Contos

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares da categoria contos

O sedutor

 
Não tenho a culpa de ser bonito. A culpa será dos meus pais...
Além de bonito, sou rico, dois imãs que atraem as mais belas mulheres. E no entanto ainda nenhuma delas me conseguiu prender... Aliás, acho isso de todo improvável.
As mulheres são umas provocadoras natas e a dita revolução das mulheres só veio acentuar ainda mais essa tendência. A mulher de hoje, sai para ir à caça; passou de presa a caçadora e muitos homens caem na rede da sedução.
Mas eu não sou presa fácil; aliás nunca o fui, nem serei. Faço por vezes esse papel, mas é por pouco tempo... Muito pouco tempo.
Foi o que sucedeu à minha última conquista...

* *

De vez em quando vou à cidade à noite. Nunca entro duas vezes na mesma casa - sou demasiado fino para correr riscos desnecessários...
Mal me acabara de sentar com um copo de uísque em frente, e já uma bela moça se chegava atrevida e insinuante...
- Olá bonitão! Pagas-me uma bebida?...
Fiz-me de novas e respondi esboçando um sorriso:
- Claro! Porque não?!... E fiz um sinal para o bar.
Vi logo que era uma dessas insaciáveis conquistadoras, em pleno acto de caça... Embora ela não o soubesse, éramos dois caçadores, só que eu assumindo o papel de incauta presa...
Ao fim de uns minutos, ela já tinha tudo “sob controlo” e foi então que ela fez uma curiosa insinuação, depois de mais uma mordida no meu ouvido:
- Estou em brasa... Quero ser “comida por ti”...
Não me fiz rogado e, enquanto me ria interiormente, conduzi o meu potente automóvel até à minha herdade e ali fiz-lhe a vontade.
Confesso que ela gritou e estrebuchou mais do que as outras, mas por fim - com mais ou menos sangue - tudo bateu certo...
Logo eu, que adoro comer um belo grelhado e nada mais saboroso que um tenro bife das nádegas!...

15.10.2007, NelSom Brio
 
O sedutor

Franco atirador!!!

 
Além de excelente pescador, o "Passinho" entendia muito de caça... e atirava como ninguém! Essa é outra história que ele sempre contava. Tal como a anterior que contei, é a mais pura verdade! Reforço meu aval com relação a minha sogra!
Dizia que, certa vez, fez uma aposta com um amigo que também era muito bom. Era uma aposta difícil! Eles iam cronometrar uma hora, ambos com direito a apenas dois tiros. E de revolver! No "três oitão" para complicar, pois na
cartucheira já seria fácil para eles! Dentro de uma hora, tinham que entrar numa mata que conheciam bem e trazer uma codorna. Bicho pequeno, arisco, difícil de encontrar!
É claro que um bom caçador tem que saber onde procurar, mas para evitar um lance de sorte, não estava valendo quem matasse primeiro. No entanto, a quantidade ainda serviria como critério de desempate. Quem perdesse, perderia o revolver.
E lá foram eles. Tempo correndo e o "Passinho" logo ouviu o primeiro tiro. "Cedo demais!", pensou. Chegou a ficar desanimado, sabia da pontaria do amigo! Mas continuou procurando... E o tempo foi passando, já passava de meia hora de busca quando, de repente, bem perto dele sai um bicho correndo do mato fazendo aquele "zuummm" bem característico. Mal deu para ele ver a codorna, praticamente foi pelo barulho. Tiro certeiro! Ele botou a codorna no bornal, só que mal deu tempo de comemorar o empate! Logo, de novo, ouviu outro tiro do amigo...
Faltava menos de dez minutos para terminar o prazo, ele sabia que o amigo já estaria esperando ele no local combinado com duas codornas, pronto para tomar o seu revolver. Já ia quase desistindo, conformado, quando viu a uns vinte metros duas codornas, bem próximas uma da outra... Calculou ligeiro e precisamente! Mirou bem no meio das duas, pegou um faca que carregava, pois o fio de corte na saída do cano... e ganhou a aposta, cortando a bala no tiro!
 
Franco atirador!!!

Um natal em 68

 
Chegou o Natal. Esse ano, as coisas estão fraquinhas aqui em casa; quase ninguém mandou cartão pra gente, Papai Noel deve estar bem magrinho. Pela primeira vez é Natal sem papai em casa, tomando cerveja, falando mais alto que a radiola de tampa levantada, conversando com seu Amaro por cima do muro. O copo de cerveja quase caindo. Eu, doido para experimentar. Dizem que amarga, mas é bom. Como é que pode? Só provando para acreditar , essa bebida que é mas não é .
Ninguém fala mais em papai. Virou uma coisa feita aquela doença que a gente desenha um caranguejo, mas não diz o nome .
Só lembro a noite em que chegou aquele jipe verde com os soldados e levou ele pro quartel. Ora, papai não tem mais idade para ser recruta. Perguntei pra mamãe, ela disse que não era pra ser recruta e começou a chorar de fazer dó. Nunca pensei que no olho da gente coubesse tanta água . Fiquei com raiva de mim mesmo,mas se não era pra ser recruta, quê que meu pai ia fazer lá ? Ele só sabe consertar fio trepado em poste e encher a cara com meu tio Jorge, o irmão dele, lá na praia do Pina .
Começou a me ensinar a nadar, mas parou, quando apareceram aquelas pranchas com um nome engraçado: isopor. Disse que com aquilo ninguém se afogaria mais e me deu uma .Acho que pra passar mais tempo na barraca, discutindo futebol com tio Jorge .
Um dia, pela manhã, ajudei minha mãe a enterrar no quintal ,um montão de papel. Falava mal do governo e em greve. Era escrito em letras bem grandonas e vermelhas .Mamãe falou que enterrava aquilo tudo pra ficar em paz.Evitar o exército não voltar mais lá em casa.Eles não gostavam nada de ver papel falando em greve . Mas meu pai saiu de casa em janeiro, logo depois do meu aniversário de oito anos. Cansei de perguntar por ele á mamãe, porque se chorar já é uma merda, de tristeza, pior ainda
Bom, papai foi fazer alguma coisa importante no quartel. O serviço já faz quase um ano que começou. Deve ser muito importante. Quem sabe meu pai não tem uma identidade secreta? Feito Batman e Superman. E se a turma do mal descobriu e pegou ele?
Nem vi nem falei com meu pai, nesses onze meses. Meus amigos lá da escola, disseram ter escutado em casa, que meu pai pode ter sido preso porque falava do governo e das greves. Se greve é ficar sem trabalhar, como é que nós íamos comer? E meu cinema , meus gibis ? Logo agora que arrumei o Tio Patinhas número um. Troquei pelos meus dois piões com o Zelão, o meu vizinho magro, da cara de lagartixa. Fica puto com quem chamar ele de caveira elétrica .
Fui pra Missa do Galo com minha mãe e parece que nossos vizinhos estão evitando falar com a gente. Nem sei por que. Estou de banho tomado, limpo, roupa nova. Feio foi o Júnior, filho do seu Mário. Ano passado, cagou-se todo na hora da missa e ainda vomitou no sapato de dona Lourdes . Êita cabra desmantelado. Mas não foi por gosto. Caganeira ás vezes não dá aviso. E foi logo no Domingo de Ramos.
Que Natal mais sem graça. Vou dormir. Na televisão não tem nada que preste. Até o Perdidos no Espaço foi ruim, hoje.
Olho na sala, a mesinha do centro. A foto de papai não está mais lá. Vou reclamar amanhã com mamãe. Ele não morreu e nem com morto se faz isso. Seu Gabriel, da mercearia, morreu, mas dona Eliza nunca tirou a foto dele da parede. Botou até um vaso com flores. Troca de flor quase todo dia. Achei um pouco demais. Depois, lembrei que a flor é dela e seu Gabriel também era, né?
Depois de ler dois almanaques Batman, deu uma baita fome. Vou pedir a mamãe pra fazer um chocolate.
Chego na sala e encontro ela e o tio Jorge na janela, olhando a rua .Ele, passa de leve a mão nas costas e na bunda de minha mãe, que sopra devagarzinho a fumaça do cigarro, de janela afora . Melhor preparar o meu chocolate sozinho .
 
