Corre Coração
Corre no pensamento coração, corre...
Corre neste entardecer sem brilho, e exaustivo,
Arranca-me o fôlego que te manterá vivo,
Oculta-te na dor da escuridão que morre!
Avança sem tropeços no passado,
Sem descanso na guarita da saudade,
Sem guarida ao torpor que o peito invade...
Corre, não te permita entregar-me derrotado.
Incontentado, saberei manter-te o impulso
Quando o percurso do vigor dos meus desejos,
Em devaneios doridos por reprimidos beijos,
Morrer-me na esperança, e de ti ver o amor expulso.
Corre então em meu lamento coração, corre...
versos e Versos
Versos e Versos
La adiante, além cúmulos e montes,
Extraviado na linha turva da exceção,
Vêm-se, fixando o olhar no horizonte
Intuitivo e permeável da razão,
Com sentidos em debandada,
Os versos derreados, feridos,
Da razão própria baldarem perdidos.
Célere o esmeril da popular idade
Em limalha inservível os destina,
Cridos ébrios resolutos, à iniquidade
Da imane abjeção e chacina
No roto senso de gírias desgastadas,
E as palavras ao pó sem brilho atiradas
Rasuras fixas em páginas de ruínas.
Heroicas páginas inquiridas, reticencia
Entre o branco das poéticas emoções,
A inundação digital da ineloquência,
E as rasas e chulas interposições
Da verve das esquinas do moderno,
Que, sem culpa, sem honra ou galhardete
Nos anais montam guardas de enfeite.
La, porém, além-túmulos e fontes,
Ainda além da linha turva da exceção,
Em porfia, contumaz, no horizonte
Afortunado e permeável da razão,
Do brilho em versos a garantia ecoa
Em Florisbela e Vinicius, em Sophia,
Em Luís de Camões e Fernando Pessoa.
Viajante no tempo
Conduzir-me há no tempo o que sei e sou,
Sinfonia amalgamada do alfabeto a erudição
Fonte rutilante de aurorais memórias e gratidão,
Que no verniz de polida imagem o saber cumulou.
Conduzir-me há no tempo a luta que não findou,
Na vertente do cansaço e das derrotas do coração,
Não por frágil que fosse e sim pelos afrontados “não”
No pretérito desposar da felicidade que faltou.
Conduzir-me há no tempo os acordes da canção
Da fé desfalecida na fragilidade dos membros
E acolhida na residente têmpera do espírito,
Transudada em vigorosa couraça e proteção
Conduzir-me há no tempo a coragem restante
De voltar a crer no amor, o fiel do destino,
Que descura a glória e acura o níveo toque d’um sino,
Como esponja dos desatinos do infiel errante.
Conduzir-me há no tempo o arguto olhar d’um vigilante,
Ainda que, deste Santo tempo, o mais infiel viajante.
Gota de orvalho
Descida do firmamento
Em movimento recamado,
Com suavidade e leveza,
Ao belo soma ornamento
Pelo céu estimulado.
Úmida, maternal, sem pecado,
se deita sobre arranha gatos,
Sobre ramagens e flores
E em ritmo contínuo e calado,
Transcende em altar os matos
É pérola inimitável
No seu estar passageiro,
Tal e qual o pensamento,
Que no tempo insaciável
Do presente é prisioneiro.
Viça pelas manhãs a rosa
E depõe-se no dia ao meio,
Mas, se o sol a quer enxuta,
Ao balanço da flor viçosa
Esparge sem ter receio.
Em folha seca pousada,
Brilhante qual passageira,
Úmida gota de orvalho,
Anuncia nova ramada,
Primavera alvissareira.
Ah, Déa de efêmera glória...
Celebrando seu estar solene,
O orvalho por ti se enluta
E a rosa tem na memória
O beijo que a faz perene.
Vigília
Procura o olhar da Luz o brilho
Na cinza agonizada que esfria,
Oculta, irrefletida, sem vida, sem sentido;
Pirilampo revoado ao clarão do dia;
Candelabro à escuridão rendido.
Da mesma luz branca o coração procura
O fluente brilho, dantes denso e quente,
Para emprestar às sombras regenerada alvura
E aquecer a face fria do presente
Na cela, as paredes mudas e frias
Aprisionar decidem a solidão da hora
E as moribundas certezas em pele e pano
Revelam-se falsas pérolas, sem demora,
Na prontidão do presente soberano.
Alertados todos, auscultam os sentidos;
À soleira o inimigo espia.
É noite, noite tardia e a flacidez ausente.
O silencioso coração que por si não pulsa
Silencioso, provado, mas presente,
Dos ritos pontuais sobe à gávea e vigia
Por sobre as ondas dos desertos temporais
E franqueia ao mar aberto da solidão tardia
A alma criança que ora... E vigia... E ora mais.
Acaso amas?
Vindo por essa trilha
trilhando o mesmo caminho
avistei um passarinho
preso numa armadilha.
A pena se me abateu!
Cuidei-lhes as feridas
em meio a penas partidas,
dialogando, ele e eu.
