Não quero aquilo que escrevo
Não quero aquilo que escrevo
Estático como edifício
É só mais um exercício
Da minha imaginação
Fruto de mais um enlevo
Ou de uma melancolia
Minha alma não é fria
Dela fluem como um rio
Frases de que me esvazio
Não p’ra ganhar teias escritas
Por mais que sejam bonitas
Ou de leitura agradável
Meu pensamento é mutável
Não é p’ra gravar em pedra
Antes como flor que medra
E que não é de ninguém
Nem meu, menos de outro alguém
Sobre ele não há direito
E nem marca registada
Pois quando me sobe ao peito
Apenas o escrevo a eito
Não p’ra ser um monumento
É sentimento, mais nada
Rainha caída
Cheguei a ser soberana de mim
Mas avancei demais, toquei o fundo
E a Rainha altiva de marfim
Veio a tornar-se num peão imundo
Um peão cruelmente devorado
Num mundo que me é feito de quadrículas
E agora que tenho o meu Rei cercado
Não faço mais que jogadas ridículas
Um Cavalo galopa-me no peito
Gritando que ainda me pode salvar.
É só mais um equívoco sem jeito,
Sabe que tenho de o sacrificar
Tuas Torres erguidas lado a lado
Anunciam como me vou perder
E gemo num prenúncio angustiado
A ânsia que sinto de me render
Não esperava, puseste em cheque o meu Rei
E eu que, fraca, nem te dei combate!
No fim, porém, só eu poderei
Dar, desfeita, a mim mesma o xeque mate
O Carcereiro
Tenho o rosto bem vendado
E uma mordaça nos dentes
Cordas de abraço apertado
E nos pés tenho correntes
Estou numa cave escura
Bem enrolada num canto
O chão é de pedra dura
A minha alma é um pranto
Vagueando em meu redor
Anda o Carcereiro-Mor
Sabendo que me venceu
A venda cai; num lampejo
Aterrorizada, vejo
Que o carcereiro sou Eu
Viagem
Descobrimos um mundo de almas soltas
Lá nada material era importante
Filosofias físicas revoltas
Anos que não eram mais que um instante
Vivia-se num mar de identidades
Poeiras de razão unas dispersas
Espectros de infindas capacidades
Pesares, paixões, honras, ânsias diversas
Foi lá, onde não há limitações
Onde não nos toca sede ou jejum
Onde nada acorrenta as intenções
Foi lá, sem meditar, sem esforço algum
Que unimos nossas mentes-corações
E finalmente nos tornámos Um
Id
Existe em mim um eu que não sou eu
Um eu que quer sair, ir mais além
Um fogo de ânsia que me acometeu
Um querer libertar-se de ninguém
Um eu que é ímpeto, vontade pura
Que se esconde como se quer mostrar
Um eu que o eu apaga, mas perdura
Um rio que não deixo chegar ao mar
Pudesse abrir, soltar, e ter enfim
Essa força que sei semi-dormente
Que sinto agitar dentro de mim
Dar-me um estalo de vida bem assente
Calar o não, gritar um grande sim
E o eu que não sou eu ser novamente
Não sou nada
Não sou nada, tudo posso fazer
Inibições são ecos do passado
Passei p’ra lá do certo e do errado
Não sei se me perdi ou vou perder
Já não sei qual a melhor decisão
Tenho os meus pensamentos em novelo
Se algum acena, não consigo vê-lo
Temo agarrar o que vem mais à mão
E não me venham com compreensão!
Isso é coisa que só finge que existe
(Se estou confusa não me façam triste)
Dentro de mim estou sempre em solidão
Sem saber da minha própria vontade
Procuro em tudo a melhor maneira
Sem encontrar, e fico prisioneira,
P’ra sempre condenada á liberdade.
Fevereiro de 2007
Do lado de fora
Hoje estou fora do mundo
O mundo fora de mim
Espiral negra sem fundo
Sob uma pele de marfim
Atravesso-o, isolada
Vestida d’ irrealidade
Que não sei de onde é chegada
Mas
Deixou a alma lá fora
Vagueando, longe, perto
Como se fosse senhora
Do Tudo
Ficaram corpo e mente
Confusos, sozinhos, aqui
Numa procura demente
Dela
Voltará…