Um natal em 68

A menina e a pedra

 
A menina e a pedra
 
Quanto favo de mel uma delícia.
Ruana de olhos fechados,
deliciando - se com seu céu...
- Sua casa ficava no cume da montanha
de lá ela avistava o bosque.
Sua maior alegria, sonhava e sorria,
pois ninguém sabia seu segredo.

- Os moradores tinham medo,
dizia a lenda que quem conseguisse entrar no bosque não saia, seriam engolidos por animais selvagens.
- Em todo bosque, não havia uma entrada; e ninguém se atrevia... Menos Ruana que previa encontrar o caminho.

- A mãe da menina sempre recomendava.
Para ela não se afastar e tão pouco por ali se aventurar. Todas às manhãs Ruana buscava respostas, numa de suas idas já muito cansada deitou-se junto à relva e encostando sua cabeça numa pedra redonda adormecendo!

- Logo foi transportada para o bosque...
Num instante despertou, e agora? Como sairei daqui? Logo serei devorada por animais.
- A pedra parecia ter vida! Soltou a garota no ar...
Ela flutuava que alegria sentia Ruana, naquele lugar tudo tinha vida...?

- Por lá havia muitas flores..., uma fonte cristalina..., muitas colméias..., animais de todas as espécies....
Seria um paraíso?!
- Ruana tornou-se parte integrante daquele lugar.
Divertia-se ainda mais flutuando de um lado para outro.

- Seu lugar preferido era a colmeia comia e lambuzava - se com os favos de mel e as abelhas tornaram-se suas amigas nada lhe fazia mal! Era um reino encantado...

- Todas às vezes que ela queria sair bastava colocar a cabeça na pedra. Seu segredo ninguém jamais descobriu!
Os moradores local achavam a menina estranha sempre lhe causavam arrepios.

- Ela era muito magra tinha uma aparência amarelada muitas sardas , cabelos amarelos longos e olhos grandes arredondados!

Mary Jun
21.02.19
 
A menina e a pedra

A Consciência Cria a Realidade

 
Você se vê como um corpo. Delimitado no espaço e no tempo. Mas o mesmo fenômeno de se ver em algum lugar é muito ligado à noção de estar ciente de algo. Estar ciente é estar consciente...
Ser consciente então é apenas saber estar em determinado lugar, em determinado tempo... Tire o lugar e o tempo, e fica apenas o "saber". O saber independe de lugar e tempo. Na verdade, como visto, lugar e tempo é quem dependem do saber.
Então, você sabe. Você é um ser senciente, e usa diversos meios para se "localizar", meios que chama de sentidos. "Aqui", na terra, você acha que tem cinco deles, embora sejam mais, mas vamos deixar por isso.
O que queremos dizer, é que não existem lugares como céu e inferno. Lugares geográficos, quero dizer. Eles estão dentro de você! É a sua consciência que cria o mundo, e em massa, vocês criam todas as situações cotidianas pelo que passa o mundo. Todas as mentes, estão interligadas num lugar profundo, que costumam chamar de inconsciente coletivo. Mas, é esse tal "inconsciente coletivo" que chega mais perto daquilo que chamam divindade. Pois é nessa energia mental atemporal que está concentrada todas as memórias, conhecimentos, experiências e vivencia de cada ser que já passou pela terra, até a menor frase ou ruido já dito por um deles. É a fonte universal, de onde você veio, para onde você vai, e invariavelmente, de onde absorve todas as características que fazem de você quem você é. De um ponto de vista mais distante, este consciente coletivo é um único ser. Assim como você parece ser único em relação a uma única célula de seu corpo. Mas, visto de perto, como eu posso vê-lo agora, você é um número absurdo de células e moléculas, e cada uma delas tem a sua função e mesmo personalidade.
O universo é mental. Pensamento. Uma vontade de sentir com ação própria, criando o seu próprio meio. Diante disso, há universos incontáveis e inimagináveis, se você puder alcançá-los. Vai por mim, essa cadeira onde você se senta, não existe. Ela não existe por si mesma, ela precisa de você para existir, para dar sentido a ela. Sei que, no fundo, sabe do que estamos falando, pois você guarda essa informação no fundo de sua alma, num outro sentido do qual não fala muito, e que costuma chamar de intuição. Aquela voz distante, que fala do fundo de sua alma, e às vezes até grita, na esperança de você ouvi-la.
 
