Alinhando as estrelas
Saiu da sala de jantar. Ninguém reparou.
Desceu alguns degraus e baixou-se para tirar os sapatos de salto alto. Então, desceu o último degrau e sentiu a areia seca tomando-lhe os pés.
Deu alguns passos seguindo o chamamento das ondas.
Sentou-se, pousou os sapatos e abraçou os joelhos.
A noite estava quente e húmida. O vestido branco agarrava-se à pele, do mesmo modo que, a espuma branca das pequenas ondas, se vinha agarrar à areia.
Ainda conseguia ouvir a música tropical vinda da sala e as vozes sem palavras definidas. Tinha sido um jantar muito agradável. Tudo era bom e bonito. Perfeito, se não fosse a sua fome de silêncio e de solidão.
Sentia-se bonita naquela noite, Sentia-se em paz. Mais ainda, ali sentada sozinha. Num ímpeto deixou-se cair para trás e ficou deitada. Olhou o céu azul escuro e viu milhões de estrelas. Definiu algumas constelações.
Tentou definir caminhos de estelas. Complexos caminhos que lhe fizeram lembrar as estradas da vida. Viu as estrelas desalinhadas e iniciou um árduo trabalho de tentar alinhá-las. Pareceu-lhe possível. Mas, nessa noite sentia-se cheia de força. Uma força interior que nem sempre conseguia ter. Com a ajuda do mar, conseguiu mesmo alinhar alguns caminhos. Caminhos seus. Caminhos irreais.
Talvez tenha adormecido. Decerto que sonhou e, só acordou, quando sentiu a presença de alguém perguntando o que fazia ali, tão só.
Não era uma voz conhecida. Não era alguém que a procurava mas sim, alguém que a encontrou. Simplesmente respondeu que estava a alinhar estrelas. Ele sorriu e sentou-se ao seu lado. E só perguntou se podia ajudar…
Por vezes, também gosto de escrever em prosa.
Atrás do Espelho
Atrás do Espelho
by Betha M. Costa
Muitas vezes eu adormeci em calma sobre um rio de lágrimas. Despertei com as mãos envoltas nas dores mais antigas e passei o dia com o olhar coberto de risos.
Por vezes ocultei a melancolia atrás do espelho do banheiro. Prendi ao guarda-roupa perfumado com cheiro do Pará uma ou duas esperanças ressecadas.
As tristezas cerzidas por grosserias, desrespeitos e achincalhes gratuitos, criaram teias de gelo nas minhas cordas vocais. Se pagas, elas me fariam mulher rica em adjetivos lançados ao rosto no propósito de machucar o âmago...
O silêncio tornou-se a minha resposta, pois perdi a noção do diálogo. Não tenho gosto em degelar palavras a quem não tem o interesse de bebê-las.
Muda. Comunico-me somente através do olhar com quem seja capaz e/ou sinta vontade de decifrá-lo.
Sensações digitais: como nasce o poema
Labaredas
abrindo asas
desordem
p’lo trigal do silêncio
mergulhando
e emergindo
dura tempestade
da lembrança
acendendo
novas fagulhas
roçar de espigas
maduras
volteios abissais…
Som seco de um poema
ardendo
pura loucura
nas sensações digitais
A vida de ti em mim
A consciência do silêncio
Na voz emudecida
Retendo as palavras
Loucas, impetuosas
Ansiosas de liberdade em ti
Angustiadas atordoam-se
Encravadas na garganta
Trémula de mim
Os neurónios sensatos
Bloqueia o estímulo
Desejoso de as libertar
Como um sussurro flamejado
Prolongamento tortuoso
de um corpo arrebatado
Bloqueadas em casulos imergem
No oceano inconsciente pulsatil
Provocando vulcões inactivos
De larvas empedradas
No vazio da alma sofrida
Cala-se a voz
Alonga-se o silêncio
Ressoando somente
A vida de ti em mim
Embalada pelo vento
Em ondas sonoras
Com aromas de jasmins
Escrito a 03/12/08
era preciso este vazio
era preciso este vazio
eu tive que morrer
para voltar a viver
voltei por outra porta
ainda não me reconheço
ainda não sei quem sou
apenas sei que aqui estou
mesmo que não exista
já na outra vida
e aqui estou
à espera de morrer de novo…
vá, chamem por mim….
