Poemas, frases e mensagens de Ophis

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de Ophis

Às vezes tento olhar-me

 
Às vezes tento olhar-me e vejo apenas
Uma alma oca, um espírito dormente
E umas chispas de vida, tão pequenas
Que a sua presença mal se sente

Vejo-me como um grão no mundo inteiro
Uma mera marioneta de pano
Reflexo branco, vago, passageiro
Numa das gotas do grande oceano

Nada sou, para o nada me dirijo
Após nada ter sido ou ter criado
Por mais que viva a dor ou regozijo
No final, ao nada terei voltado

E por este vazio me devorar
Com suas dentadas cruéis e frias
O desalento insiste em habitar
O rápido arrastar destes meus dias


12/4/2008
 
Às vezes tento olhar-me

Todos nós

 
Todos nós, seis biliões,

Gente diversificada,

Temos cá nos corações

Cada um sua pancada



Há quem julgue que a beleza

É o que se vê por fora;

E há quem tenha a certeza

De tudo aquilo que chora



Há os que vivem deitados

Sob as árvores de escol

E ficam desnorteados

Se são deixados ao sol



Há quem pense que o seu mundo

Não vai além do que vê.

Há quem seja tão profundo

Que não conhece o “Porquê?”



Há quem se queira alma pura,

Limpa até de pensamento

Há quem ache a vida dura

E não viva um só momento



Há os que têm de tudo

Excepto sentido p’rá vida

E um hemisfério mudo

Que nem sequer tem comida



Há quem pregue Amor sem fim

E Verdade inabalável

Que as coisas são porque sim

E Pensar não é rentável



Há quem tenha olhos fechados

Porque ninguém lhos abriu

E quem os tenha tapados

Porque, ao ver, o decidiu



Assim estamos convertidos

Numa turba sem Razão

A pouco e pouco engolidos

Pela nossa Evolução

4/4/2008
 
Todos nós

Não é um poema

 
É poema uma linha vertical
De frases com a métrica correcta
Alternadas rimando no final
E cheias de metáfora inconcreta?

Será poema por palavras só
Bem vagas e cheias de rococós
(algumas não tendo sequer o ró…)
Que talvez não digam tanto de nós?

Será se expressar sentimento misto
Fruto duma loucura-lucidez?
Tudo sou eu, portanto não insisto

E posto assim digam então vocês
Se examinando bem pensam que isto
É poema (nem por isso; talvez)
 
Não é um poema

Pássaros

 
Pobres de nós, que vivemos
Em constante depressão
Em tudo aquilo que vemos
Há sempre, sempre um senão
Nem reparamos que temos
Todos os pássaros na mão

Pobres de nós, que sofremos
Por não sermos tão bonitos
É por isso que fazemos
Sacrifícios infinitos
De caminho desfazemos
Nossa alma em pedacitos

Pobres de nós, sempre a braços
Com crise existencial
Somos uns simples madraços
Não fazendo bem nem mal
Estamos carentes de abraços
E pieguice que tal

Que é, perto disto, a guerra?
O que é a mutilação?
Para quê cuidar da Terra,
O que é a poluição?
O quê o bebé que berra
Por um bocado de pão?

Sentemo-nos na cadeira
Em frente á televisão
Pensemos que é brincadeira
Tomando-o como ficção
Suguemos a Terra inteira
Com nossos pássaros na mão

7/10/07
 
Pássaros

Ela

 
Quem sou eu? Pergunta ela em desespero
Perdida nas elipses da memória
Estava aqui! Lamenta ela, O núcleo inteiro
Que me fazia Eu na minha história

Quem foi que o despedaçou sem dó?
Que o fez afogar-se no vazio?
Seria ele? Ou ele? Ou ela só
A causa deste manco desvario?

Não acha os seus pedaços, que procura
Para, prendendo-os, se sentir segura
Sem medo de se voltar a perder

Tarde demais, agora são uma nuvem
E grita por eles, mas não a ouvem
E agora sente-se desvanecer…
 
Ela

Quero matar

 
Quero matar a memória
Retirar-lhe toda a glória
E depois decapitá-la.
Oh, sim, eu quero matá-la

Trucidá-la com mil facas
Empalá-la em altas estacas
Que deixasse de existir
P’ra não mais me suprimir

Essa memória correcta
De passados, sem razão
Que me põe tão circunspecta

Que me largue já da mão
Deixando que eu, completa,
Saia da sua prisão
 
Quero matar

Indefinição

 
Indefinição

Agora que estás
Quer fiques ou vás
Já nada será como foi
O vazio aqui
Não mais o senti
Porque me salvaste, oh herói

Olho em frente, vejo
Futuro, desejo
O que está a postos p’ra mim
Vejo-o, incerto
Tão longe, tão perto
Quem sabe o início do fim

Não sei meu querer
Nem posso saber
Perdida no rio de te ter
Não sei o que vem
Seja mal ou bem
Sei que não te quero esquecer
 