A Consciência Cria a Realidade

Viajamos Entre as Mentes

 
O Ser é que cria a experiência. O espaço, altura, largura, distância, paredes... Nada disso existe! São meros artifícios para a experiência. O que há, na verdade, é uma rede realmente infinita de pensamentos que se entrecruzam, cada um percebendo o seu próprio, e aquele que pode compreender.
Olhe lá fora para o seu mar... Ele foi uma criação mental um dia, de um Ser que achou interessante aquela formação. Outro Ser, então, percebeu a "imagem" criada, achou-a interessante, e a incorporou a si mesmo, passando a compartilhar com o "criador" original, aquela "imagem" marítima. Claro que ele acrescentou algumas coisas pessoais a esta imagem agora compartilhada... como nuances de verdes e azuis.
Uma outra entidade então, vendo o que as outras duas compartilharam, resolveu participar também... acrescentou marés, a sensação do molhado, o som gutural das ondas... Outras vieram, e cada uma acrescentou de si, algo que lhe agradava: peixes, algas, uma praia... E assim, dividiam entre si a experiência sensorial e mental, vibrando na mesma faixa, percebendo uma mente o que a outra percebia. Pois tudo é mental. E você mesmo se divide em dois, ou em três, às vezes, se perceber bem...
Isso foi há muito tempo, em seus termos. Tempos imemoriais demais para relatar. Essas entidades alçaram voos maiores, criaram outras realidades inexprimíveis das quais compartilham agora entre elas. Realidades impossíveis de descrever para vocês.
Mas vocês, enquanto fragmentos mentais dessas entidades ancestrais, percebem o que elas deixaram para trás. Porque vocês mesmos são partes delas. Filhos de um sonho. E aprendendo a criar ainda, um dia vocês mesmo criarão as suas próprias realidades, e encontrão aqueles que desejarão partilha-las com vocês. Até que um dia, fragmentos de seus próprios pensamentos criarão consciência, e experimentarão os sonhos que vocês mesmos deixaram para trás, ao alçarem novos voos.
E assim caminha a eternidade, em ciclos. Criadores e criaturas. Numa onda infinita, onde a única diferença é aquilo que se pode e se quer perceber.
O estado de ser, É. Ele não precisa da matéria para existir. Ele existe por que ele É. Todo o resto é derivado, porque nada existe sem uma vontade, e para ter vontade é preciso Ser.
Só alguém que É pode expressar-se. E a expressão em seu mundo traduz em som, em ondas. E o som, por sua vez, em palavras. E a alma da palavra, aquilo que a ela imprime movimento, chama-se Verbo.
Verbalizar é emitir uma vontade em ondas. E é em ondas (vibrações) que um pensamento atinge o outro. E assim que você se identifica com o outro do lado de cá.
O seu ego é só um artificio, usado pela mente para especializar a experiência. Como quando você fecha um olho para mirar melhor com o outro. Se você visse a verdadeira realidade do que te cerca, ficaria extremamente desorientado. Dia virá em que coisas serão reveladas outra vez. A humanidade partirá de novo para novas percepções. Aqueles que estiverem prontos. Mas o ego de muitos está viciado, não viveriam sem esse mundo de ilusões. Para esses, bastam que as ondas se arrebentem nas pedras, desde que sejam saciados em seus instintos básicos. Eles ficaram aqui ainda, por muito tempo em seus termos. Esse mundo como está basta a eles, chegam mesmo a se regozijarem com a violência, a ganância, a desordem. Vibram na mesma faixa.
Alguns, alçarão seus voos. Levarão daqui a experiência para fazerem coisas melhores, e não repetirem o que viram de pior aqui. Não há como descrever, numa linguagem que possam entender, a luz e a pujança que resplandece em realidades assim...
 
Viajamos Entre as Mentes

Hoje disseram que o mundo vai acabar amanhã

 
A mulher afirmava na TV, com ar de enterro:
- O mundo vai acabar amanhã!
Foi então que João gritou escandalizado:
- Olhem o raio da mulher, bruxa de merda!... Ó Maria muda-me essa merda de canal, antes que lhe atire com o comando aos cornos!
A Maria, mulher servil e de bom carácter, assim fez. Mas eis o que dizia, com ar sombrio, outra mulher num canal concorrente:
- Lamento informar aqueles que nos vêem, mas o mundo vai acabar amanhã!
Já exasperado, o homem levantou-se e arrancou o comando das mãos da Maria.
- Deixa cá ver se noutro lado mais alguma puta está com a mesma treta!
E mudou para um outro canal… Mas coincidência das coincidências, eis que uma mulher de péssimo aspecto afirmava:
- Exatamente! … O mundo vai acabar amanhã!
No mesmo instante o comando voou de encontro ao ecrã da TV e ouviu-se grande estardalhaço de vidros partidos.
João saiu rapidamente porta fora e entrou na sala anexa, trazendo de lá uma arma e as respectivas munições. Dirigiu-se ao carro e arrancou em alta velocidade.
Sabia muito bem onde aquele bando de bruxas se reunia. Era só aguardar um pouco para lhes mostrar que para elas o mundo ia acabar ainda hoje!

