Viver alguém por uma vida inteira
é bonito.
Sentir crescer,
ver forte,
ver seguro.
É bonito também
sentir o tempo passar,
ver envelhecer,
ver cansar,
ver doer.
Que caminho bonito
é viver-te.
Eu vivi alguém.
Vivi com intensidade.
Vi a força
e vi a doença.
Porque viver
é mais do que amar.
Eu amei,
mas vivi ainda mais.
Vivi os cabelos grisalhos,
o sorriso amarelo,
as palavras engraçadas,
a comida bem temperada.
Vivi o esquecimento.
E mesmo no fim,
vivi-te.
Quis viver-te para sempre.
Quero ainda.
Mas o peso da nódoa
que carregaste
não me deixou.
Parei de viver-te
para aprender
a amar-te em saudade.
Porque não se vive
um corpo
que já não vive.
É injusto o mundo continuar.
Devia ter parado.
É injusto que falem,
rirem,
chorem,
cantem,
brinquem
e vivam.
É injusto que uns se vivam
uns aos outros
e eu viva presa
à tua memória.
É injusto que teu sorriso
não seja eterno,
que tua voz se vá,
que o quentinho do teu abraço
já não esteja cá.
Que sorte a minha
ter-te vivido.
Que sorte a minha
ter-me conhecido assim.
Que azar o meu
continuar sem ti.
Que azar o mundo
não ter parado de girar.
Devia.
Ter.
Parado.
Para o meu avô Júlio porque a sua memória é demasiado bonita para ficar apenas para mim.
Com amor.