Indefinição

Abre asas

 
Abre asas, minha pomba
Deixa-me ver-te voar
Para sonhar que um dia
Te poderei alcançar

Voa, pombinha, até mim
Vem pousar na minha mão
Como há muito tempo em ti
Já pousa o meu coração

Roça-me a pele, pomba minha
Arrulha no meu ouvido
Deixa-me tocar-te as penas
Mostra que sou o escolhido

19/8/07

(Brincadeira ao meu amigo R., inspirado na sua paixão-pomba ;) )
 
Abre asas

Não quero aquilo que escrevo

 
Não quero aquilo que escrevo
Estático como edifício
É só mais um exercício
Da minha imaginação
Fruto de mais um enlevo
Ou de uma melancolia
Minha alma não é fria
Dela fluem como um rio
Frases de que me esvazio
Não p’ra ganhar teias escritas
Por mais que sejam bonitas
Ou de leitura agradável
Meu pensamento é mutável
Não é p’ra gravar em pedra
Antes como flor que medra
E que não é de ninguém
Nem meu, menos de outro alguém
Sobre ele não há direito
E nem marca registada
Pois quando me sobe ao peito
Apenas o escrevo a eito
Não p’ra ser um monumento
É sentimento, mais nada
 
Não quero aquilo que escrevo

Rainha caída

 
Cheguei a ser soberana de mim
Mas avancei demais, toquei o fundo
E a Rainha altiva de marfim
Veio a tornar-se num peão imundo

Um peão cruelmente devorado
Num mundo que me é feito de quadrículas
E agora que tenho o meu Rei cercado
Não faço mais que jogadas ridículas

Um Cavalo galopa-me no peito
Gritando que ainda me pode salvar.
É só mais um equívoco sem jeito,
Sabe que tenho de o sacrificar

Tuas Torres erguidas lado a lado
Anunciam como me vou perder
E gemo num prenúncio angustiado
A ânsia que sinto de me render

Não esperava, puseste em cheque o meu Rei
E eu que, fraca, nem te dei combate!
No fim, porém, só eu poderei
Dar, desfeita, a mim mesma o xeque mate
 
Rainha caída

O Carcereiro

 
Tenho o rosto bem vendado
E uma mordaça nos dentes
Cordas de abraço apertado
E nos pés tenho correntes

Estou numa cave escura
Bem enrolada num canto
O chão é de pedra dura
A minha alma é um pranto

Vagueando em meu redor
Anda o Carcereiro-Mor
Sabendo que me venceu

A venda cai; num lampejo
Aterrorizada, vejo
Que o carcereiro sou Eu
 
O Carcereiro

Viagem

 
Descobrimos um mundo de almas soltas
Lá nada material era importante
Filosofias físicas revoltas
Anos que não eram mais que um instante

Vivia-se num mar de identidades
Poeiras de razão unas dispersas
Espectros de infindas capacidades
Pesares, paixões, honras, ânsias diversas

Foi lá, onde não há limitações
Onde não nos toca sede ou jejum
Onde nada acorrenta as intenções

Foi lá, sem meditar, sem esforço algum
Que unimos nossas mentes-corações
E finalmente nos tornámos Um
 
Viagem

Id

 
Existe em mim um eu que não sou eu
Um eu que quer sair, ir mais além
Um fogo de ânsia que me acometeu
Um querer libertar-se de ninguém

Um eu que é ímpeto, vontade pura
Que se esconde como se quer mostrar
Um eu que o eu apaga, mas perdura
Um rio que não deixo chegar ao mar

Pudesse abrir, soltar, e ter enfim
Essa força que sei semi-dormente
Que sinto agitar dentro de mim

Dar-me um estalo de vida bem assente
Calar o não, gritar um grande sim
E o eu que não sou eu ser novamente
 
Id

Não sou nada

 
Não sou nada, tudo posso fazer
Inibições são ecos do passado
Passei p’ra lá do certo e do errado
Não sei se me perdi ou vou perder

Já não sei qual a melhor decisão
Tenho os meus pensamentos em novelo
Se algum acena, não consigo vê-lo
Temo agarrar o que vem mais à mão

E não me venham com compreensão!
Isso é coisa que só finge que existe
(Se estou confusa não me façam triste)
Dentro de mim estou sempre em solidão

Sem saber da minha própria vontade
Procuro em tudo a melhor maneira
Sem encontrar, e fico prisioneira,
P’ra sempre condenada á liberdade.

Fevereiro de 2007
 
Não sou nada

Do lado de fora

 
Hoje estou fora do mundo
O mundo fora de mim
Espiral negra sem fundo
Sob uma pele de marfim

Atravesso-o, isolada
Vestida d’ irrealidade
Que não sei de onde é chegada

Mas

Deixou a alma lá fora
Vagueando, longe, perto
Como se fosse senhora

Do Tudo

Ficaram corpo e mente
Confusos, sozinhos, aqui
Numa procura demente

Dela

Voltará…
 
Do lado de fora

Marta Fonseca