AMOR FERIDO
Revivo os meus pesadelos
Palavras queimadas pelo fogo do esquecimento
Atrevo-me a chorar, a largar a tristeza num beijo
Memórias obscurecidas pela minha bravura inane
Despedaço-me em mil pedaços de mentira
Véus rasgados pela serenidade lunar
Observo-me no espelho na esperança de desaparecer
Vejo nos meus olhos reflectido o amor esquecido
Folhas ardidas levadas pelo vento
Sonhos cravados pela solidão da alvorada
E lençóis lançados no escuro
O teu corpo renascido na minha hora mais negra
A minha ultima hora, desejos despojados de entendimento
O meu contentamento despejado num rio de dor
Revivo os meus pesadelos
O meu amor ferido, a minha morte anunciada
Bruno Carvalho
LUZ E TERNURA
Ocasionalmente o silêncio é quebrado
Pelo eco das tuas palavras doces e brandas
Por vezes ainda vejo a tua face no sol da manhã
Uma memória que o tempo não quis levar
Por vezes vejo o teu sorriso colado à aurora
A doçura do teu beijo marcada nos meus lábios
A planura suave do teu corpo sob a minha mão
E eu tremo, tremo na emoção de um encontro ansiado
Ocasionalmente a escuridão é iluminada
Pelo teu olhar cheio de luz e ternura
Fico solto na brisa da manhã, pendente num sonho
Por vezes sinto-te, sinto-te como nunca senti ninguém
O teu perfume, o teu amor espalhado na frieza do meu corpo
Por vezes fico assim parado a pensar, a sorrir, a explodir por dentro
Por vezes a doçura das tuas palavras arrepiam-me
Um arrepio de prazer, uma sensação de imortalidade
Fico fechado na memória de ti, do teu abraço terno
Certo que a porta se fechou, mas que a janela continua aberta
Para dela jorrarem os raios de sol da manhã
Para que o sonho não morra, para que o amor não parta.
BRUNO CARVALHO 2007
PERDI-TE
Vivo atormentado pelo desejo
Como pudeste ser tanto e tão pouco em mim
Passo as pontas dos dedos sobre o orvalho
Aquela pequena memória inscrita no teu olhar
Se eu pudesse ao menos sentir perdão
Aquele arrependimento puro
Entre a quarta e a quinta hora desta noite
Despojo-te nos meus sonhos de tão inquieta verdade
Se eu pudesse ao menos saber quem fui
Uma linha perdida num texto vazio
Fui tão pouco, mas quero ser tanto
Fui uma gota de chuva numa noite de Verão
E, agora, enquanto alinho recordações de ti
Despojo-me eu também de tão triste verdade
Perdi-te sem saber que te tinha ganho
Faltei-te na minha presença amordaçada
Bruno Carvalho
LI-TE...
Li-te ao relento daquela noite
Palavras sublinhadas na aragem
Breves pensamentos feridos
Constantes indefinidas na soltura de um abraço
Li-te poesias inacabadas
Desejos amordaçados por uma fome maior
Breves toques em olhares irrequietos
Prazeres permitidos em momentos cúmplices
Li-te com uma avidez inquietante
Enquanto os meus olhos tocavam as estrelas
E os teus a imensidade dos meus
Li-te memórias perpassadas
Amores esquecidos na correria do tempo
Ultrapassados por uma ânsia crua
Bebi dos teus lábios o licor da madrugada
Ancorei no cais do teu seio
E sonhei, sonhei ler-te o amor que escondes
A paixão ansiosa, o desejo que arde
Li-te naquela noite, a nossa noite
O nosso amor descarnado por saudades
Li-te, meu amor
As palavras que nunca te direi
As saudades que nunca desejei…
Bruno Carvalho
PERDI O ENCANTO
Perdi o encanto das coisas
O amor fez-se pecado mortal
A noite explodiu em tons de tristeza
Despedi-me do sol e da luz
Perdi o contentamento
A harmonia de um sentimento moribundo
Um momento perdido no tempo
Sou arrastado pela obscuridade
Senti-te no momento de perder-te
A incapacidade de compreender
De juntar duas palavras que te fizessem mudar
Demasiados silêncios destinados a morrer
Palavras amordaçadas por desencantos
Mitos esquecidos no passar dos dias
Fiquei ferido na chegada da manhã
Moribundo na lembrança de um sonho vazio
Perdi o encanto das coisas
A suavidade amaldiçoada da tua pele
O fogo ardente do teu beijo
Nos teus lábios deixei um último adeus
Bruno Carvalho
“POR VEZES…”
Por vezes navego nas águas turvas do meu infortúnio
Rompendo as ondas negras do coração
Fazendo de cada dia uma eternidade de desolação e pesar
Naufragando nos rochedos fúnebres do silêncio
Por vezes dou à costa da saudade e do desejo
Seguido por mil vozes esquecidas pelo tempo
Por vezes parece que nada mais faz sentido
Que tudo não passa de uma farsa, uma história mal contada
~
Por vezes dou comigo a mirar o horizonte longínquo
À espera de um murmúrio, uma voz doce e firme
Que me faça continuar a luta
Por vezes dou comigo derramado pelo chão, como uma sombra na escuridão
Fico frágil, acorrentado a uma vontade maior
Fico de rastos, na recordação cruel do teu rosto plácido
Por vezes invejo a inquietude da solidão
Desejo também eu ser esquecido pelo tempo
Por vezes desejava ser efémero como o vento
Poder soltar as asas e partir deste lugar maldito
E só parar na tranquilidade do luar
Nas planícies eternas do esquecimento
Bruno Carvalho
IMPOSSIBILIDADE...
Dispo-me desta verdades inconsequentes e vazias
As primeiras horas de um dia debitam misérias
Falsas esperanças cravadas em faces desconhecidas
E como nos meus sonhos a vida desperta incerta
Vi-te ali no limiar da noite, entre a terceira e a quarta hora
A hora do adeus, da impossibilidade, do medo
As palavras atropelam-se por entre choros e lamentos
A realidade desperta-me para um pesadelo em forma de desejo
Dispo-me de sentimentos, perco-me na frieza do vazio
Amordaçado pelo desespero, abraçado pela dor
Fico mais uma vez sozinho, longe da verdade do amor
As tuas palavras soltas na incerteza do silêncio, o meu silêncio…
Quero ver para lá deste véu de desolação e medo
Quero ver de novo a verdade no teu olhar
Aquele olhar, aquela explosão interior, o teu amor
Fico abandonado nas asas de um sonho moribundo
Bruno Carvalho
DESCE O PANO
Desce o pano
Nesta sátira cómica
Com papéis invertidos
Com demais sentidos
Desce o pano
Sobre o palco, o amor
O argumento final da dor
A frieza da paixão
Desce o pano
Apagam-se as luzes
Mergulhado na escuridão
Estou eu espectador esquecido
Maravilhado pela obscuridade
Desce o pano
Sobre este nosso romance
Acaba a expectativa
E assim fico
Num momento eterno
Parado no silêncio
De um teatro vazio
E assim fico
Prostrado frente ao palco
Ovacionando o fim do amor
Abraçando a frieza da dor
Bruno Carvalho