SOLILÓQUIO
Fiz-me poeta, um dia e, pela vida afora,
Saí cantarolando coisas da alma pura.
Em tudo via graça e cor e formosura...
Desiludido e só, diante do espelho, agora
Escuto de minh’alma a voz de escárnio, dura:
- “Por que não cantas essa dor que te devora ?
Enalteceste o amor, cantando à vida, outrora,
Agora canta!... Agora canta à desventura!...”
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Alma infeliz que sou!... Por que te afliges tanto?
Ninguém pode ascender sem conhecer o pranto!
Que eu sorva, agora, o fel por dádiva, também!
Tisnem-se os dias meus, venham os dissabores!...
Que amargue, miserando, as merecidas dores!
Hei de saber vencê-las e seguir além...
(Do opúsculo "Oásis de Luz", de Sersank)
(Direitos autorais registrados e protegidos por lei)
Imagem: Saint Francis in ecstasy, de Francisco de Zurbaran
AS NOITES ACABAM NUM DIA
Em vez de estrelas, recontros
e sonhos a noite escura
teve imagens de outras tantas
dissipadas na aventura.
Reixas de esquinas e becos.
Sussurros. Risadas. Brados.
Tredos e turvos olhares.
Delitos dissimulados.
Pesando-lhe aos ombros,
um gênio maldito
gritara-lhe: - Volta!
Inútil seu grito.
Longe dos lumes dos lupanares,
Sabia ser tarde. Recuar, estultícia...
Ao som dos seus passos de fera exaurida
ladravam os cães, evocando a polícia...
Ao vento emergiram, informes, calados,
extintos afetos de um tempo esquecido.
Ao vento vagaram, despedaçados,
excertos de dramas, paixões sem sentido.
De roupa surrada e soturno semblante,
lembrando avantesma do além foragida,
seguiu sem voltar-se, um único instante.
Qual soterrado que emerge do túnel,
banhou-se do sol que escarlate surgia.
Novo rumo no horizonte,
por mais árduo, seguiria...
"A maior revolução de nossos tempos é a descoberta de que, ao mudar as atitudes de suas mentes, os seres humanos podem mudar os aspectos externos de suas vidas."
William James
(Filósofo americano, fundador da escola pragmática)
TROVAS DA MINHA SAUDADE
I
Já faz uma eternidade
Que te afastaste de mim.
Mas, no Livro da Saudade
Nossa estória não tem fim.
II
Nem me fale de saudade!...
Não me lembre o que passou!
Acabou a ingenuidade.
Acabou tudo. Acabou.
III
Na magia da saudade
Tudo fica diferente:
Gigantesca sombra invade
O reino d’alma da gente.
IV
Sombra da nossa vontade
Querer que ensombrece a mente...
Se não contida, a saudade
Ensombra a vida da gente...
V
Deter o tempo é impossível.
Desafiá-lo, quem há-de?
O tempo é um deus irascível
Que jamais sentiu saudade.
VI
Que grande a infelicidade
De quem não tem bem-querer!...
Partir sem deixar saudade...
Morrer, de fato, ao morrer...
VII
Tudo o que é ‘felicidade’
Na saudade tem raiz.
Quem não sabe o que é saudade
Não saberá ser feliz.
VIII
Não sei qual a mais pungente
Das saudades que hoje sinto:
Se a do extinto amor, recente,
Se a do antigo amor, extinto.
IX
Tentei matar as saudades.
Tentei matá-las. Tentei.
Nasceram novas saudades
Das saudades que matei.
X
Não maldigas da saudade
O aguilhão que te aniquila,
Pois, mais triste que a saudade
É o não ter por quem sentí-la...
XI
Esquecida na saudade
Viraste sombra. Sumiste.
Hoje é outra a realidade:
Eu e a tua sombra triste.
XII
Sigo a estrada da verdade.
Levo amor, paz, alegria.
Sou escravo da saudade
E a esperança é que me guia.
XIII
Saudade... Estações vividas...
Lembranças tornadas ais.
Imagens, talvez perdidas
P’ra sempre... p’ra nunca mais...
XIV
Desencontros... Desencantos...
Quem não os teve, jamais?
Promessas, ósculos, pranto...
Adeuses e... nada mais.
XV
Ébrio de amor e saudade
Eu choro e rio sozinho.
Um dia, a Felicidade
Andou pelo meu caminho...
(Do livro "Trovas de Sersank")
(Direitos autorais protegidos por lei)
(Probida a reprodução sem citação da fonte e autor)
BILHETE PARA NÃO SER ENTREGUE
Os dias passam depressa,
bem mais depressa. É ruim,
pois soube que tens saudade,
que perguntaste por mim...
Eu temo: depressa os dias,
meus dias, chegam ao fim.
Será que hei de te ver-te ainda?
ah, minha esperança infinda!...
Meu doce amor!... Ah, se, enfim,
tiver-te à frente, direi
que desde sempre te amei,
que sempre hei de amar-te, assim:
mesmo que vivas distante,
mesmo que esqueças de mim...
(Da coletânea "Estado de Espírito")
Amor que llegas tarde,
tráeme al menos la paz:
Amor de atardecer, ¿por qué extraviado
camino llegas a mi soledad?
Dulce María Loynaz ( Cuba)
LA BALADA DEL AMOR TARDÍO
GRAVURA
Ecos de antigas tragédias
presos nos ermos penhascos,
na melodia dos cascos,
a noite os cala, encantada....
Na melodia dos cascos,
o carro outros sonhos leva.
Outras mãos prendem as rédeas.
