E a tarde se esvai e o manto da noite sobre a Vila Embratel – as luzes acendendo, os carros passando, assim como os transeuntes apressados e cansados. O poeta recolhe-se a sua santa insignificância, levando uma lata para mamar deitado na solidão e paz de seus humildes aposentos.