15.02.2010, NelSom Brio
 
Hoje disseram que o mundo vai acabar amanhã

O Eu que não sou Eu

 
Há muito tempo atrás... quero dizer, quando eu fixava a minha atenção para o "outro lado" do eterno agora, uma parte de mim necessitava se conhecer melhor. É o que os místicos chamam hoje de busca do Eu. A busca de si mesmo. Não estou aqui, reduzindo pessoas a um termo, como se místicos fosse uma classe diferente de seres. Na verdade são apenas pessoas momentaneamente inclinadas a fatores internos transcendentes, tanto quanto materialistas são pessoas momentaneamente inclinadas a fatores externos imediatistas. Um nome não é nada, mas às vezes é preciso usá-los.
Naquela época, eu buscava Eu. Quero dizer... tentava encontrar algo dentro de mim que me definisse para melhor e me orientasse diante de um mundo aparentemente caótico e sem sentido. Ou com tanto sentido, que parece caótico. Vai entender. Seja como for, o Eu naquela época implicava em individualidade. Um Eu significaria um self eterno, imutável e perfeito, que atravessaria as correntezas do tempo, incólume, com a cabeça erguida de orgulho e iluminado, como se não tivesse mais nada para se aprender. Afinal, iluminar-se é descobrir tudo sobre o Universo. E uma vez que se descobre tudo, nada mais há para se fazer.
Assim, estranhamente, depois de muitas idas e vindas, deparei-me comigo mesmo da forma mais fácil que eu jamais imaginara. O Eu do sonho! Por estranho que pareça, o Eu do sonho é diferente do Eu acordado. E estranhamente ainda assim sou Eu! Quem sou Eu?!
No sonho, eu nunca questionava o Eu desperto. E o Eu desperto sempre questiona o Eu do sonho. Eu no sonho costumo ser mais corajoso, inteligente, esperto e feliz, do que o Eu desperto. Mas ainda assim, tenho absoluta certeza de que sou eu. O Eu desperto, por sua vez, questiona-se se é aquele Eu do sonho...
Assim, entendi, que existiam dois Eus! Totalmente independentes, mas completamente ligados e únicos! Então, na busca do meu Eu, primariamente descobri que não era bem assim, um eu.
De forma que, num belo dia, desperto eu... (qual dos Eus?!), de frente para a janela do apartamento, olhando as plantas lá fora, três andares abaixo. Havia um quê de diferente, inexprimível, mas notável, que cercava o meu ambiente e a atmosfera lá fora. Foi quando dei por mim, num piscar de olhos, quase numa iluminação de consciência, de que eu estava sonhando! Lembrei-me claramente de ter acabado de me deitar, talvez uns quarenta minutos antes, logo depois do almoço num domingo, mas estava ali, agora, de pé olhando pela janela, num quarto banhando por uma luz morna, clara, meio embaçada, mas ainda assim, o meu quarto.
Um pensamento estranho, mas absolutamente legal, assaltou-me: Estou lá dentro, deitado na cama, e aqui, de pé, perto da janela! Pensei também, imediatamente, quão legal seria pular pela janela e sair voando em direção às nuvens lá fora! Eu iria subir feito o Super-Homem, a milhão por hora e rasgar as nuvens lá em cima, navegar por entre os picos mais altos das montanhas, e também, quem sabe, flutuar por sobre as ondas do mar.
Ensaiei o pulo pela janela, toquei o beiral e levantei a perna direita. Mas, uma pausa. Era tudo tão real! Ainda me sentia com peso! Olhei pra baixo mais uma vez, tudo real, nos conformes!... E se eu não estivesse sonhando?! E se apenas acordei grogue, depois de um sono pesado, e to aqui na frente da janela, ainda meio dormindo e me julgando sonhando?! Seria uma queda e tanto até lá embaixo!
Voltei pra trás. Queria ter certeza de que estava a dormir na cama, e nessa hora, comecei a ter duas consciências ao mesmo tempo! Sentia-me claramente deitado na cama, e ainda assim, percebia o ambiente em frente à janela na qual eu estava de pé.
E assim, de repente, comecei a sentir uma cócega estranha na face e no nariz, como se um espanador estivesse tentando me fazer espirrar. Era, como percebido depois, os cabelos de minha nuca no corpo do sonho, tocando no nariz do corpo material deitado na cama. Foi um dos instantes mais estranhos que já me lembrei. Nesse exato momento, pude perceber dois corpos: Um deitado, e um outro se assentando devagar por sobre ele!
Agora sim, sonolento, levanto-me. Arrependido é claro, de não ter saltado pela janela e voado... Mas, de certa forma, orgulhoso, de ter pensado duas vezes, vai que eu estivesse certo... a queda não seria agradável.
Conquanto, naqueles dias, permanecera em mim uma incognita: Eu realmente estava acordado? Estou acordado agora, ou tudo é um grande sonho, inclusive aquilo que chamam de realidade?
Fui buscar um Eu, e admiravelmente encontrei vários Nós. Claro, porque, depois daquele dia ainda me vi de diferentes maneiras, em diferentes mundos, tempos e realidades! Tudo de uma só vez!
Mas o estranho, é que até hoje, eu... quero dizer, Nós, não sabemos quem é o observador central, aquele que parecer por ordem no aparente caos onde infinitas personalidades percebem-se a si mesmas num único fluxo de consciência.
 
O Eu que não sou Eu

A Pena Cansada

 
A Pena Cansada
 
A Pena Cansada
by Betha M. Costa

A Pena cansada de dizer das coisas que lhe mandava mão rebelou-se:

-Não escrevo mais nada!

Entortou-se. Toda cheia de teimosia e silêncio escorregava pela mão desanimada em desenhos ininteligíveis e feios feitos hieróglifos num papiro antigo.

Adulador, o tinteiro tentava convencê-la a mergulhar na tinta azul marinho fresquinha.Falava das coisas belas que a Pena já havia escrito e todos os mares de outras idéias luminosas (ou escuras), que ela ainda poderia passar através das palavras por ela escritas para os leitores interessados em si.

O papel branco se pautou caligraficamente para o caso da geniosa senhora resolver trabalhar e assim caprichar nas letras, que se movimentado sobre as pautas ficariam mais agradáveis a leitura.

A mão acariciava a Pena como a uma filha revoltada.Dizia-lhe de seu amor por si e de quanto ela lhe era importante. Que ambas mais as letras que desenhavam palavras formavam um conjunto harmonioso, que criava histórias, poemas, e, expunha toda a sorte de pensamentos e sentimentos.

A Pena acinzentada - de tanto que já fora usada - olhou para a mão com desdém e sem dó nem piedade deitou-se sobre a escrivaninha para descansar.

Enquanto a mão, o tinteiro e o papel se distraíram em questionar os motivos que levaram a Pena a tão drástica e dramática atitude, um forte vento entrou por uma janela. Soprou ao ar a Pena que voou pela outra janela do décimo andar. Depois de muito planar, caiu na mão de uma criança, que aproveitou o que lhe restava da tinta azul para colorir o céu do seu desenho Depois a jogou no chão, onde a pobre pode enfim descansar...
 
A Pena Cansada

Recanto das Letras

 
Esse texto foi minha participação no VII Evento.
Uma brincadeira com alguns textos e discussões polémicos (já antigos).

