Poemas : 

Sem título(68)

 
Mato-me hoje?

Suicido-me amanhã?

Morri ontem?

Estou desnascendo agora?

Sepulto-me já?


Em quantas horas a pira crema o meu cadáver?

Em quantos ínfimos quasares durou a vida deste amor?

E quanta vida eu levo nesta morte anunciada?

E quanta terra e mar se rebolam nas minhas estéreis cinzas?

E quanto imperfeito amor deixo na terra das máscaras?

E quanta dor e metástases alheias devorei na fome de querer mais?


Sou perdão em último estertor?

Dou franco o peito ao aço nas costas?

Dou o mel no retorno do fel?

Entendo mas não compreendo?

Fujo mas presente me eternizo?


Precipito a resposta

Refuto certezas no decantar de turvas aragens

Incendeio a neblina com o gelo de indiferenças várias

Opaco ou corpo de cristal

E firme ou lasso -pouco importa -

Descerro a lápide do meu túmulo

Gargalho na cara da morte

Como na vida nunca chorei por morrer


Dionísio Dinis

 
Autor
Dionísio Dinis
 
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Enviado por Tópico
goretidias
Publicado: 15/04/2007 21:38  Atualizado: 15/04/2007 21:38
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Usuário desde: 08/04/2007
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Mensagens: 1237
 Re: Sem título(68)
De qualidade incontestável, porém demasiado triste! Um abraço

Enviado por Tópico
Mel de Carvalho
Publicado: 15/04/2007 21:43  Atualizado: 15/04/2007 21:43
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Localidade: Lisboa/Peniche
Mensagens: 1562
 Re: Sem título(68)
Dinis,
Este poema conseguiu prender-me da primeira à última linha. Sofrido, dorido e, contudo, profundamente belo.

"Mato-me hoje?
Suicido-me amanhã?
Morri ontem?
Estou desnascendo agora?
Sepulto-me já?"

A dictomia entre diferentes formas de dizer adeus a um tempo, chamado vida, "estou desnascendo" envolvem-nos e conduzem-nos ao longo de todo o teu explanar ...

Manifesta-se de novo, um poema dictomico e arrebatador, nas estrofes
"Opaco ou corpo de cristal
E firme ou lasso - pouco importa - "...

Gostei, Dinis. Mesmo muito. Desejo-te o melhor!