Já estando por ir embora,
disse-lhe que por tal maldade,
pelo privar da liberdade,
até o ser humano chora.
Fitou-me com caridade,
mas também com altivez,
indagou-me se o homem, talvez,
sabe o que é liberdade.
Sim, respondi de pronto,
com o melhor sorriso que tive,
- É assim que o homem vive,
livre como me encontro.
Ai veio seu argumento,
em suave tom sibiloso
com seu olhar amoroso,
e eu ouvindo atento:
“Pode o homem pensar,
pode sorrir,
pode até sentir.
e também sonhar!”
“Porem de tudo que sente,
dos seus sonhos e seu pensar,
pode livremente falar,
ou tem vezes que mente?”
“Como livre ele se enxerga,
quando dele brota cobiça,
e o paladar o eriça,
e o possuir o cega?”
“Preso está a cordas tensas,
das soberba e vaidade,
do sexo e da iniquidade,
e diz-se livre!... Pensas!... “
“È assim a liberdade?
Um cálice de crenças,
um feixe de diferenças,
uma trouxa de saudade?”
“Sentem-se livres por ir e vir
por comer e beber,
por dormir até o sol nascer,
mas serão livres pra servir?”
“Pois afirmo sem enganos
Pra conhecer a liberdade
Só resgatando a idade
da soma de todos os anos.”
“Está no supremo penhor,
de Deus quando tudo criou,
que por nós de ser livre deixou,
E Se fez Prisioneiro do Amor”
Então a mim me perguntou,
firme mas com meiguice,
e antes que perplexo eu partisse,
bateu asas e voou:
“Livre, pois, porque te chamas?
Acaso em alvas nuvens fluís?
Por ventura sempre ris?
Acaso amas?”
Ainda que te negue...
Ainda que o penar te negue
Ainda que de ti me esconda
Na ronda cantada dos pássaros
O amor em ti me sonda, me segue.
Ainda que a cerração te esconda
Ainda que por meu sol te negue
Inspira-te o pulmão no salso aroma
De Ti exalado pelo mar nas ondas
Ave que em sublime gorjeio,
Minh’alma arrancas da noite
E a adornas, consolas e acalma;
Atenuas-lhe o açoite, reforças o enleio.
És abrandamento em meu penar
Sendo sentidos, ele, a te ouvir
Em cantata de amor na natureza!
Nela não hei Te trair nem negar
Quedado, nem mais amor te peço,
Por saber, Te peço, saber amar,
Até sentir o coração em chamas
E nelas arder por amar em excesso
Nem ofertar-me mais dons te peço,
Só peço-te o dom de saber ofertar
Ofertar da noite o tremor e o medo
Do dia os segredos do Amar que professo.
Soneto ao amigo
No ar, e mais que no ar, n’alma cativa,
No perene presente permanece
Da amizade sincera, expressiva,
Perfume dum jardim quando amanhece.
Num crepitar em roxas o amor ativa
E o borralho do tempo só aquece
A amizade que em lida não esquiva
De amar e dar de si em muita prece
Pras feridas arrebanhadas ao cilício
Até do enfrentamento já passado
Não há melhor remédio ou abrigo.
Merecer, pois, grandioso benefício,
É, a nós, o maior bem já ofertado:
Sentir, ao nosso lado, um amigo!
A Rede ...
Te desespera a espera de ti
Depois de agora pior não ser?
Te devora esta demora que ri
Dos males tidos que almejas não ver ali
Onde chegar desejas com ardor poder?
Sim; oportuna idade a tiveste e tens a
Ainda se em após iminente parecer-te vã.
Ages! Pagas as pagas que insurge lá
No “face” e apaga no ato toda ação má;
Ora novo, de novo agora te seguirá o fã
Renova a “rede” não a si; o que se lê.
Em si, ato imediato, um mero fato
É um barato se de fato clicam você
E o ato, que nem o era, viraliza e o mundo vê;
Não te demora, após agora, o louro abstrato!
Só ...
Só, no morno ninho da esperança,
Factual princípio no éter da existência,
Aguardado pendor de inteligência,
Afronto o sorvedouro incógnito da vida...
Só, na contenda de sobreviver criança,
Adentro a ermida.
Só, fendendo a massa trapaceira e proba,
Andejo incerto de infindas veredas, ardidas
Nas insidiosas chamas da iniquidade,
Mitigando no vinho as marcas das feridas...
Só, rondando a toga da justiça, como quem rouba,
Atinjo a maior idade.
Só, sob a mortal parreira da esperança,
Recolho os raros e róseos bagos da felicidade
No silencio da ocultada brisa do Amor,
Nos insinuantes alísios do altruísmo, debalde...
Só, na porfia de retornar ao ser da infância,
Procuro o Criador.
Só, até que se eternizem em oração,
Ressoantes, no epílogo silencioso da lápide,
Minhas lembranças se apagarão, e a dor...
Assim, completamente diluído, terei por égide
O “renegado” corpo da perfeição:
O Salvador