trago em mim - recitado (Março 2014)
(com legendas)
31 DE MARÇO, 1974, DEZ ANOS DEPOIS DO GOLPE MILITAR NO BRASIL
hoje, 7 de setembro, data da nossa independência. para todos aqueles que não viram e não viveram a barbárie que foi a ditadura militar no brasil.e dedico também a todos aqueles e aquelas que desapareceram nos porões da ditadura e não puderam contar esta história. triste história.
Uma epígrafe:
"Ame-o ou deixe-o."
slogan imposto pela ditadura. melhor foi deixar, pra não morrer.
mas que me importa a roupa suja do poema
espalhada pelo chão do quarto de dormir?
se a minha vida está por um telefonema
basta - diz que eu não estou desisto de existir
agora esquece - se esconde em qualquer cinema
e caso a pipoca esteja dura de engolir
avisa que eu saí na banda de ipanema
tomei além da conta só pra me distrair
porém se a polícia bater na sua porta
ninguém nunca me viu nem ouviu falar de mim
não sabes baby como isto me desconforta
põe fogo nos livros dói mas tem de ser assim
chegou tarde tarde demais inês é morta
vou me embora correndo pra guajará-mirim
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júlio
DOIS DE MARÇO
DOIS DE MARÇO
O curioso é ver como as pessoas se relacionam.
A gente se conhece, se desconhece e se reconhece: É como um ciclo cada relação!
E amadurecer talvez signifique entender esse ciclo. Ponderar sobre o momento de cada um.
Sim, nesse momento posso estar desconhecendo alguém que conheci para a reconhecer...
Meus olhos param de procurar outros olhos e se encantar com outros sorrisos.
Meu coração parece hibernar, batendo lento e suave. Um pulso quase imperceptível.
Quem me visse diria que não habito mais meu corpo...
No entanto, todos os dias eu me levanto cedo; trabalho e cumpro minhas obrigações.
Quando tenho tempo livre, escrevo e leio compulsivamente.
Não culpo mais a mim ou a Deus. Pacificado, embora
não consiga rezar ou ter qualquer acto tendo vista a minha salvação
fosse mediante fé; fosse mediante obras...
Não me salvo ou permito que me salvem. Tenho passado os dias indiferente a isso.
Deus, quem quer que seja Ele, não tem me inspirado o desejo de ser salvo,
portanto, está me destinando ao limbo que pouco difere de minha vida actual.
Não me incomoda isso.
Se Deus não me quer entre os seus, Ele deve ter lá suas razões.
Nunca vi a salvação como mérito pessoal, sim como uma alegria inspirada pelo divino capaz de levar o homem a se aproximar do sagrado.
Alegria essa que não experiencio há séculos...
Penso que quando a Fé acaba, tudo o que resta é religião, isto é, a sistematização da necessidade humana de conhecer Deus mediante práticas, hábitos, tradições, regras, ideais, respostas...
No fim, o amor se impõe como o dedo de Deus apontado!
Obediente, amo. Mesmo que me sinta tão mal depois.
Não. As circunstâncias da vida não me permitem o amor. Eu devo apenas seguir em frente e tentar manter as coisas simples: Talvez todo encontro amoroso necessite ser fugaz.
Ainda assim, o amor permanece como um mistério. Sei lá... Não sei mais no que acredito.
Tampouco se ainda faz sentido acreditar.
Acreditar? Sim, acreditar: Saber sem saber porquê.
Humildemente, eu amo porque preciso amar. Isso me faz fraco porque suscetível.
Amando, eu me reconheço incapaz de ter uma experiência plena de mim.
Ouvir e ser ouvido; tocar e ser tocado; ver e ser visto... O outro faz com qu'eu me revele a mim.
Se Deus for de facto amor, minha pequena fé pode brilhar como o sol e, amando, eu posso ser capaz de ser melhor; de querer ser melhor. Por consequência, beatitude e santidade.
É apenas por amor que alguém se torna bom.
Betim – 02 03 2016
março
hoje
dia doze de março
morreu ainda mais um pássaro.
ninguém por ela deu.
foi o silêncio
o silêncio
pesado do ar
que o fez tombar.
tudo o resto
é ruído e penas.
As ausências dos marços
Trago ausências de marços, onde andorinhas nos beirais anunciam primaveras que já foram. Trago saudades dos meus a pingarem-me dos olhos, a fazerem-me tirar o lenço do bolso para as enxugar num breve fungar. Trago lembranças antigas, escritas no vagar do tempo e que vou folheando nas horas vagas. Retratos de ontem onde também estou mas sem me ver. Tanta gente que já aqui não mora. Tanta vida, a maior parte já esquecida. É estranho. Não consigo explicar...
Trago anos de solidão a agrilhoarem-me sem perdão.
Trago rugas na pele que me desfiguram o rosto liso de outrora. Que me denunciam a existência espinhosa. Fixo-me na distância de uma vida, até onde o olhar pode alcançar. De que me poderá valer? De nada!
Desisto, visto que se me embaciam os olhos e aos outros pouco ou nada importa.
Trago noites nas bainhas dos dias, onde sombras por desvendar... talvez almas dos mortos que fui velar, a chamarem-me.