Poemas : 

Inútil

 
Tantos nascerão ou morrerão nesse tempo poema
Enquanto a lua perambula sobre as ruas desertas
Na margem do rio que levou minha inocência mar
Ouve-se um uivo lobo ecoar na sua natureza crua

Renasci por vezes em cada madrugada longínqua
E na aurora essa saudade flor ainda nasce lá fora
A assistir velhos sonhos em filme puro kodacolor
Celebro meu prazer de sentir mais do que pensar

Sussurro segredos inquietos ao vento antes de ir
Por caminhos orlados de crisântemos multicores
Para escapar do labirinto, tu e eu de mãos dadas
A recitar versos sem palavras imersas em solidão

Esboço nossa história no chão de terra crestada
Sem me olvidar a diversa arquitetura das nuvens
Nosso claro suor, cai às gotas sobre a dura pedra
Somos menos ilusórios se na dicção dos pássaros

Por trás de uma fatigada retina trêmula e tensa
Pagamos o preço de nossa oposição aos ineptos
Um perambular contra os infensos da gramática
Suas sintaxes obstinadas a devorar emes e esses

Devemos escrever de forma simples, epidérmica
Mas plena de objeto e presa apenas à liberdade
Seguindo menos atento às buzinas que às vozes
Para não quedar-se inútil à margem de si mesmo



"Somos apenas duas almas perdidas/Nadando n'um aquário ano após ano/Correndo sobre o mesmo velho chão/E o que nós encontramos? Só os mesmos velhos medos" (Gilmour/Waters)


 
Autor
Sergius Dizioli
 
Texto
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Enviado por Tópico
ZeSilveiraDoBrasil
Publicado: 08/05/2023 12:46  Atualizado: 08/05/2023 12:46
Administrador
Usuário desde: 22/11/2018
Localidade: RIO - Brasil
Mensagens: 1917
 Re: Inútil
Devemos escrever de forma simples, epidérmica
Mas plena de objeto e presa apenas à liberdade
Seguindo menos atento às buzinas que às vozes
Para não quedar-se inútil à margem de si mesmo


E quando assim cumpre, o ledor, se 'aprochega' com muito mais avidez ao texto. Fazes isto com muita propriedade amigo Sergius.
Meu abraço caRIOca!


Enviado por Tópico
rosafogo
Publicado: 08/05/2023 15:10  Atualizado: 08/05/2023 15:10
Usuário desde: 28/07/2009
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Mensagens: 10503
 Re: Inútil
Intenso poema com um final soberbo, muito bom, adorei ler.

Boa semana para o amigo.


Enviado por Tópico
Alpha
Publicado: 08/05/2023 22:35  Atualizado: 08/05/2023 22:35
Membro de honra
Usuário desde: 14/04/2015
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 Re: Inútil
A vida, esse constante nascer e morrer
A deambular em seus poemas cativos
No esboçar desse persistente percorrer
Onde abundam infindos mortos vivos!

A inutilidade que se adensa e cobre em ondas de oceanos perdidos cujos labirintos vão trucidando cantares por mais melodiosos que sejam!


Enviado por Tópico
HorrorisCausa
Publicado: 09/05/2023 07:58  Atualizado: 09/05/2023 07:58
Administrador
Usuário desde: 15/02/2007
Localidade: Porto
Mensagens: 3598
 Re: Inútil p/ Sergius.Mr
olá Sergius
"nada é mais inútil que a própria inutilidade"

de inútil, perdoa minha ignorância, não vejo inutilidade alguma neste teu escrito, apesar de tantas vezes valorizar.se coisas inúteis que em nada acrescenta. e já estou em divagações inúteis (rsrsrs) só para te dizer que desde o primeiro verso ao último "nasci e morri nesse tempo poema"

atenciosamente
HC


Enviado por Tópico
Gyl
Publicado: 09/05/2023 12:11  Atualizado: 09/05/2023 12:12
Usuário desde: 07/08/2009
Localidade: Brasil
Mensagens: 16075
 Re: Inútil
Aprecio esse lirismo leve, essa metalinguagem, a meta na língua escrita e a forma bonita e poética do poeta ao expressar o que vem de si, o que vem da alma, tecido no âmago. Destaco esse trecho que pareceu-me um espelho:

"Devemos escrever de forma simples, epidérmica
Mas plena de objeto e presa apenas à liberdade
Seguindo menos atento às buzinas que às vozes
Para não quedar-se inútil à margem de si mesmo".