Novo dia
Serenamente, beijo a madrugada e o perfume que se solta da escuridão.
Esta bonança devolve-me a inteireza de espírito e faz-me acreditar num dia cheio de bem aventurança, paz, amor, alegria e verdade, um dia cheio de luz.
Já sinto o dia chegar cheio de novidades.
Já sinto o frescor da nova aurora a prometer momentos repletos de luz e muitos olhares iluminados, sorrisos serenos, ternura nos gestos, gentileza nas palavras, calor nos corações.
O dia promete esperança no inusitado e um olhar sobre o grande plano das coisas num vislumbre mais elevado. O vislumbre que nos oferece Deus em toda a sua sabedoria e amor.
A calma da noite sossega o meu peito dando-me aconchego e amamento para me recuperar dos dias loucos de outrora. Mas, fundamentalmente, faz-me acreditar numa mais elevada forma de ver a vida e de viver, com mais bondade, mais altruísmo, mais gentileza, mais empatia, mais alegria e mais esperança.
Espero deste dia uma dança com a vida e com toda a sua beleza. Uma dança de carícias, de ternura, de paz, de amor.
Ferida Aberta
Naqueles dias corridos em que o tempo era escasso para os inúmeros compromissos e a multidão desenfreada esquecia, distraída, os enigmas singulares que o sussurro da criação pronunciava no vento, a mulher desconhecida reparava a ferida irreparável que a força de tantas horas de batalha sulcara em seu corpo.
Naqueles dias corridos, a pressa sufocava, a angústia aprisionava, o suor era de dor e a mulher resgatava as suas partes com a profundidade dos campos de acácias.
Reparava a ferida com o unguento da ternura de sua carícia cansada.
Nas mãos uma história rasgada pelo tempo.
No corpo a memória da raíz da paixão marcada pelos golpes ásperos da tempestade que dizimara sua seiva existencial.
No olhar uma espera do inabalável, da verdade que infunde o suceder de gestos que não se façam poeira na inquietude do relógio, no tumulto da cidade, nas palavras mecânicas.
Os simples gestos que no silêncio da valsa das acácias reconstroem um semblante outrora esquecido.
Gestos tão envoltos em verdade que os propósitos das palavras se tornarão menores ante a magnitude do sentir.
Liberdade
Liberdade é inventar um cântico
Escrever poesia levitando no ar
É mergulhar no oceano de emoções que nos aquecem
É sentir a madrugada e toda a sua serenidade
Beijar esta Terra que nos nutre e protege
Entrar na tempestade livre de temor
Sair da tempestade fortalecido
Pairar acima do infortúnio e do caos
Deixar-se envolver pela harmonia
E voar acima de nós mesmos
Desterro
Esperava longamente
Os dias de um sonho que não lembrei
Como promessa errática
Saída do teu coração tão breve e incauto
Onde só o vento se sustém
O sabor a renúncia
Transbordava do meu ventre
Que não regaste
E num sopro apenas
O rompeste
Na multidão eu voltava à realidade
De uma cidade esquecida dos sumos do tempo
Tão adoecida pela exaustão
Desmemorizada dos dias de sonho
Em que se pairava na promessa de vida
E em fuga procurava um ar mais puro
O diamante por entre as visões poeirentas
E o saber negligenciado
Atirado para o chão como roupa suja
E ali, desterrados
Ouvimos até sem querer
Palavras que nos cortam a emoção
Medo louco daqueles redemoinhos de ruído
Que denunciam sombrios caminhos
Letargia
Que letargia, que cansaço, que falta de emotividade.
E que incompreensão a minha perante o que me tolhe o sentir, o movimento, o existir.
Caio na estrada, derrubada pelo peso da vida que se fez ferida na minha alma, no meu pensamento, no meu agir e deixo-me ficar, morrendo para o meu entendimento e querer. Deixo-me padecer nos braços daquele que me colhe na procura de um pequeno brilho no azul celeste. Na procura de sentir a vibração mais alta que posso conceber para me tirar do sono profundo do Ser e me elevar até o infinito.
Sono profundo que não me deixa ver ou saborear a maravilha do Eterno, a maravilha da existência.
Procuro bem no centro o sol que me traz vida. Que derruba os muros da insensatez e me abriga no Presente, dádiva feliz que me cinge e que me faz querer degustar a promessa do sem forma, sem nome, atemporal, sem limites e tornar uma só com o firmamento. Beijar as estrelas e descansar nas nebulosas e daí saltar para a realidade da perene Luz que me circunda.
