O ar era um caldeirão de especiarias e suor, uma essência bruta da humanidade. E as ruas eram um rio de gente, onde a cor da pele se fundia na poeira sagrada do destino.
I.
O ar denso guardava a alquimia do mundo, Um perfume de terra, cana e sal: Na urdidura da rua, o cheiro profundo de humanidade, viva e desigual. Ecos de mar e de mercado antigo, Onde a pressa esbarrava no destino, E o silêncio era um peso de castigo Na partitura rouca do violino.
II.
Multidão em cores que o sol acendia, mestiços, brancos, a tez da cor do açaí. No andar da gente, a própria poesia De quem carrega a vida toda ali. Nos olhos, o espelho da feira que berra, No peito, a força de um tempo sem eira, A crônica de amor escrita na terra, No rumor santo de toda a capoeira.
III.
Mas no meio do cheiro e do rumor vasto, Havia um segredo guardado na sombra. Um homem de camisa de linho gasto, Que olhava o chão e de ninguém se lembra. Sua alma era a ilha de um mar silente, Onde as vozes não chegavam nem perto. A vida, embora tão forte e tão quente, Deixava o seu coração sempre incerto.
IV.
Carregava nos ombros o fardo do espanto, E nos bolsos, um papel já desfeito. O silêncio era o seu único manto Naquela confusão que o tinha no peito. E o cheiro forte, o forte cheiro da rua, Não bastava para preencher o vazio. Ele era a parte ausente, a face nua De um amor que se perdeu pelo rio.
V.
No papel desfeito, quase inexistente, A frase de amor que nunca houve. A tinta esvaída, o sonho dormente, A palavra que o destino desaprovou. Era um "eu te amo" que a garganta reteve, Um beijo guardado para a eternidade, A promessa leve que o tempo não tece, Semente morta de toda a saudade.
VI.
E o homem, em meio à feira que pulsa e vibra, Era a própria antítese do lugar. Enquanto a vida dançava, ele era a fibra De um luto quieto que não pode acabar. O cheiro do mundo entrava-lhe nos poros, Mas a alma só sentia o perfume frio Do amor que se foi antes dos socorros, Deixando a vida ao rés do pio do rio.
VII.
E assim, sem alarde, sem brado ou lamento, Ele dobrou o papel, a cinza do nada. Misturou-se ao suor, ao ruído, ao vento, Mais um fio na trama da rua apinhada. Pois a vida é maior que a dor que se sente, E o cheiro forte, que a tudo engolia, Era o eterno convite, insistente, Para o próximo dia que já se anuncia.
Sou Mundos!
Chris