Ausência de mim
Morro aos poucos numa insatisfação crescente
Abotoo-me a loucuras que se desprendem
Em orbes de irracionalidade pura
Apenas quero viver... respirar
A máscara do sofrimento corrói-me o entusiasmo
Mesmo quando invento esperança
Em expectativas que se perdem no tempo
E então ressuscito com outra máscara,
Como se pedisse à existência
Uma outra oportunidade de ser feliz
Como se deixasse para trás o que fui
E outro ser renascesse de uma época sem sentido!
Numa permanente ausência de mim...
Esvoaço nos planaltos do desalento
Na desilusão pelo cinismo das pessoas
Voo na incompreensão de orgulhos sem nexo feitos
E pouso numa árvore morta
De tanto lutar contra os castradores preconceitos
Numa permanente ausência de mim...
De asas pequenas e frágeis
Refugio-me no desfiladeiro mais alto
Que der para o mar azul magnânimo
Talvez se daí desfrutar um pôr-do-sol alaranjado
Levante ala com outro ânimo
Numa permanente ausência de mim...
De que fibra é a nossa alma feita?
Que amarguras passámos
Que testes horrendos enfrentámos
Que milagre mantém a sensibilidade
Que vibração nos une!
Descanso serena…aquieto-me!
Então num artifício de pura magia
Através de ti
Retorno a mim!
Casulo de solidão
Quero desfazer-me das vestes do tempo
Quero ultrapassar desaires
Que me envolvem e me prendem em casulos vazios
Sobrevoando planícies e lagos, castelos e fortalezas
Montanhas agrestes e rios
Quero inverter os ponteiros do relógio
Até ao instante em que me tocas, em que te toco
Até à noite em que me abraças e eu te abraço
Em que os nossos pés se movem sobre a areia da praia
E me acolhes em ternura sobre o teu regaço
Recuar no tempo até ao dia em que me olhas de desejo
E eu te invado perdidamente e louca
Então planaria nos tentáculos da história que se faz vida
Seguiria a águia poderosa até ao castelo mais alto
Cicatrizava instintos e presas caçaria
Acompanhava-a em movimentos de sobrevivência
Defenderia com garras o meu território em ousadia
Mas triste realidade!
Fui eleita para amar e não ser amada
Fui feita para compreender e não ser compreendida
Nasci para beijar e não ser beijada
A minha sina faz parte do livro do esquecimento
Parece que nasci simplesmente para sofrer calada!
A verdade do caos
Demando a chama nas trevas
Ergo a cada queda entre o tumulto do egoísmo
Vivo no meio do caos mundano
Qual onda de espuma volúvel que na praia rebenta
Trepo ao convés de um navio que naufraga
No centro de tenebrosa tormenta
Suporto a balbúrdia de perfil erguido
Mantenho a lucidez na confusão
Navego na quietude mesmo em mar de inferno
Sulco águas poluídas com alma de mansidão
Permaneço em refúgio de silêncio rodeado de tumulto
Mesmo em torrentes exaltadas de agitação
Moro em casebre de inteligência
Numa agremiação feita imbecilidade e capricho
Gemo sob a opressão de um fardo pesado
Progrido numa transfiguração de posturas
Assimilo o evoluir consciencializando o fado
Aprendo com a desvirtude, qual visão
Transporto aos ombros as penas do presente e do passado
Sem condições de libertação dos tentáculos do pânico
Como se o futuro fosse inexistente
Construído apenas paradoxalmente num vazio vulcânico!
Provação
Que embaraço é este que me fere o corpo
Que desgraça estava traçada antes do meu nascimento
Infortúnio à espreita por entre nuvens negras
Onde a adversidade é gémea do meu tormento
Que desventura perpassa no meu coração
Que desdita me abafa a voz
Contratempo de um Tempo maior
Um tempo que estagna abandonando-me a sós
Que revés me amarra os membros em prisão sombria
Que vicissitude oprime o peito sem respirar
Malogro de um voo que não se projectou
Poço de frustração em que se perdeu o acto de amar
Desapontamento do espírito que vagueia perdido
Melodia do desengano num ser em surdez
Desilusão num passo de dança sem companheiro
Qual aborto expressão dolorosa da pequenez
Que cilada é esta feita de espinhos
Quem foi que me esqueceu nos confins deste universo gélido?
Tombo e ergo-me infinitamente
Mas a pujança esfuma-se neste mundo pérfido!
Anjo
Pressinto um anjo que me acompanha
Nas minhas loucuras e delírios
Que me pergunta a todo o instante se estou bem
E uma energia positiva invade-me a alma e o corpo
Prosseguindo feliz a minha viagem como se isso me preenchesse!
Olho pelo espelho retrovisor e na retaguarda tudo calmo
Desfrutando a jornada como se te sentasses a meu lado
Colocasses a tua mão sobre os meus joelhos
E de novo sentisse a quentura das tuas mãos
Sorrio…
Ainda sorrio porque te sinto em mim.
E este retrocesso no tempo me basta!
Estás presente em ternuras de amante!
Afago-te a cabeça, os cabelos
Num querer íntimo fecho os olhos eternizando o instante
Consigo trazer-te de volta
Tocar-te!
E então num gesto de mágica sinto-te, cheiro-te, olho-te!
Amo-te num mundo de doçura
Mas és um anjo que não quer ser amado
Caído em amargura!