...
Estava agora completa a associação secreta de Luso-Poetas conhecidos como "Marmotas", que após expulsarem todos os demais poetas considerados por eles inferiores, os quais chamavam de "Antas", passaram a controlar todas as publicações de forma ferrenha numa busca doentia pela perfeição.
Alguns "Antas", inicialmente, não perceberam o cerco dos "Marmotas" pois estavam brigando entre si discutindo sobre estrelas e acordos ortográficos (melhor dizer, desacordo), e a desunião facilitou o ataque. Tão logo, o que se viu foi uma verdadeira caçada. Todos os "Antas" que recusaram a sair foram assassinados.
A obsessão aumentava a cada dia. No auge da loucura, os "Marmotas" decidiram que cada membro deveria cortar sua mão "inútil", a mão com a qual não escrevia, e que ela seria devorada por todos. Era o ato máximo de fidelidade à poesia, uma espécie de rito de passagem. Mas toda essa loucura estava longe de terminar, pois após devorarem a última mão "inútil", decidiram no final daquela mesma noite que se algum membro ali presente não publicasse pelo menos três poemas por semana, dentro dos padrões exigidos de criatividade e originalidade, se fosse encontrado algum erro, mesmo de digitação, perderiam a mão "útil".
Ainda naquela mesma noite, três desistiram e voltaram para o "Recanto das Letras."
 
Recanto das Letras

Há muito trigo no meio do joio!

 
Há muito trigo no meio do joio!
by Betha Mendonça

Gabriel era dessas pessoas que procuravam com lupa de maior aumento possível as fraquezas alheias e tudo que era de ruim ou negativo em toda a natureza.

Entrava numa casa perfumada. Em vez de elogiar o bom cheiro apontava uma teia de aranha que balançava num canto do teto e reclamava da faxina. Sua mulher tinha belos olhos azuis, mas ele ressaltava seus cabelos brancos.... Se o dia era lindo e ensolarado reclamava do calor. Se cinza e chuvoso queixava-se do frio. Se o jardim estava florido incomodavam-lhe os insetos e pássaros que ali se abrigavam.

Cansada da amargura que seu marido trazia no coração, Helena o levou ao celeiro onde estava o trigo colhido naquele dia e disse:

- Separa o joio do trigo!

O homem espantado com a enorme quantidade de trigo quase não enxergava o joio para ser retirado. Exclamou:

- Mulher, há muito trigo no meio do joio!E ela respondeu:

- Exatamente, Gabriel!Então a partir de hoje para de apontar o joio na vida e olha e aproveita mais o trigo!
 
Há muito trigo no meio do joio!

Falsidade....

 
Falsidade....
 
Acordei. Olhei a janela. Lá fora um transeunte, passava pela manhã clara e fresca de mais um dia de Inverno. Segui-o com o olhar, este transportava um semblante taciturno e inócuo.
Voltei para dentro. Não fisicamente, essa parte de mim ainda se sentia a dormir, mas sim no pensamento, esse ia longe, passava na rua lado a lado com o indivíduo que havia observado. Se a minha mãe aqui estivesse estaria a admoestar, sei como ela detesta este meu espírito sonhador que viaja pelo recôndito facilmente.
- Ding Dong!! - A campainha toca.
Desço apressadamente as escadas, barulhentas de madeira escura e envelhecida. Odeio que me interrompam as reflexões, podem parecer de alguém ignóbil, mas para mim, detêm muito valor. Seja quem for. Vou ter de a defenestrar, não estou acordado o suficiente para receber quem quer que seja. Olhei pelo monóculo. Abro a porta.
- Olhem só! Se não é o famigerado Artur! – Proferi com um tom irónico e uma expressão arrogante, na tentativa de que este compreendesse que era indesejado ali.
- Vim só deixar o que a tua irmã me pediu. – Disse o Artur com um tom desentendido. Deu-me a caixa às mãos e foi embora.
Artur é o pedante do meu cunhado, vive a enganar a minha irmã. Todos sabem, até ela, mas ninguém se digna a fazer nada. Nem eu. Falo, critico. Mas no que toca a tomar medidas, nunca fiz nada para o impedir de a tratar assim.
No fenecimento desta história, apenas resto eu e a minha família, aquela à qual pertenço e a mesma que passo a vida a criticar, pela sua hipocrisia e cegueira; E eu que, no fundo, sou tão ou mais cego e hipócrita que eles, vivo das minhas reflexões e sonhos, do meu mundo utópico, do qual me nego a sair e enfrentar a dura realidade.

iP
 
Falsidade....

Noite de lua cheia...

 
Certa feita umas crianças de um antigo vilarejo.
Estavam brincando entretidos gargalhando e felizes!
No vilarejo não havia energia elétrica era usado um lampião,
Naquela noite só a lua cheia clareava e os vaga-lumes que:
De tantos pareciam pisca-pisca de árvore de natal.
- Eles depois de exaustos pelas brincadeiras do dia, logo após o banho
E a ceia costumava ouvir as histórias de sua avó.
Que eram de arrepiar! Sentados numa calçada bem atentos; histórias de lobisomem, bicho papão, comadre folozinha, saci-pererê até mesmo de serpentes! Ela já havia falado de uma sucuri que engoliu um homem inteirinho.
Outra que eles tinham muito medo era a da tal folozinha porque sua avó dizia que ela com raiva costumava dar uma pisa de urtiga em quem a confundisse com a caipora.
A urtiga queima e arde a pele só no contato imagine ser surrado? UFF! Diziam arrepiados
E assombrados porque suas imaginações eram férteis embarcavam na viagem sonhando.
Numa dessas noites... Sua avó contava histórias empolgada -, quando então,uma criança deu um grito (aí) e todos ao mesmo tempo gritaram também o que foi?
Ela disse: Me beliscaram nas minhas costas -, foram procurar quem beliscou sem respostas.
Eles correram e pegaram o lampião procurando encontrar alguém, mas nada encontram.
Olharam uma para a outra e correram de cabelo em pé, quanto mais corriam, mas, se arrepiavam
E gritavam dizendo que um vulto os seguia. Juravam que via vultos meio aos vaga-lumes.
Será que viam uma sombra ou o medo o fizera ver uma sombra?
Sua avó também ficou apreensiva e terminou a história se perguntando o que teria acontecido de fato, naquela noite, pois sua neta tinha uma marca de um beliscão.
Todos foram dormir juntos com medo sentindo uma sensação estranha até o dia clarear e por fim ainda voltaram ao local a fim de encontrar vestígios de alguém, mas nada encontraram.
Passaram um bom tempo sem querer ouvir histórias e muito menos sentar na calçada à noite!