- mas com cuidado para vir devagar
eu não sei se vim pelo mal
Sob o silêncio das curvas...
Sob o silêncio das curvas...
Tento buscar refúgio em meus pensamentos
Desmaio no silêncio do seu coração
E quando a minha música vai subindo em tons suaves
Em forma de oração
Estou sem você, me disse palavras tão lindas, será que deveria acreditar?
Não entendo esse [horizonte] limitado, recuado
Transformo minhas palavras em lágrimas
Em tinta escura que permanece como
Carimbo de tristeza e decepção...
Sonhos? Há os sonhos...
Escorrem pelos gritos desapontados
As cores do meu crepúsculo ficaram desbotadas
Percorro em pensamentos as curvas da vida
E corro novamente para o arco, e me escondo
Mais um silêncio?
Baseado em uma experiencia terapêutica. Aconselhamento.
reduzir a pó os poemas e quem os faz
nos meus olhos o amor se deitou
adormeceu com as memórias de ti
e na cama húmida de lágrimas sonhou
na noite das noites que não têm fim
noite escura onde brilham primaveras
de um ébrio amor de um luar ardente
vindo de céus de estrelas de outras eras
onde dois corpos se amaram loucamente
e no calor da lareira onde me aqueço
queimo paixões de um desejo bem fugaz
nas labaredas de chamas no firmamento
aguardo o tão esperado silêncio de paz
nas cinzas que arrefecem diante o tempo
a reduzir a pó os poemas e quem os faz
"Tantas de mim"
"Tantas de mim"
Às vezes sou precisa como bússola.
Em outras, me perco na vastidão de mim.
Às vezes sou asas imensas.
Em outras, sou chão, raízes firmes.
Às vezes sou âncora segura.
Em outras, um barco a deriva.
Às vezes sou olhar calmo e sereno.
Em outras, todo o espanto nos olhos.
Às vezes, taxativa sou ponto final.
Em outras, um mundo de reticências.
Às vezes, sou o doce do (re) encontro.
Em outras, o amargo sabor da saudade.
Às vezes, a calmaria de águas plácidas.
Em outras, a ferocidade do mar revolto.
Às vezes, sou céu azul e límpido.
Em outras, sou chuva torrencial.
Às vezes, sou cores vibrantes.
Em outras, uma soturna palidez.
Às vezes, sou musica contagiante.
Em outras, abissal silencio se faz.
Às vezes, sou inteira.
Em outras, sou fragmentos.
Às vezes, sou trovas, rimas, e cantos.
Em outras, me calo...
E deixo o silencio falar...
Solidão
.
Solidão
Ah!
esta angústia
de ser
somente
o estúpido ruído
das paredes
à prova de som
Luíz Sommerville Junior
.
"Palavras..."
"Palavras..."
Perco-me quando escrevo...
Me perderia de qualquer forma.
Afinal, tudo é perda...
E calar é muito mais...
Escrevo porque preciso.
Escrever é como droga.
Vício do qual não me abstenho,
e no qual vivo.
É como veneno necessário.
Se compõe de fragmentos
do sentimento.
Nos recantos dos sonhos é colhido.
Das margens bucólicas
dos rios da alma.
Essas águas deixo escorrer
por meus dedos.
Não quero o silêncio...
Por isso...
Que meu coração jamais se cale.
E o que eu não ouso dizer...
Isso ele fale.
E que o faça claramente.
Nunca com ambigüidade...
E sejam suas palavras, como rio
Que incógnito nasceu,
Cuja maré alta transforma em foz.
Glória Salles