E a lua ainda banha a estrada...
(Antigo prato de porcelana chinês, ilustrado)
Da coletânea "Estado de Espírito", de Sersank
UM HOMEM MORRE DE FRIO
Nos braços de Morfeu queda a cidade.
Gélida avança a noite sob o vento
Que zune açoites, bravio.
Por leito e barricada andrajos tendo,
Num canto, ao pé de arranha-céu imenso,
Um homem morre de frio...
Agonizando, ali, talvez delire,
Vendo os pedestres últimos, em busca
Do leito morno, macio...
Talvez, sinta-se um deles, por momentos...
Um homem desses, livres das algemas
Do destino. Ah, desvario!...
Morre indigente. Já não mais lhe ocorrem
Reminiscências de melhores dias.
Não tem mais traços de brio.
Distantes sons de uma boate em festa
A custo põe-se a ouvir. Perdem-se, agora,
No seu imenso vazio...
Nem todos dormem. Ornam-se de luzes
Os altos edifícios. E eis, um carro
Pára junto ao meio-fio.
Traz de Mammon uns súditos restantes
Que, indiferentes, tiritando e rindo,
Vão-se com seu vozerio...
Ensaia erguer-se; embalde, embalde tenta...
Thanatos já, movendo as longas asas,
O envolve, terno e sombrio.
À volta, entre as paredes, que ironia:
Há tantos indivíduos que se abraçam
E tanto leito vazio!
Bem cedo hão de encontrar-lhe o corpo, inerte.
Hão de exprobrar-se, por negar-lhe auxílio,
num gesto inóquo, tardio...
Talvez, alma remida, ao sol do Além planando,
Não mais proscrita, logo exulte e louve
O Averno da crosta, frio...
“- Coitado!”... “- Oh, que infeliz!"... “- Quem era ele?"
“- Um ébrio, com certeza". “- Um andarilho."
“- Um réu, talvez, arredio"...
Descerrem seus portais, guardiões do Inferno!
Estendam o seu fogo ao mundo infrene!
Um homem morre de frio...
(Da coletânea "Estado de Espírito" - Sergio de Sersank)
"E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes."
Mateus 25:40
DOS ASPECTOS DA DOR
I
Por mais pungente é abstrata
a dor que nos outros vemos.
A dor que mais nos maltrata
é a que na carne trazemos.
II
Decrescem, se constatadas,
não raro, as dores descritas.
Mas, as dores fabricadas -
cuidado! - agravam desditas...
III
Ninguém a quer. Não nos tenta
seu poder transformador.
Deus a tem por ferramenta.
Nós a chamamos de ... Dor.
IV
Nenhuma dor, por mais forte,
é tão pungente em seus ais
quanto a de quem vê na morte
a noite do “nunca mais”.
(Da coletânea de Sersank)
Leia mais de Sersank no blog "Estado de Espírito"
http://sersank.blogspot.com
PARTIDA DE XADREZ
" – O mundo – certa vez me disse alguém –
é um palco de vitórias e fracassos.
A vida a nos cobrar prudentes passos
é um jogo de xadrez, pensando bem."
Sei hoje quanto de verdade tem
a analogia, embora indefinida.
Viver é um desafio, uma partida
que disputamos sem saber com quem.
A tática, a estratégia de batalha,
o avanço, o retrocesso, o acerto, a falha -
os atos bons ou maus - são nossos lances.
Mal jogador que sou e já sem chances,
o duro “cheque–mate” esperarei.
Perco a partida, mas não tombo o rei.
(Soneto composto em 1971)
Sergio de Sersank
http://sersank.wordpress.com
“No xadrez, como na vida, um erro induz a outros”
Siegbert TARRASCH
Crédito da foto:
http://3.bp.blogspot.com/_BKAx03Ssg2s ... 4Hao/s1600/HumanChess.jpg
HAIKAIS
Holocausto
Jamais uma rês
Suspeite o custo do pasto.
Sacie-se em paz!...
Definição
Amar não está
No prender-se ao que se quer.
Amar é se dar.
Sonho de um novo milênio
Ensarilham armas.
Erguem pontes, rompem muros.
Elevam-se os homens.
Intuição
Porque dos astros egressos,
os astros nos lembram
os que nos deixaram.
Vandalismo
Duendes co’a brisa
passam, desfolham as rosas
e, a rir, vão-se embora...
Sensatez
É apenas detalhe
o abutre no campanário.
O céu está azul.
Gravura
Senhor do seu poderio,
na tarde de estio,
o sol se banha no mar.
(Do livro "Estado de Espírito", de Sersank)
(Direitos autorais registrados protegidos por lei)
INSCRIÇÃO NA LÁPIDE
Não creias tudo acabe sob a lousa fria
Da terra que recobre os despojos carnais.
Nada sabe de Deus quem supõe “fantasia”
O haver vida abundante nos planos astrais.
Fita os astros no espaço. Ouve: que sinfonia!
Ciclos e mutações em pautas magistrais!...
É a razão quem nos fala da Sabedoria
Que sustém o universo e nos fez imortais.
Retrocede no tempo... O Evangelho do Mestre...
Redivivo, Ele torna ao cenário terrestre
E se faz a Esperança nos lares da dor.
Ergue os olhos ao céu d’onde todos provimos:
Pelo espaço e no tempo, viajores, seguimos
Para a glória da luz e as benesses do amor!
Sersank Kojn
Soneto classificado em 1º lugar no I Concurso de Poesia da ARTE POÉTICA CASTRO ALVES, de São Paulo, Capital, Brasil, em abril de 1991.