Mary Jun,
Guarulhos,
29/10/17
Às 22:33hrs.
 
Noite de lua cheia...

Será Verdade???

 
Será Verdade??? (Micro-conto)

O escritor interrompeu o texto que estava a escrever e olhou em redor apreensivo.
Murmurou com os seus botões:
- Tenho a sensação de que estou a ser lido!...

Henricabilio
 
Será Verdade???

A Estrada Infinita...7... Dos diferentes propósitos dos guardiões do limiar

 
Como dito linhas atrás, propósitos diferentes animam cada forma tomada pela consciência não centrada na matéria, quando ela percebe uma outra consciência ainda inexperiente.
Quando você adentra o mundo dos pensamentos, o mundo astral ou mundo dos espíritos... nomes não importam... você não é percebido, como uma imagem que de repente surge do nada num mundo pré-existente. O que acontece, na verdade, é que você passa a perceber as atividades ao seu redor, e isso, por sua vez, reverbera em todas as consciências presentes lá. Você sempre esteve "lá", mas agora eles vão saber que você percebe. É mais ou menos como uma gota d'água que encontra a superfície de um lago e a agita. Tudo no lago passa a te sentir. Enquanto você era cego para essas coisas eles não tinham interesse em você, mas agora, sabendo que você pode ver, eles virão.
Primeiro, como já dito... esqueça conceitos encrustados em sua cultura sobre o bem e o mal. Claro, o mal existe em seu mundo, isso é fato, mas ele foi criado por você. Lá também o será! Se uma criatura se aproxima de você, ela esta querendo interação, e usará a sua psique para conseguir isso. Se você é uma pessoa que está, por assim dizer, muito envolvida com esse mundo, atrairá seres como você, envolvidos nesse mundo. Em outras palavras, seres ainda apegados a coisas materiais e terrenas, e eles usarão linguagens bem familiares para com você, como medo, dúvida, tristeza, desejos...
Uma imagem bem corriqueira pelos lados de lá, é a figura da criança. Nada evoca mais a inocência, a fragilidade e ainda, a questão do inexplorado, do que a figura ancestral da criança. Menino ou menina, o ser que usará dessa imagem procurará desarmá-lo psiquicamente. Ou ainda, despertar-lhe um profundo pavor, dependendo das intenções dele. A psique humana na terra, está presa a valores culturais de que a criança é imaculada, e macular essa imagem causa profundo terror no inconsciente humano. Ver uma menina desfigurada ao pé de sua cama evocará medos ancestrais que a sua mente racional não vai saber processar... pronto, estará a mercê da consciência que quer lhe abusar.
A segunda forma é a sombra. O mistério, o desconhecido, o inacessível... A sombra evoca o medo da raça humana, a supressão do sentido da visão. O recado ao homem antigo de se afastar, temer. A entidade em forma de sombra quer te manter longe do mundo dos pensamentos, ou mundo dos espíritos. Ela não quer que você vá lá. Ela pode ser até mesmo alguém que gosta de você, mas não deseja que você tome conhecimento do mundo astral. E porque? Ora, algumas pessoas simplesmente não voltam desse passeio por vontade própria. Muitos humanos que caminham no mundo astral conscientes, não desejam voltar para a vida material, muito simplesmente porque lá é a sua casa verdadeira. Mas ao não voltar, você morre, e tem de recomeçar toda uma história de vida e conhecimentos novos. Pois o que não se termina hoje, terminar-se-á amanhã. Por isso, e não raramente, a sombra virá na figura arquetípica da morte. Sim, a tradicional foice e o tradicional capuz preto. Poucos são os que a encaram de frente...
Muitos virão em formas humanas. Homens, mulheres adultas. São os que no passado se chamavam de incubus e sucubus. São seres ainda muito ligados a matéria, e por isso, ligados a energias sexuais corporais humanas. Não são demônios ou malignos, isso não existe. São apenas pessoas, embora não mais focadas na realidade física, mas mesmo assim, carentes. Eles procuraram despertar energias sexuais, e se encontrarem receptividade, farão o que querem fazer.
As formas animais, monstruosas e medonhas, é a "fantasia" escolhida pela consciência que deseja confrontar você! Um inimigo de outros tempos, por assim dizer, que deseja parecer mais forte que você para enfrentá-lo numa luta "física". E como aqui o pensamento é tudo, se você pensar que é mais fraco, o será. Já vi um grande urso peludo "destruindo" o quarto de uma pessoa, usando a própria pessoa para isso. Arremessando-a contra a parede, quebrando o guarda-roupa todo, só para a pessoa despertar depois e ver tudo inteiro, e perceber que tudo não passou de um episódio no plano astral. Mas também já vi uma alma corajosa enfrentar um polvo de quarenta metros de altura,lutando entre seus tentáculos! Essa é só uma pequena demonstração do universo dentro de você.
Já ouviu falar em duendes, gnomos, fadas? Pois muitos espíritos virão dessa forma pra você. Essa é uma forma lúdica de se apresentarem, e muitas vezes assim eles chegam para as crianças. A figura desses seres desperta desprendimento, brincadeiras, sonhos... Assim eles te pegarão pelas mãos e te levarão a lugares incríveis. Você tem que perder essa visão rígida de mundo que você tem, e entender que tudo, inclusive o que você pensa de si mesmo, é apenas isso mesmo, pensamento! Eles virão com essa intenção, libertar os seus conceitos rígidos. Mas por que eles farão isso? Oras, porque você pediu. Só não se lembra... Não se esqueça, você não é apenas este ego que por hora carregas, que faz você ser quem você é aqui na terra, das oitos da manhã às dez da noite, quando vais dormir. A consciência que você verdadeiramente é te escapa de uma forma inexprimível, e você sendo quem você é beira a inocência. O seu ego é uma ínfima parte do seu Eu verdadeiro. Vou te dar um exemplo bem terreno para que possas entender: Hoje você tem 40 anos... Esqueceu-se que um dia foi uma criança, que gostou de brincar de bonecos, que gostava de circo, que acreditava nas pessoas... Hoje você é amargo, mas já foi um jovem que acreditava no mundo... Esta personalidade jovem ainda existe dentro de você, ela ainda é parte de seu ego, embora não o use muito desperto. Mas ela existe ainda dentro de você, é parte válida sua... e quando sonha que estais a brincar de boneco, quando sonhas que ainda está na escola... e essa parte sua se manifestando...
A personalidade humana é só a ponta pequena de um imenso iceberg. Assim como toda a sua história e realidade, como jamais fora sonhada por nenhum cientista da matéria ou da alma...
 
