Sexta-feira, 30 de novembro
Choveu forte a madrugada toda. Pensei que o reboco da laje tivesse caído. Mas graças a Deus está tudo tranquilo. O tempo continua fechado, não sei o que Marju profetizou, no momento relia "Plexus" de Miller. Delegado espera Seu Carlito que prometeu trazer um resto de pinga - Delegado tem um plano B - caso ele não aparecer, irá encher os baldes no bar de uma amiga em troca de meia-garrafa, são doze baldadas, cada uma é uma dose.
Mais tarde na mesma manhã nublada
Bardaux & Cia ajeitam um portão, cortando-o no disco de corte. Venho me sentar nos degraus da escadaria externa de uma das filhas de Seu Obina. Soldei e reforcei a tampa da cisterna, depois ele vai esmerilhar pra dar um acabamento melhor. Deu-me dois reais, comprei e paguei adiantado os enrolados de presunto e queijo. Ganhei um pastel de carne, ontem foi uma coxinha de galinha adormecida. Little Fat deu-me o café com leite, mas sem o pão. A chuva não o deixou sair de casa. Após o café uma Carba@ para amenizar as tensões psicológicas. Tenho uma aparência de mendigo, as pessoas têm asco de mim, estou pouco ligando para esses pequenos detalhes - O importante é o que sou - um ser humano que sonha em ser um escritor e ser reconhecido com tal
O sol timidamente das as caras. Seu Obina ansioso para apanhar e trazer o carro para a sua garagem e assim evitar pedir carona para se locomover. Mãe e filha conversam na outra porta. O irmão caçula de Joãozinho Mecânico passa com um arco de serra na mão. Um rapaz empurra uma motocicleta
Sábado, um de dezembro
Os penduricalhos da tampa de cisterna estão prontos, aguardo apenas Seu Vavá, o dono indicar as suas posições. Mestre Bardaux deu-me dez reais em duas cédulas de cinco, devolvo-lhe uma. Estou devendo-lhe um serviço passado. Seu Obina está todo feliz como pintinha na bosta, o Gol na garagem, veio chamar-me cedo pra vê-lo.
A bursite do braço direito continua perturbando. Seu Obina sentado na calçada alta de Dona Edna de frente para sua garagem namorando o possante, enquanto degusta um pacote de bolachas, chamo-o para sentar-se na sua cadeira, mas nem liga, quer mesmo é dirigir o possante. Apanhei água na sua fonte, ao entrar no beco fui anestesiado pelo odor gostoso de terra e mato molhado que invadiram as minhas descontraídas narinas, faltou apenas o doce cheiro da bosta de boi.
Ultimamente estou muito relaxado, troquei os clássicos que tanto amo e admiro por George R.R. Martins. Depois que encerrar essa releitura da "Guerra dos Tronos - I" penso em encarar o velho bruxo do Cosme Velho, o genial Machado de Assis, relendo "As Memorias Póstumas de Brás Cuba" - As medidas da tampa ficaram meio-centímetro menor.
Quase meio-dia. Seu Vavá não apareceu. Em compensação Seu Bude abriu a reunião, depois chegou Gordinho e Samuca, o pedreiro que estava inspirado com umas duas na cachola. Dona Vanda pediu-me para guardar um par de botas em bom estado que achou na calçada de Seu Obina perto da lixeira de suas quitinetes. Seu Bude já tinha "passado o pano" nela, mas ficou na dúvida. Então dei-lhe.
- Deixa Dona Vanda comigo. Ela não iria fazer uma doação, então - disse-lhe para acalma-lo e coloquei logo dentro da sacola.
Seu Zé, caxingado devagar, com problema na coluna, contou que teve um colapso tão grande de dor que não conseguia ficar em pé ou se locomover quando chegou na Unidade Mista Itaqui-Bacanga que lhe aplicaram um injeção de Morfina, que o deixou bem relaxado e anestesiado. Cara que legal! - pensei, adoraria tomar uma dessa.
Um por um foram saindo, restando apenas Seu Bude e Nhá Pu recordando o tempo que moraram na Vila Palmeira
O radinho caiu e silenciou-se, uma pilha correu para debaixo da mesinha do canto.
