Crónicas : 

As doenças do mundo ( Síndrome de Kafka )

 
Uma contagem regressiva começou, os números estão correndo de uma maneira alucinante, uma bomba está prestes a explodir na cabeça do mundo.
Talvez fosse a intolerância, talvez a falta de humanismo, talvez a falta de respeito, não se explica o descaso coletivo que contamina cada vez mais os humanos.
As desgraças hoje estão estampadas nas vitrines mais vistosas, propagando o lado ímpio do homem, assassinatos, tragédias, escândalos, crimes de diversos tipos, lideram as capas das manchetes, vemos, ouvimos e lemos todos os dias as mesmas noticias, e o pior, é que nos acostumamos com elas, como seria a sensação de presenciar uma noticia boa? Um avanço na medicina, trazendo a cura para uma doença maligna, um acordo de paz, acabando definitivamente com as guerras, o resultado positivo de uma campanha, livrando os países pobres da fome e do descaso, a descoberta de um manuscrito antigo trazendo uma mensagem de luz, quem dera uma boa noticia pudesse surgir agora.
Quanto dinheiro é jogado fora, os gananciosos não se contentam com pouco, querem sempre mais, não se preocupam com os outros, não estão nem ai para as dores do mundo, o mais importante é sustentar uma vida de luxos e aparências, criar um pequeno mundo coberto por uma cúpula de cristal, porem tão suja e fétida quanto uma valeta.
Os miseráveis, ou os famintos do mundo, e famintos não só por falta de comida, mas por falta de ensino, de remédios, de escolha, de oportunidade, de liberdade, de justiça, de atenção, de que adianta encher a barriga em um dia, e no outro morrer de febre, ou simplesmente explodir junto com uma bomba, não!! são apenas noticias corriqueiras, porque se importar com isso, é a volta do pão e circo, as arenas estão espalhadas por todo o globo, propagando um vasto discernimento .
Os famintos do mundo são como Gregório, personagem principal do livro de Franz Kafka, a metamorfose, que conta a estória de um humano que acorda de um pesadelo horrível, e se encontra transformado em uma barata, no principio, os pais e a irmã tentam de uma maneira desesperadora, ajuda-lo, o pai o tranca em um quarto, a irmã leva comida para ele, a mãe, por não suportar a aparência repugnante do filho, tenta evita-lo, Gregório mesmo estando em forma de uma barata, continua tendo os mesmos sentimentos de um humano, e sofri, com o tamanho descaso de sua familia. Mesmo vivendo trancafiado em um quarto, Gregório tem esperança de um dia voltar a ser como era, e nessa ilusão, ele encontra pequenos prazeres, onde o maior deles é ouvir a conversa de seus familiares, quando reunidos no jantar. O tempo passa e Gregório não se torna humano, e aos poucos sua familia vai se esquecendo dele, continua a comer restos, o quarto que vive, não é mais limpo, aos poucos o gigantesco inseto vai desaparecendo na escuridão, certo dia, a porta do quarto, por um descuido da empregada, se abri, e Gregório, entediado daquele pequeno mundo, resolve sair, quando ele botou a cabeça para fora, foi surpreendido pelo pavor da mãe, ao vê-lo naquela forma horrenda, e pela ira do pai, que em sua fúria, começou a jogar maças no filho, Gregório foi atingido, ferindo-se brutalmente, frágil e indefeso, voltou para sua prisão, passaram-se mais algumas semanas, na casa ninguém falara do acontecido, até que um dia, estranharam o silencio que havia se sucedido, não ouviam mais o ruido que Gregório fazia quando comia as hortaliças, nem o barulho que fazia quando ficava pendurado no teto, depois do suspense, a empregada tomou a iniciativa de abrir a porta do quarto, quando a porta abriu-se, um odor fétido de comida podre exalou no ar, e ao entrarem os primeiros raios de sol, rompeu-se o silencio com um estrondoso grito de alegria, Gregório estava morto, com seu corpo ressequido, estendido no chão, os pais e a irmã de Gregório sentiram-se aliviados por terem se livrado daquele fardo, sem perder tempo, a empregada foi logo tratando de limpar a sujeira, como se nada tivesse acontecido.
Aqui na realidade, isto é pior, simplesmente porque aqui, os famintos do mundo não precisam se transformar em baratas para serem esquecidos ou desprezados, basta apenas serem humanos. Essa epidemia, essa cólera que se impregna cada vez mais em nosso mundo, só terá cura, quando as vacinas de amor e de compaixão forem aplicadas com doses mútuas de boa vontade, mas acredito que isto vai demorar muito para acontecer, talvez nem aconteça, talvez fosse melhor sofrer uma metamorfose.





Sandro Kretus

 
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Kretus
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