A Estrada Infinita...7... Dos diferentes propósitos dos guardiões do limiar

D'outras Noites: António e Luísa e os gatos da rua parda

 
António e Luísa
E
Os gatos da rua parda

Miado número três

“And it’s your face I am looking for on every street”
Mark Freuder Knopfler

Os gatos que conversavam à porta da tasca parda, com um olho no tasqueiro e outro na sardinha que, na borrasca, acalentava o estômago magro de qualquer um, fosse gato ou tareco, nunca tal houveram murado. Nem nesta noite nem nas noites das nove vidas. Espalharam a notícia num miau. Havia um louco que dançava ao som do acordeão de um louco ainda mais louco do que ele.

Ficaram na primeira fila.

O instrumento tocava de forma sublime, pensamento na lua pelos olhos alienados do louco tocador. E cada nota era uma palavra, um sentimento, uma risada, uma lágrima, um temor ou um alento. António, o louco menos louco, dançava ao som delas, sem cigarro, sem cerveja e sem disfarce, somente ele, tal como era, só a certeza da certeza de estar certo do seu querer.
A melodia entranhou-se-lhe nos sentidos, deixando-o extasiado, tal como o marinheiro no mar sereno e enlevado das noites arco-irisadas de ópio. Embalado pelo canto do acordeão, António levantou âncora e zarpou rumo a bom porto. Com ele foram os gatos, corpo de baile felino, que não queria perder o apogeu daquela dança.

Ao virar a esquina da rua da oferta, António estacou, ao ver a orgia de pernas altas e nuas. O timing perfeito da hesitação, que o apanhou desprevenido num volutear risonho, confundiu-o um pouco deixando-o momentaneamente sem vontade de dançar. A coreografia deste stop motion foi quase perfeita, não fosse a sardinha presa pelo rabo à boca de um felino revirar os olhos em sinal de contestação, pois pela boca é que morre o peixe.
Pelo pé parecia ter morrido o querer de António, a julgar pelo passo dado atrás, mas as treze mãos direitas dos treze gatos que não eram pardos, nem tão pouco parvos, continuavam levantadas à espera do passo em frente. Lá mais atrás, na praça da loucura, o acordeão continuava a falar.

António levantou a cabeça e enfrentou o seu destino.

Treze suspiros se ouviram em uníssono e se quedaram mudos a um canto, expectantes.

Seios fartos em mãos ávidas, pernas abertas em pernas fechadas, por entre fumaça que passava de mão em mão, de boca em boca. Sorrisos falsos e cativantes que alimentavam as faces compostas e estudadas da oferta, sorrisos patetas e lascivos que expunham a luxúria da procura.

Por este plateau passeou António os seus olhos, em super-slow motion, captando cada pormenor, cada gesto calculado, cada olhar no olhar de outro. Sentiu-se deslocado. Subitamente apercebeu-se de que não era desta forma que teria de enfrentar os seus medos. Revoltou-se consigo mesmo por tamanha fraqueza de alma. E aquela música não pára! António escutou-a, vinha em crescendo, sempre a subir, sempre a falar com ele, sempre a aclarar-lhe a mente.

Então, viu-a!

Por uma nesga de corpos, António viu o olhar de Luísa fixado em si. Um olhar indefinido, tal qual o era a razão por que aquela mulher ali estava. Tal como ele, ela estava deslocada daquele tempo, daquela noite. Luísa, aconchegada na sua sombra, viu naquele homem a procura que tanto desejava, e no entanto, não queria que ele a procurasse. Mas a sua alma já pulava de alegria! Tira esse olhar de indefinição e mostra-te! Não vês que ele é igual a ti?

António percebeu que ninguém a olhava, tal qual ninguém o olhou a si, apesar de estar a escassos passos de ninguém.
Ela era igual a ele!
Ambos eram transparentes no sentir, sem luxúria, sem fingimento. O disfarce que cada um trazia colado ao corpo, não disfarçava a genuinidade do seu ser. Por isso eram invisíveis aos disfarces que por ali se vangloriavam. Que quem não sente não alinha o seu ser! Ao pensamento afloraram-se-lhe as notas do acordeão, sim, agora tudo fazia sentido! A música estava no seu apogeu. António sentiu chegado o momento! Era só um passo, o primeiro!

Foi então que um gato miou.
 
D'outras Noites: António e Luísa e os gatos da rua parda

Sobre cigarros e homens

 
O cigarro pende preguiçosamente entre meus lábios. Está apagado, claro. Há muito que sou um ex-fumante. Já se passaram quase 2 semanas sem cigarro. Duas semanas que para mim duraram mais do que o Império Romano.

"Pare de perder seu tempo - ou melhor, nosso tempo", ouço em minha cabeça.

Retiro o cigarro da boca e o coloco de volta ao maço. Ele, o maço, está quase cheio. Foi o último maço que comprei. Em vez de atirá-lo na lixeira quando resolvi parar, achei melhor mantê-lo por perto. Se foi para provar que a mente é mais forte que a carne, ou se meu subconsciente duvidava de minha capacidade de largar o vício, não sei. E, sinceramente, não importa. Duas semanas. Isso que importa. Fodam-se os romanos.

"Duas semanas miseráveis, se me perguntar. E o que você tem pra mostrar? Nada!", a voz mais uma vez intercedeu.

Atirei o maço pra cima da mesa. Estou deitado no chão da cozinha. O chão está tão frio que fez meus testículos enrugarem de tal forma que achei que fossem esgueirar-se pra dentro do meu corpo. Vejo uma barata grande e nojenta na parede, parada sobre uma mancha amarela de gordura. Alheia ao meu sofrimento.

