NEVOEIRO
NEVOEIRO
No pântano triste ouço gritos ocultos
Mefítica bruma meu peito nauseia
Cadáveres rotos na lama, insepultos
Das fábulas restos um louco tateia
Esquálidos corpos, visagens e vultos
Intrépidas setas disparam na cheia
De oníricas chagas saudade, tumultos
Indômitos, zurzem e nada clareia
O cântico doce envolvido em fumaça
Em fúnebre choro transmuto, sem graça
O cândido embalo, teimoso, persigo
No pútrido campo de mágoas horrendas
Patético rito... Que rédeas! Que vendas!
Nostálgico, entrego-me a ti, meu castigo!
CACHOEIRAS
CACHOEIRAS
Alucinado, em ti derramo sonhos.
Da tua pele o gosto deixa ardendo
a minha boca de prazer tremendo.
Olhares falam de um querer, risonhos.
Sob o calor dessa paixão, sozinhos
alados, vamos pelos céus voando.
Lubricidade brada, é voz, comando
aos incansáveis, juvenis carinhos.
Ao te tocar, a sede não contenho.
Dessa torrente o coração inundo.
No leito doce um éden te desenho.
Maravilhoso, amada, nosso mundo
tem cachoeiras quentes... Quanto engenho!
Em fantasias mergulhamos fundo...
ALARDES
ALARDES
Teus lábios purpúreos nos meus imagino
colados, famintos, ardendo em fogueira
enquanto de agrados me cobres faceira
fazendo adejar indomável menino.
Se bebo dos beijos o sumo termino
nos ares de um éden de brisa fagueira
deixando a malícia fluir sorrateira
nas largas entranhas do meu desatino.
Dominam-me as veias nervosas correntes
tomando, oprimindo meus gestos pudentes
até que revelo as vontades, princesa.
Meu bem, necessito que venhas, não tardes!
Não posso calar mais aqui os alardes,
domar essa chama imortal, sempre acesa...
FESTINS
FESTINS
A parca luz presente nos jardins
permite que perceba seus livores:
hortênsias, margaridas e jasmins
surradas pelo ocaso dos amores.
Como alucinações soam clarins
anunciando o fim das doces flores.
Motejam os algozes em festins
regados pela chuva de plangores.
Golpeiam-me afiados pedregais
abrindo muitas fendas doloridas
nos pés que as aflições não querem mais.
Latejam sem parar minhas feridas
porque já se aproximam os umbrais
das celas, lares d'almas iludidas.
TROVA 001
Quando as esperanças mortas
já não têm lugar no peito,
nos olhos rompem comportas,
a face tornando leito.
AVES SANGUINÁRIAS
AVES SANGUINÁRIAS
Abutres sobrevoam, famulentos
Meu corpo lacerado, agonizante
Recendem desengano os ferimentos
Da vida sou despido a cada instante
Entregue, nem profiro mais lamentos
Somente é do estertor o som reinante
Não saboreio méis, alumbramentos
O cheiro do abandono é sufocante
Lamúrias tenho tantas... Ah, são várias!
Têm pressa aquelas aves sanguinárias
Está sacramentada a dura sorte
Verdades reprimidas vão comigo
Tu vais te arrepender desse castigo
Que me infligiste... Dou-te minha morte!
BORBULHAS
BORBULHAS
Se os olhos me cercar a escuridão selvagem
Que traz aos dias meus, amada, tua ausência
Em busca de acalmar essa feroz carência
Descanso no frescor de deleitosa aragem
Soprada dos lençóis adocicada essência
Esculpe na retina insinuante imagem
Um anjo sedutor desnuda a vassalagem
Borbulha de saudade o sangue... Efervescência!
Sem ter as tuas mãos dizendo em mim ternuras
Enfrento a solidão a bordo de aventuras
Que embala nesta noite o rastro de perfume
Espero-te a sonhar o aconchegante abraço
Preciso me aquecer no especial regaço
Deitando no teu corpo alucinante ardume
O VELHO CASTIÇAL
O VELHO CASTIÇAL
Na gelidez da noite aterradora, parda
histórias de um amor que eterno parecia,
pedaços do que foi cumplicidade um dia
aquele castiçal enferrujado guarda.
Tristonho, o coração suspira e se acovarda,
à mesa enxerga luz, seus prantos alivia,
seu aconchego faz a tênue letargia,
permite-se sonhar, somente o fim retarda...
Pudesse dominar sofrida penitência
largando no caminho esta esperança morta
não ninaria em vão qualquer reminiscência.
Incorrigível sou, mesmo se a dor me corta
padeço ao te esperar, lancina tua ausência,
mas olho para trás e tu fechaste a porta...
NAS ALTURAS
NAS ALTURAS
Indóceis, sequiosas criaturas,
nas asas de adoráveis brincadeiras,
aos beijos, derrubamos as fronteiras,
galgando da paixão lindas alturas.
Fragrâncias nos seduzem sorrateiras,
embalam fascinantes travessuras
embebem corações, trazem branduras,
amimam almas delas passageiras.
A brisa do desejo é sopro morno
deitando sobre nós toques suaves,
aos rostos dando vívido contorno.
O tempo infelizmente não governo,
mas se tivesse dele, amor, as chaves
faria esse momento nosso eterno.
LÁBIOS CAMINHEIROS
LÁBIOS CAMINHEIROS
Na tua pele solto a fera audaz
tocando devagar a maciez
de um corpo que transpira calidez,
aguça imaginários, fogo traz.
Em ti meu coração se satisfaz,
embevecido, perde a lucidez,
levita, permitindo-se ebriez
porque te resistir é incapaz.
Bebendo da lascívia, teu licor
os lábios caminheiros longe vão,
felizes, encharcados de dulçor.
Dos olhos sorridentes o clarão
confessa a imensidade desse amor
regado por desejo e perdição.