Rogativa
ROGATIVA
Oh! Pai, criador do criminoso e do justo...
Fazei dessa terra, esfera incandescente
Sob os influxos do amor, eternamente
Morada da paz, aconchegante arbusto;
Teu é o ilimitado poder, eterno, augusto
Esmeraldina estrela de luz clemente,
Dissipando os negrumes, inda pungente,
Dos corações que buscam o mal vetusto!
Porquanto, confiante, aqui me vejo abrindo
Meu coração, das agruras emergindo,
Em meio à prece fervorosa e compassiva
Pelo lar terreno, pelos bilhões de irmãos...
Entregarei, humildemente, em vossas mãos
As espinhosas flores dessa rogativa.
Álvaro Silva
Orgulho e Vaidade
Orgulho e Vaidade
Recua ante o orgulho que te exalta o lume,
Cessa a vaidade tola neste mundo
Onde as mazelas de ser infecundo
Já corroeram-te o inexpressivo cume.
Deserta das fileiras – e te assume,
Deste lôbrego ócio tão profundo...
Volta, Mas abandona o lodo imundo
Que te serve por vagas de perfume.
O tempo não te espera desta alcova
E exige imperativo que se mova
À humilde condição de ser homem,
Outro César que a vida retempera!
E grita na lápide, vocifera...
Qual relegado aos vermes que lhe comem.
Álvaro Silva
A Dor
A DOR
Oh! Dor, tu és a tácita estradeira
Desbravando as montanhas grandiosas
Dos turbilhões de almas orgulhosas
Que se erguem ao clarão da luz primeira.
Sucumbem à tua ordem costumeira
No apogeu das honrarias ruidosas,
E gritam, e choram temerosas
Antevendo a sentença derradeira.
Apagam-se as luzes... Descem trevas
Entre as sendas íngremes e rudes...
Surgem outros Adãos, novas Evas.
E o mundo segue no mesmo estertor,
Até que essas almas sem virtudes
Compreendam a grande lição da dor.
Álvaro Silva
Teu Meu Brasil
Teu Meu Brasil
Cumpre seja todo fim mais belo que o meio
Não é a presença, mas a falta que faz....
Exprime-se, a arte, por variados canais
E nesta questão mediocremente permeio.
Nada espero dum povo que avessa altura
Atado ao solo só de vermes entendem,
Balcões e bares são para isso que tendem.
Que curtem os “drinkes”, aversão a cultura?
O teu Brasil dos carnavais e do samba
Uns às fantasias, outros, anéis de bamba.
Na verdade outro Brasil desejo pra mim.
O meu Brasil seria da cultura e da arte
Mas ai delas, meu Deus, nesse país de aparte!
Como o lírio e a rosa num plantio de capim.
Álvaro Silva
Nesse Mundo
Nesse Mundo
Vênia às celebridades mundanas!
Suas guerras, empáfias e mentiras...
Que exacerbem o calor das iras
Nas caldeiras quiméricas, profanas.
Consterne-se a virtude e as hosanas!
Drogas, concupiscência – quem prefira,
Acres temperos ao molho que inspira
O vil desejo das escórias veteranas.
Mas não será a terra eterna hospedeira:
Dessa turba de asnos em asneiras,
Dessa casta de vermes imundos!
Quebram-se nas suas carnes os ossos
Que aqui deixarão como destroços
De uma vã existência nesse mundo.
Álvaro Silva.
E Das Vezes
E Das Vezes
Quero-te sem medo e sem receios!
Condensarei teu murmúrio ao meu alcance
Na mais pura extasia desse lance
Quando a perfeita simetria dos teus seios
Alcançar minha pele então desnuda,
Nada mais entre nós, nada mais...
Só o belo arrebol dos pantanais
A querer-te mais que eu e mais sisuda...
E das vezes que o beijo incoercível
Sulcá-la às raias do inconcebível,
Certamente novo beijo pedirá;
E das vezes que seu corpo estremecer
Em choques delirantes de prazer,
Novamente a outro extremo se dará.
Álvaro Silva.₢
Peço desculpas pela falta de métrica. Sou apenas um amante dos sonetos e apenas isso, não domino essa técnica. sei que métrica é uma das regras para a escrita de sonetos, mas vos confesso nunca a estudei!
Despedaçado
Despedaçado
À guisa de inefável desencanto
Fostes vós -fina flor do holocausto,
A ruína vagarosa do meu fausto
Indiferente ante o eco do meu canto.
Acaso sabeis do coração exausto,
Desta dor pungente que a senti tanto?
Foi longa a trilha percorrida em pranto,
De peito arfante e constrangido hausto.
Se te afigurei demasiado insano,
E como um louco apenas relegado
Na triste vala daquele triste ano,
Ah! Não entendestes o significado...
Morri pouquinho a cada desengano
E renasci, porém, despedaçado.
Álvaro Silva©
ARREPENDIDO
ARREPENDIDO
Envenenado cedi às ilusões descabidas.
Oh! A deixei, sem porquês... Indiferente...
Não mais um coração, só marcas e feridas,
Quando súplice voltei, envergonhadamente:
“Perdoa-me, doce amada, as sinuosas curvas
Traçadas por mim em tua reta existência...”
E seus olhos como fonte de águas turvas
Gotejara em minh'alma a sua rica essência:
“Perdoei-te, querido, as bebidas, as mulheres...
Amo-te ainda, e ainda mais se quiseres!
Não cessa de pulsar um coração entristecido...”
Não pude encarar-lhe o semblante orvalhado!
Ferido de remorso, eu, um cego culpado,
Um trânsfuga do amor... Arrependido.
Álvaro Silva.©
Como Eu
COMO EU
Vivo a inquietante turba das falências,
A imperfeição complexa do fracasso...
Falaz e verdadeiro num só abraço
Na contramão de todas as evidências;
Ora o heroico infante em excelências,
Ora em covardes defeitos me enlaço!
Cada minuto e sempre a cada passo
Mato e revivo tais inconsequências.
Como eu, fazem parte dos numéricos,
Vivos em estados cadavéricos
No exercício voraz da necrofagia,
Amálgama dos pútridos conceitos
Com a noção perfeita dos direitos,
Existindo por lei de fisiologia.
Álvaro Silva.₢
HUMANA REDENÇÃO
Humana Redenção
Onde se encontram as salivas cuspidas,
O ricto torpe e mordaz do ufano cenho?
E por onde a injúria, o escárnio e o lenho,
Que fizeram do cristo o fanal das feridas?
Nada restou! As mãos limpas de Pilatos,
O fel farisaico, publicanos e ébrios;
Aboliu-se a vergasta atroz, e os sinédrios
-Abrigo das lendas, hospício dos fatos.
Judas que da perfídia fez seu consorte,
Célere marchou para os braços da morte.
Olvidara insano o rabi da Galiléia.
Humanidade aflita, redimirás,
Por injusta liberdade a Barrabás
Na cena triste e longínqua da Judéia.
Álvaro Silva©