_ Seu Raimundo! - grita Seu Obina aproximando-se, sem camisa e pitando. Esparra-se na sua cadeira.
- Doutor! - exclamou com uma voz estentórica que ecoou na rua toda, o carroceiro Rafael sentado no varal da carroça que passa lentamente.
Seu Obina injuriado com Seu Cardozo, o merceeiro e Seu Apolônio que teceram uns comentários negativos em relação ao seu vicio de fudão
- Ah! eu não dou meu dinheiro para essas vagabundas - disseram para espevita-lo, sabe que ele não mede esforço para satisfazer a sua tara e gasta todo seu salario com as pixixitinhas. Cada um na sua.
- Que vê o motorzinho dele? - Convidou Claridio para verem o possante.
- Seu Raimundo! - Saúda-me da calçada Seu Moreira com sua reluzente camisa vermelha.
Seu Antonio, o negão forte das polpas de frutas empurrando o carrinho de três rodas com a caixa de isopor, desvia-se da viatura de uma prestadora de serviço telefônicos que estende um cabo e dois operários de capacete azul, ambos carregam uma escada nos ombros.
Domingo, dois de dezembro
A tampa ficou meio-centímetro menor, o dono com certeza vai reclamar.. Ontem a noite, Seu Biné le president do mercado local requisitou-me para fazer uma grelha. A manhã amanheceu com um sol resplandecente, enchendo-nos de esperança. Um curto-circuito na banca de hambúrguer de Zamba no começo da rua 16. O vendedor de carne de porco atendia uma cliente espantou-se com barulho. Um pretinho baixinho que enchia um carro de mão com entulho parou com a pá no ar. Na Praça das Sete Palmeiras, Seu Riba escorava-se num dos canos de sustentação do toldo da banca da conterrânea, observando os funcionários do sacolão de Berrete montar os tabuleiros na calçada em frente. Seu Eudes, verdureiro ambulante montava a sua em frente da Fribal. Na 19, D,J, um moreno forte amanhecera com uma garrafa de pinga, sentado na beira do meio-fio em frente a sua residência conversava sozinho, gesticulando e balançando a cabeça ébria:
- Eu sou D.J., o gerente da Bike- Center - ao ver-me, acenou para mim; - Eh! Poeta, olha essa barba de responsa - acelerei os meus passos.
Seu Vavá o dono da tampa, passou e deu as instruções finais e vinte reais e seguiu para o mercado, na volta dará o resto e a levará. Paguei dois reais por uma cartela com nove Carbamazepina para Delegado que suspendeu o grode, uma semana nele. Pintei a tampa e entro naquela neura de que vai errado. Seu Obina intranquilo e irrequieto, quer dinheiro para trocar as velas do “possante" e outras coisas. Consultou o saldo e a grana ainda não caiu na conta. Paguei os enrolados de presunto e queijo até quinta-feira. Seu Vavá levou a tampa, quando a colocar, vai insultar-me - como cantava Carlos Gardel "por una cabeza" e eu por meio centímetro. Alckemena arranja-me um analgésico para as dores ciáticas. Entristeço-me quando penso na perda do livro "Comedia Humana" do escritor americano William Saroyan - talvez eu seja chato e repetitivo como um bêbado enjoado que repete sempre o mesmo assunto, mas esse é o meu ser, meu tipo enjoado de ser. Perder um livro é perder um pouco de mim. Lamentável.
No Residencial Aquiles a caminho da residência de Janos, convidou-me para degustar uma saborosa feijoada que a sua digníssima esposa prepara. Bebo a terceira lata de Glacial num bar da esquina, onde dois encabulosos dissecam a vida dos vizinhos.
No terraço da mansão de Janos, os cães não ladraram quando voltei com as quatro latas de Glacial. A esposa agoniada prepara as verduras para a acompanhamento. Ouço o mago do sax phone Charlie Parker. Janos desaparece e chega com as latas, a travessa com o suculento feijão. os pratos, as colheres, a farinheira. e os coloca na mesa. Lambo os beiços entorpecidos pela cerveja e caio matando.