"Já se perguntou como deve ser fumar uma barata?". Certo, isso está ficando estranho. Preciso de um banho.

A água fria me atinge como uma marreta, exorcizando meu corpo de todos aqueles pensamentos. Ao menos por alguns segundos. Fecho o chuveiro, apanho a toalha e saio. Antes que possa começar a me enxugar, me ajoelho na frente da privada e vomito o pouco conteúdo do meu estômago. Recosto-me na parede e passo as costas da mão sobre meus lábios. Estão secos e machucados. A mania que sempre tive de os mordiscar havia se intensificado nesses dias sem cigarro. Preciso tirar esse gosto de vômito da boca. E, para isso, nada melhor do que...

"Do que um... Do que um... Vamos, vamos."

Um copo de refrigerante.

"Ora, vamos..."

Sim, é isso. Corro para a cozinha, molhado e seminu. A barata ainda está lá, e sua presença agora me parece jocosa e ofensiva. Apanho a garrafa de coca-cola, um copo e vou para a sala.

Bebi a garrafa toda em menos de vinte minutos e fiquei enjoado. Volto ao banheiro. O maço de cigarros estava sobre a pia. Eu o apanho.

"Eu te perdi mesmo, não foi?"

Sim. Estendo o braço sobre o vaso sanitário. Fecho minha mão em volta do maço o mais forte que consigo. Assim fico por um ou dois segundos, e então abro os dedos. O maço cai pesado, direto para o fundo da privada. Segue-se um longo e doloroso adeus. Puxo a descarga.

Minha cabeça dói. Preciso dormir. Mas antes vou matar aquela maldita barata.

"Se disserem que nunca te amei
Saberá que estão mentindo"

- The Doors, L.A. Woman
 
Sobre cigarros e homens

'SPELL'; CAMINHO D'UMA PERSONALIDADE DESVIADA

 
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...mas;
Diz a lenda, que outrora; coruja, abutre, águia e corvo eram utilizados pelas bruxas más, que os agregavam aos seus interesses alquímicos malévolos, e por sadismo, satisfaziam seus egos diminutos e deturpados alimentando-se de outras aves silvestres, vivas...
Iletradas, sim, eram, não perdiam tempo com contos e poesia de versos bons; dedicavam-se unicamente às maldades, aos maldizeres e por esse motivo viviam geralmente associadas a antipatia, ao enxofre do pântano, a má vida e má sorte, desprezadas até o fim, à época, na fogueira, hoje; bastando o desprezo, e um olhar desviado. Saibam, elas ainda existem, só que nesses tempos contemporâneos sem porções e caldeirões, se mostram pseudo protetoras, ativistas, feministas e os escambaus... Umas até aparentam alguma beleza, comum, outras, só porque sem a habitual verruga no nariz se acham belas no País das Maravilhas, no entanto, horrendas de interior, ignóbeis, cerne duro, e com as mesmas almas traduzidas pela lenda; enrrugadas, obscuras, falsas, sádicas, iguais as das bruxas do passado... Difícil distingui-las de pronto, mas se atento, ao se dobrar as esquinas penumbrais, calçadão descalçado beira rio camarajipe, pelourinho, ou até mesmo deambulando disfarçadas em sites de poesia; as encontraremos lá, quais gralhas em voos furtivos, durâmens metamorforseadas de gente...
O 'spell' agora em sinistro é a tentativa da provocação, o maldizer, a mentira, as insinuações, a aproximação oca tendenciosa e encurtada para que suas línguas ferinas não errem o alvo com suas vãs e toscas palavras, envenenadas...
Tenho pena desses pobres seres nas infalíveis mãos de Oxalá!
 
'SPELL'; CAMINHO D'UMA PERSONALIDADE DESVIADA

A Morte da Poesia

 
A Morte da Poesia
by Betha M. Costa

Morreu a Poesia levando ao desespero o Poema, seu mais puro e belo representante na Terra.

De luto, os ventos destelharam céus, lançaram ao mar todas as estrelas e demais astros. Fez-se grande escuridão.

Os mares revoltados quiseram subir até as mais altas montanhas, mas tanta era a tristeza, que eles escavaram com suas águas as profundezas do planeta e lá se esconderam para que ninguém mais os apreciasse.

Como efeito dominó os vegetais retornaram ao seio da terra, os animais calaram-se e se abrigaram em tocas.

Os humanos ficaram com um imenso buraco no coração. Perdidos dos seus sentimentos, não conseguiam se expressar uns com os outros, por que as palavras perderem o alinhamento e suas vozes eram incapazes de propagar sons.

A Poesia linda e pálida estava solitária no seu esquife ornado de orquídeas roxas. O Poema em prantos - por saber ter perdido para sempre sua musa inspiradora – ajoelhou-se ao seu lado cheio de lamentos de paixão. De repente escutou bocejo longo:
- Huááááááá!...Confusa a Poesia se sentou no ataúde a perguntar o que acontecera.

Sem que ninguém dissesse palavra os mares saltaram verdes e azuis das entranhas do planeta e cuspiram de volta ao céu todos os corpos celestes.

Os campos se vestiram de verde, as flores coloriram e perfuraram seus espaços, enquanto as árvores entrelaçaram suas copas e os animais se espalharam como se estivessem no Jardim do Éden.

Os homens e mulheres soltaram vozes em canções e em tantos versos, que apenas naquele instante foi escrito uma quantidade inigualável de livros.

Assustado o Poema perguntou a sua amada:
- Ó bela, não estavas morta?

E recebeu como resposta:
- A Poesia nunca morre, pode ficar sonolenta e às vezes até dormir sono profundo por muitos dias, mas sempre voltará mais forte e inspiradora que antes!
 
A Morte da Poesia

FOI O DESCASO...

 
FOI O DESCASO...
 
Diante do espelho,
Olho no olho!
Via no seu cristalino.
A alma de um felino!
Uma fera ferida...
Buscava guarida,
Pois o seu olhar revelava-se;
Refletia o que sentia no âmago,
Lembrava-se da dor que sentiu
Quando partiu seu amor;
E no vago do seu pensar
Veio-lhe um grande tremor!
Como esquecer aquele dia?
Quando seu mundo era só alegria,
Quando então de repente
O sono profundo. Como entender?
O que fazer? Foi o descaso...
 
FOI O DESCASO...