Amor é deixar ser em liberdade um coração
Porque ao contrário da postura do comum dos mortais
Amor é deixar partir por deliberação
Amor é ave que pelo céu infinito bate as asas crente
Amor é no espírito permanecer eternamente
É permutar em deslumbramento que voa
Num êxtase sublime a minha vida pela tua!
Humilhação
Há momentos em que o cerrar de olhos
É o sentir de uma dor no coração desfigurando o rosto
Um aperto cruel na ausência de calor humano
O cansaço que anuncia a navalha afiada do desgosto
Um gesto obrigatório de altear a fronte
Explodindo no refalsamento um renascer intemporal
Hierarquia de valores num recobro de teimosia
Paradigma dum ressurgir vulcânico consumado dignidade
Porque o combate também é pelejado por quem silencia!
Algemas pesadas num estatelar moroso e aflito
Padrão de sorrisos em lágrimas que deslizam sob a pele
Qual rio subterrâneo que molda o ventre da Terra
Estigma de sulcos agonizantes na garganta do tempo
Onde a voz límpida dá lugar à rouquidão
Por ausências que ferem o alento
Por estrias gravadas com sabor a sofrimento!
Porque há sentires que se guardam unicamente na alma
E não têm objectiva e concreta tradução
Em nenhuma linguagem e código humano
Por aviltamento e censura à comunicação
Mas por milagre e imperiosa vontade
Eis que a tenebrosa humilhação
Solta um bramido desesperado de agonia
Transfigurado em louvor de redenção
E mesmo na batalha perdida há um clamor de alívio
Como se dos grilhões que nos amarram
Renascêssemos feridos mas em estado de libertação!
Desventura
Perdi a conta às vezes que escorreguei
Já não sei também em vórtices de tempo
Quantas vezes desenraizada me levantei
É um ritual mecânico
Como um robot que se auto constrói
A cada batalha sangrenta
Faltam peças aqui e ali e dói
Mas rapidamente se consertam
Como se houvesse realmente
Um deus das máquinas e laboratórios
Restauram-se os corpos, os metais os fios de ligação
Aperfeiçoam-se programas e softwares
Mas haverá conserto para uma alma humana em agonia?
Haverá algum meio de ligação à alma mãe
Que nos pode dar a paz e a harmonia
Para que tudo funcione em pleno?
Um assimilar constante e tresloucado
Reflexos feitos de intuições
Uma vigia constante
É urgente que se suspendam os vendavais
Que deixem de se ouvir o ribombar dos canhões
Que as mães embarguem as lágrimas vertidas
Em dias sombrios de abandono
É premente o homem não ir em enganos
Cego de ilusão, perdido em sonhos
De gentes parasitas e pensamentos insanos!
Queda inevitável
Balanço-me numa corda segura
Entre as duas margens abruptas
De um rio calmo serpenteando em bonança
De águas profundas e negras
Cunhando imperiosamente a sua presença
Em serras agrestes e majestosas
Encontro o equilíbrio momentâneo
Entre vertigens que atemorizam o meu ser
Mas a deliberação de planar permanece
Num jogo de vida sob o abismo intempestivo
Num deslize partes de mim se esfumarão
Em fracções de tempo
Se as forças me faltarem
Se as estratégias falharem
Se os meus olhos cegarem
E o tumulto das emoções
Anulará a temperança
E a razão perder-se-á na proporção
Infinita dissimulação nascida pseudo filosofia
Revogará a sensata moderação
E da mente se ausentará a harmonia
Pois a existência, como um karma
Só para alguns se torna horrenda
Porque morrer é a parte mais simples
Há quem esgotado pela amargura defenda!
O clamor do vento
Escutem o vento!
O bater de portas e janelas
Os sibilos da revolta
De quem quer sair da masmorra de mutismo
Sintam-no passar ao lado
Provocar um arrepio de frio
Estilhaçar vidros e janelas
Lançar cabelos ao vento
Derrubar árvores
Qual sopro gelado que nos rodeia e agoniza
Quero abraçar o vento!
Segui-lo até à Serra mais inóspita
Flutuar com ele e transformar-me
Em vórtices de invisibilidade.
Porque o mundo já nada me diz
Porque destruí as pontes em endiabrados
Momentos de tormento
Quero amar o vento!
Porque os silêncios são feitos de lutas
Travadas em campos sombrios,
Em que conscientemente me arrogo
Beligerante num eterno insulamento
Bem gostava de ser a pomba branca anunciadora da paz,
Mas sou apenas a ave ferida em delírio
Que teimosamente sobrevoa pela última vez,
Quem sabe, o seu último retiro!
Apartamento
Abandonei a embarcação mestra
Imperiosa navegação tive de fazer
Para lá do oceano profundo palmilhando o tempo
Sigo apenas a pujança das correntes marítimas
E mesmo em escolhida solidão ultrapasso o tormento!
Demando sem bússola um centro, um abrigo
Enxergo e medito neste mundo decadente
Um sentido para esta existência paradoxal
É hora de volver à minha alma
Salvaguardar-me do fleumático mal!
Razão de uma inteligência maior que nos comanda
Numa pluralidade apenas aparente
Em inevitável e gloriosa união eterna
Divididos estamos unicamente aos nossos olhos
Pois permanecemos em perpetuidade fraterna
Ponteiro de relógio feito de enganos
Choros de traição num inexistente passado
O futuro é apenas palavra solta por aí.
Pois o que de facto importa
É que fazemos todo o sentido
Num hino ao amor agora e aqui!