Procura
Persegues -me pelas ruas da cidade, ávido pelo que em mim germina.
Perguntas à aurora. Perguntas à flor que brotou em teu peito quando de amor ressuscitavas em meu leito.
Desconheces os meus caminhos de ora e te frustras na multidão.
Vês semblantes perdidos em busca da salvação.
Entendes os seus gritos e choras por compaixão.
Sempre foste o germinar da esperança no meu olhar, meu menino inquieto. Eras quem clamava pela minha alma quando nossos corpos se uniam em chama.
Resgatavas fragmentos meus com teus lábios sussurrantes e desvelavas os segredos que eu não podia revelar.
Despiste-me no silêncio de um olhar.
Atiçaste o meu coração mão na mão.
Agora procuras o caminho que é meu, fruto do destino, feito devagarinho, entre luz e breu.
Suado gritas por quem desejas na tua cama com cheiro a sonho e a anseio.
Bebes do néctar do colo numa espera atribulada.
Mas quando no espaço infinito a minha alma te visita vertes mel do teu peito com cheiro a desejo e a fruto maduro.
Doçura
O fascínio desta manhã leva-me a recordar a suavidade da vida.
Doce e terna, suave e delicada é a presença do Amor em meu colo.
E eu quero amar. Amar mais que ontem. Amar mais e mais e trazer esse amor à tona para que a sua vibração abrace todos os Seres que me rodeiam.
Canto a verdade. Canto a ternura. Canto a doçura do tempo sem limite que se faz brando e quieto.
Canto a alegria do novo e do que ainda não se manifestou.
Sou feita da água fresca que revigora as intenções.
Sou feita do amor Divino que todo o tempo me abraça e embala os meus passos.
Preciso da sensação da alma viva, cheia de Deus, derramando sobre mim a seiva vital da existência.
Preciso do Seu beijo no meu coração e dos Seus dóceis sussurros no meu imo.
Acredito na renascença de novas flores que perfumam o caminho com delicadas notas.
Acredito no Amor Eterno em cada ser senciente que transforma vidas e abraça a humanidade.
Inverso de mim
Procurei entender como funciona o inverso
O inverso do que eu sou
Naquilo que não penso sobre mim
Procurei entender o Universo
Aquilo que é tão pleno e magnânimo
Que suporta todas as contradições
E então percebi que dentro
Há um fulcro universal
Acima do bem e do mal
Muito além do que a imaginação quer ditar
É um socorro contínuo
Faça ventania ou solarengo dia
É um suporte contínuo
Que nunca te vai abandonar
Mesmo que desças ao inferno
Ele estará lá para te suportar
Procurei entender o meu desalinho
E as quedas bruscas que dou
Sou uma com o Céu
Pai que nunca me abandonou
E já não temo, apenas entrego a Deus a minha alma
O inverso do que sou
Seria tão bem aventurado
Mesmo que perdido em enfado
Seria o efeito da vida em mim
Vida que é norte e poder
Boa sorte se Deus quiser
Íntimo
Esvoaçamos entre as palavras e os suspiros
Numa noite feita de ternura e compreensão
Vertemos sobre nossos cálices a imaginação
Percorremos a brisa na pele e nos aquecemos num abraço
Na madrugada bebemos da seiva da sabedoria
E adormecemos brandos nos braços do Amor
Entrei em tua alma, no teu olhar, no teu corpo
Não como invasora, mas como borboleta
Para te sentir mais dentro
Entraste em mim de mansinho
Com esse olhar de querubim
Fizeste em mim um ninho
E assim te queres acolher enfim
Dourado do Existir
Aqui, no silêncio do meu corpo, dormem os sonhos que antes davam fôlego à minha existência.
O silêncio escuro do dia abafa discretamente o dourado que a minha alma, um dia, exalava. A névoa da solidão assusta e o meu corpo, inerte, clama por mais chama.
Não tenho noção do quão longínquo paira esse dourado essencial que outrora foi companhia inquestionável e firme. Não tenho nem memória de como eram esses tempos pontilhados pela alegre sensação de viver. Não me recordo do que vi, do que aprendi, do que experienciei. Apenas sei que se fazia sentir o dourado do existir.
Hoje, rodeada da sombra do que fui, deixo cair a história na gaveta na expectativa que de novo, de mansinho, eu venha a reabri-la e do tesouro da ressurreição eu possa saborear delicada e suavemente como quem descortina a revelação da Vida.